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Entrevista aos Cradle of Filth


Há quase três décadas que Dani Filth é o cérebro infernal por detrás dos Cradle of Filth, uma das bandas mais icónicas e teatrais do metal extremo. Desde os seus primeiros dias de black metal com toques góticos até aos seus grandiosos pesadelos sinfónicos, os Cradle of Filth têm consistentemente expandido os limites do horror, da melodia e da narrativa macabra. Com o seu último álbum, “The Screaming of the Valkyries”, a banda continua a evoluir, provando que a sua arte sombria continua tão potente como sempre.
Nesta entrevista exclusiva, Dani Filth fala da inspiração por detrás do novo disco, o processo criativo que mantém os Cradle of Filth atualizados depois de tantos anos e os seus pensamentos sobre o estado do metal extremo na atualidade. Preparem-se para um mergulho profundo na mente do poeta mais sinistro do metal - onde a escuridão, a inteligência e a honestidade brutal colidem.

M.I. - Da última vez que falámos, estavas em digressão prestes a tocar em Portugal. Como foi essa digressão?

Foi incrível! Gostei muito e também gostei muito do nosso tempo em Portugal. A minha namorada juntou-se a nós no fim dos concertos em Espanha e foi connosco para Portugal. Fomos até Sintra no dia seguinte ao concerto. Foi um momento mágico. O concerto estava esgotado e a digressão foi muito divertida. Tivemos o suporte das Butcher Babies. Tirando o facto de o autocarro ter avariado na última semana e algumas pessoas terem ficado doentes, foi um grande sucesso.


M.I. - Como é que os fãs reagiram ao novo single, "Malignant Perfection"?

Acho que o adoraram! Mesmo antes da digressão, já tínhamos ótimas críticas, por isso foi confortável tocá-lo ao vivo. Agora que estamos a promover o novo álbum, vamos tocar mais singles. Um foi lançado ontem, "White Hell", e na próxima semana, sai o novo álbum.


M.I. - Comecemos pela inspiração por detrás do novo disco. Qual foi a força motriz?

Este álbum é bastante pessoal e cinematográfico. Inspira-se no terror clássico, no folclore e até mesmo num pouco de escuridão da vida real. Penso que conseguimos levar o nosso som para a frente, mantendo os elementos góticos e extremos que definem os Cradle of Filth. Há muita narrativa e teatralidade, algo que sempre abraçámos.


M.I. - "The Screaming of the Valkyries" é um título muito evocativo. Qual é o seu significado mais profundo? Está enraizado na mitologia, na guerra ou em algo mais abstrato?

É um excerto da faixa "When Misery Was a Stranger", a última música do álbum. Foi inspirado na ideia de que estamos a apenas alguns segundos da meia-noite no Relógio do Apocalipse. Se ouvissem os gritos das Valquírias pelo mundo, isso simbolizaria que estavam a ser invadidas e destruídas, e Asgard ou o céu estavam a cair, essencialmente, Ragnarok a acontecer. É uma forte metáfora para o fim do mundo tal como o conhecemos. Comparo-o a testemunhar a explosão de uma bomba atómica, a erupção de um vulcão ou a uma onda gigantesca que se eleva sobre si, aquele momento de plena perceção da desgraça iminente. Ou isso, ou é apenas um título de álbum muito heavy metal! 


M.I. - O álbum parece uma carta de amor ao passado e ao futuro dos Cradle. Houve um esforço consciente para canalizar épocas específicas da banda ou isso aconteceu naturalmente no processo de composição?

Aconteceu naturalmente. A inspiração vem de todo o lado: arte, literatura, teatro, natureza, acontecimentos atuais. É o resultado de tudo o que passámos, das contínuas digressões desde a pandemia e, possivelmente, da inclusão de dois novos membros, o que injeta sangue novo no processo.


M.I. - O álbum abrange tanto a agressão extrema como a melancolia gótica. Houve algum clima ou tema específico a orientar a sua criação?

Nem por isso. Não quero dar a entender que não sabemos o que estamos a fazer, mas o processo de escrita é muito orgânico, evolui à medida que avançamos. Começamos a juntar as ideias, e é um processo contínuo que continua até à fase de mistura. Mesmo com a letra, espero até que a maior parte da música esteja escrita e oriento-a em conformidade.


M.I. - A vossa música sempre teve uma mistura única de terror gótico, metal extremo e elementos orquestrais. Experimentaram algo novo sonoramente neste álbum?

Absolutamente. Queríamos experimentar diferentes texturas e atmosferas. Trouxemos alguns instrumentos inesperados e até brincámos com camadas vocais de uma forma que nunca tínhamos feito antes. Há uma sensação cinematográfica mais forte em todo o álbum, e acho que os fãs vão realmente perceber isso. Também refinamos a nossa abordagem às melodias, tornando-as assustadoras e agressivas ao mesmo tempo.


M.I. - Em termos de letras, os Cradle of Filth sempre tiveram uma abordagem poética, quase literária. Que temas exploraram desta vez?

Este disco aborda temas de amor proibido, o sobrenatural e um pouco de terror histórico. Há também uma reflexão sobre a mortalidade e os aspetos mais sombrios da natureza humana. Gosto de tecer narrativas que pareçam pertencer à literatura gótica, algo que Edgar Allan Poe ou Bram Stoker teriam criado. Estamos a criar mundos dentro das músicas, e quero que os ouvintes sintam que estão a entrar nesses reinos misteriosos e distorcidos.


M.I. - "Ex Sanguine Draculae" parece um regresso à era "Dusk… and Her Embrace", mas com novos elementos. O que inspirou esta faixa?

A música em si. Quando ouvi a versão embrionária pela primeira vez, esta evocou imediatamente atmosferas que faziam lembrar "Dusk", "Cruelty" e "Midian". O assunto apresentou-se naturalmente por causa disso.


M.I. - "To Live Deliciously" traz imediatamente à memória a infame citação de "A Bruxa". Esse filme influenciou o conceito da música?

Não o conceito, apenas o título. A frase já foi utilizada anteriormente; Robert Eggers também se inspirou noutras fontes. A música em si é sobre aproveitar a vida, abraçar tudo à nossa volta. É uma celebração do livre arbítrio, de desfrutar da vida enquanto estamos aqui, dentro da razão, claro, sem prejudicar os outros. É quase um mantra de vida, o que é invulgar para uma banda de black metal!


M.I. - "You Are My Nautilus" foi descrita como "a canção mais sombria que os Iron Maiden nunca escreveram”. Qual é a história?

 (Risos) Não sei quem escreveu isto, mas percebo porquê! Tem um toque de "Rime of the Ancient Mariner": longo, complexo e com harmonias de guitarra dupla que fazem lembrar os Dissection, os Maiden ou até mesmo os Thin Lizzy. O Nautilus faz referência às “20.000 Léguas Submarinas” e ao Capitão Nemo, que comanda este navio de guerra à frente do seu tempo. Na música, é uma metáfora para uma figura firme e misteriosa na vida de alguém. Adoro a literatura do século XIX — H.G. Wells, Júlio Verne. Sinto-me atraído pela narrativa daquela época.


M.I. - "Demagoguery" tem uma letra que soa política, o que não é típico dos Cradle. Explora temas específicos dos dias modernos?

Sim, é uma das duas faixas que abordam a modernidade. "Demagoguery" trata da disseminação de informações falsas, de mentiras sussurradas para manipular as pessoas. Está envolto em imagens bíblicas, fazendo referência à serpente no Éden, mas o conceito aplica-se ao mundo de hoje. As falsas narrativas são utilizadas para beneficiar nações em guerra, espalhadas pelas notícias e pela internet. As mentiras são uma doença, usadas para desacreditar e manipular.


M.I. - A produção de Scott Atkins parece incrível. Como é que a sua abordagem moldou a identidade sonora do álbum em comparação com “Existence is Futile” ou “Hammer of the Witches”?

O Scott produziu ambos os discos e nós confiamos imenso nele. Orienta-nos desde as fases iniciais da composição e ajuda a moldar o disco antes mesmo de entrarmos em estúdio. Empregamos sempre novas técnicas, plugins e métodos de gravação para manter as coisas frescas. O Scott é um tipo prático: se algo não estiver bem, ele diz-nos. Este é o tipo de produtor que nós precisamos.


M.I. – Alguma destas técnicas era território novo para a banda?

Não diria que é um território muito novo! Sabes sempre andar de bicicleta, mas sabes que podes comprar uma bicicleta nova ou andar numa bicicleta velha. Parecia que estávamos a gravar com ferramentas novas e brilhantes, mas o processo não mudou muito em 32 anos. O nosso primeiro disco "The Principle of Evil Made Flesh" parece primitivo agora, mas na altura foi considerado um dos melhores black metal produzidos e, obviamente, foi feito com menos dinheiro e mais rápido. Não éramos tão experientes em trabalhar em estúdio. Éramos apenas crianças na altura, mas o sentimento estava lá e ainda está lá.


M.I. - Ainda sentes o mesmo fogo que sentias nos primeiros anos dos Cradle?

Absolutamente! A pandemia foi um botão de reset para muitas pessoas, incluindo nós. Ajudou-me a mim e à nossa banda a perceber o quão importante e o quanto gostamos de fazer o que fazemos, por isso, se o fogo estava apagado, foi reacendido desde então. Mas isto é um estilo de vida para mim, não se limita apenas à música, vídeos, entrevistas ou obras de arte, trata-se de uma identidade, percebes?! A minha casa está cheia de coisas estranhas e maravilhosas e eu simplesmente vivo essa vida. Quando se está tão profundamente envolvido em algo, não se consegue deixar de encontrar continuamente o nosso caminho nessa direção.


M.I. - Este é o primeiro álbum completo com os novos membros. De que forma a presença deles alterou o processo criativo da banda? Como é que influenciou o som e a composição da banda?

Eles integraram-se rapidamente. Originalmente, eram temporários porque não tínhamos a certeza de como as suas origens americanas influenciariam uma banda europeia. Mas encaixam perfeitamente. Eles eram fãs antes de entrarem, por isso algumas das suas eras favoritas dos Cradle podem ter influenciado as composições. Não vejo isso como autoplágio… quando uma banda tem uma identidade forte, revisitar esse som é natural.


M.I. - A formação da banda foi evoluindo ao longo dos anos. Como foi a química durante a gravação deste álbum?

A química foi fantástica. Cada um trouxe algo único para a mesa, e houve uma verdadeira sensação de entusiasmo no estúdio. Esta formação tem uma grande sinergia e é provavelmente uma das mais fortes que já tivemos. Cada um contribuiu com o seu próprio estilo, mas mantendo-se fiéis ao som principal dos Cradle of Filth. Havia muita energia criativa a circular, o que tornou o processo muito orgânico.


M.I. - Os Cradle sofreram muitas alterações na formação. Há quem diga que é por causa do teu ego. Como respondes a isso?

(Risos) Não quero saber o que as pessoas dizem. Inventam as suas próprias histórias. Só despedi três pessoas em mais de 30 anos, e isto foi há mais de 20 anos. As pessoas saem por motivos pessoais: saúde, família, vontade de iniciar os seus próprios projetos. Esta banda dá muito trabalho, e algumas pessoas não se querem comprometer a longo prazo. Mas agora as coisas estão ótimas. Na verdade, a Zoe acabou de se casar com o Ashok, e fomos todos ao casamento deles.


M.I. - Considerando que és o único membro fundador que resta, acho justo que dites as regras.

Bem, alguém tem de comandar o navio! Mas não é uma ditadura. Todos contribuem, escrevem e partilhamos tudo. Somos uma família e gostamos de estar juntos. Estamos em constante comunicação e, claro, quando regressamos de uma digressão, não queremos estar juntos, porque estivemos literalmente a viver no colo uns dos outros durante meses, por isso as últimas pessoas que queremos ver são os nossos parceiros da banda... De qualquer forma, três pessoas vivem na América, uma vive na República Checa, uma vive na Escócia e eu vivo em Inglaterra, por isso torna-se um pouco complicado. Temos um grande management, a The Oracle, que é composta por Dez Fafara e a sua esposa. O Dez, obviamente, sendo o vocalista dos Devil Driver e dos Coal Chamber, é um dos meus melhores amigos, ele comanda o navio mais do que ninguém, por isso eu tenho de lhe dar satisfações a ele, percebes?


M.I. – A infame t-shirt “Jesus is a C***” é ainda considerada uma das peças de merchandising mais controversas da história do rock. Olhando para trás, achas que este tipo de fator de choque ainda tem lugar no metal hoje em dia?

Não somos uma banda de choque, fizemos algumas coisas que são chocantes, mas, por norma, somos criticados por sermos demasiado sombriamente românticos ou demasiado poéticos ou demasiado isto ou demasiado aquilo, nunca podemos ganhar e eu já não quero saber! Não me importo com opiniões negativas! Podíamos escrever o melhor disco do mundo e ainda assim haveria pessoas que o odiariam. Podíamos escrever o pior disco do mundo e haveria pessoas que adorariam, por isso avançámos. A vida é demasiado curta para ouvir idiotas, esquisitos e comentários depreciativos. Lançámos um novo vídeo ontem e eu olhei para os comentários e mesmo que 90% dos 400 comentários sejam todos "Isto é ótimo! Regresso incrível! Adorei!". É evidente que há outros 10% que se sentem incomodados com isso. Eu simplesmente acho isto hilariante porque um deles foi "Oh, os dois últimos álbuns tiveram a pior produção de sempre! Mal conseguíamos ouvir a bateria" e eu estava a pensar o que é que este tipo anda a ouvir. Depois, houve outros comentários em que as pessoas simplesmente pensam que sabem mais do que nós e isso faz-me rir, diverte-me em vez de me irritar. Um dos melhores comentários foi alguém dizer que não tínhamos um vídeo decente desde os anos 90! Bem, nós só fizemos um vídeo nos anos 90 e foi literalmente nos últimos dois meses dessa década, por isso, para ser sincero, não sei do que é que este tipo estava a falar.


M.I. – Os Cradle sempre tiveram um talento especial para surpresas. O que é que os fãs podem esperar num futuro próximo: um projeto paralelo, uma banda sonora de um filme ou outra colaboração de alto nível?

Bem, a música do Ed Sheeran vai sair quando sair. Obviamente, é preciso ter em conta a datya de saída deste álbum e do próximo disco do Ed Sheeran, e depois será lançada a seu tempo. Está tudo gravado! Já temos planos para muitas coisas sobre as quais não podemos falar. Todas elas são muito emocionantes, incluindo uma digressão em particular que deverá acontecer no próximo ano. Temos uma grande colaboração com uma grande marca de moda a surgir. Eles estão a fazer uma coleção cápsula de roupas, o que me deixa muito entusiasmado. Sei que não é do agrado de todos, mas, mais uma vez, não me importo! É uma oportunidade entusiasmante de fazer algo que ninguém fez antes e há outras pequenas coisas que temos em andamento sobre as quais não posso realmente falar porque o foco agora é este álbum.


M.I. - Os vossos espetáculos ao vivo são tão teatrais quanto a música. Como planeiam dar vida a este álbum no palco?

Esperem uma produção maior, cenários elaborados e, claro, o habitual teatro macabro. Haverá também algumas surpresas no repertório. Queremos que seja uma experiência imersiva, algo que realmente dê vida ao horror e ao drama da nossa música.


M.I. – Alguma digressão planeada para já?

Temos uma na América, juntamente com os Dying Fetus, na digressão Chaos and Carnage Festival. Depois, na segunda metade do ano, vamos para a América do Sul. Na Europa não temos nenhuma digressão planeada, apenas festivais, alguns concertos... Fizemos uma digressão pela Europa no ano passado, não faremos outra este ano... será no próximo!


M.I. - Estás na indústria musical há décadas. O que te mantém inspirado depois de todos estes anos?

Acho que é a paixão pelo que faço. A música é um meio muito poderoso, e adoro que ainda possamos ultrapassar limites e criar algo que ressoe com as pessoas. Os fãs são também uma grande inspiração. Ver a energia e dedicação deles dá-nos força para continuar. Enquanto houver histórias para contar e cantos escuros para explorar, os Cradle of Filth continuarão a fazer o que fazem melhor.


M.I. - Por fim, que mensagem tens para os fãs que aguardam ansiosamente por este novo álbum?

Estejam preparado para algo intenso, envolvente e assustadoramente belo. Este álbum é um dos nossos trabalhos mais ambiciosos até agora e mal podemos esperar para que todos o ouçam. Obrigado pelo apoio ao longo dos anos, significa muito para nós. Vemo-nos na tournée!

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Entrevista por Sónia Fonseca