Como um autêntico Vinho do Porto Vintage, o som dos Moonspell tem evoluído e amadurecido constantemente desde a sua fundação enquanto Morbid God.
Depois de três longas décadas, Fernando Ribeiro e a sua matilha decidiram revelar-nos as demos dos primeiros anos de Anno Satanae e Under the Moonspell, combinando com um toque mais moderno juntamente com a atmosfera oriental. Uma composição única produzida por Jaime Gomez Arrelano e Tue Madsen, que sem dúvida, merecem uma edição de colecionador, especialmente o boxset definitivo que contém todas as demos e LPs da banda de black metal, além de outras pérolas escondidas.
O vocalista da banda portuguesa, Fernando Ribeiro, empresta a sua voz à Metal Imperium, para partilhar esta notícia do resultado da reedição dos primeiros anos; qual o segredo de ser um músico, empresário e prolífico escritor de sucesso; as influências que transformaram o som e o carisma musical dos Moonspell numa das bandas portuguesas a nível mundial e muito mais.
Os majestosos chifres de Baphomet emergiram no momento perfeito, onde a música e o som da banda têm primado pela maturidade ao longo da sua carreira, mas ainda assim torna-se imperativo satisfazer os fãs da velha guarda e os novos com estas reedições, caso os Moonspell continuassem a trilhar o percurso de banda de black metal.
M.I. - Como tem corrido a tour Soombra? Uma vez mais, não deixam de surpreender!
Tem corrido muito bem. Encontramo-nos numa espécie de cápsula do tempo com os Moonspell e entre vários pretéritos da nossa existência, desde o lançamento do Early Days, a tour Soombra. Estamos com uma atividade quase paranormal, pois julgávamos que o ano de 2024 fosse bem mais calmo, embora tomámos a decisão de tocar ao vivo lá fora.
Porém, arrancamos com este projeto com 10 datas, que se tornaram 12, e acabámos por renovar um pouco o conceito, desde o cenário e os convidados. Quando me lanço num novo projeto, as coisas começam a engrenar e gosto de o ver a evoluir. A receção do Soombra tem sido muito boa. Há uma audiência muito misturada entre o público e os fãs de Moonspell, que normalmente vão connosco para todo o lado e acompanham-nos independentemente do registo musical, mas também vemos muitas pessoas ligadas ao mundo do teatro. Esta é uma tour vocacionada para a gente ligada ao teatro e gostam muito mais deste registo mais intimista, despido, mas que não deixa de ter outra dimensão.
Tivemos 2 concertos esgotados em Coimbra, o que foi realmente uma grande surpresa porque o auditório e relativamente grande, assim como na Guarda. Já em Beja, tivemos menos gente, mas foi uma noite muito bem passada. O Alentejo encontra-se em crise e conseguimos ter essa perceção quando viajamos, parecendo que passamos depois de Alcácer há quase um Portugal esquecido. Contudo, fizemos a nossa missão que era entretê-los e correu muito bem. O próximo será em Leiria.
M.I. - Falta a capital do Norte de Portugal: Porto!
Falta sempre o Porto! Não foi propositado. Adoramos tocar no Porto. A última vez que atuamos foi nos 30 anos de Moonspell no Coliseu, também estivemos em Vila Nova de Gaia, no Festival Bang!
Estamos a guardar o Porto e Lisboa, porque irá haver uma edição, provavelmente em 2026, do espetáculo Soombra, em CD, DVD, Streaming e LP. Vai haver também uma edição do Meo Arena e estamos agora a articular o timing, por ser muita coisa ao mesmo tempo. Sem dúvida, que pretendemos levar o espetáculo Soombra ao Porto e porque não o espetáculo de Orquestra. Temos de ir com calma. Eu gostava imenso de tocar sempre no Porto, mas temos de fazer alguma estratégia, e o Porto tem de aguardar um pouco pelos Moonspell, mas não será uma espera longa.
M.I. - Músico, escritor e CEO da Alma Mater Records. Qual é o segredo do sucesso?
Metermo-nos em tudo. A palavra sucesso é uma palavra perigosa para mim. Revejo-me mais como um lutador do que um homem de sucesso.
Há sempre comparações entre os Moonspell com outras bandas e outros artistas, mas considero que é errado porque cada pessoa tem a sua personalidade, a sua missão no mundo e esta hiperatividade nasce meramente por não ser apenas um músico. Se eu soubesse tocar guitarra, bateria, provavelmente não escrevia nem tinha lançado editoras.
Eu sou um cantor, por acaso. Não nasci com talento para cantar, adaptei-me às circunstâncias e, espero eu, fui melhorando. Porém, nunca me senti como o Ricardo Amorim na guitarra ou o Hugo Ribeiro na bateria. Quando tenho um pouco de tempo livre, há coisas que falam para mim. Quando alguém se coloca perante um instrumento musical, há coisas que falam para essa pessoa. O que fala para mim é a literatura e um pouco a gestão, estratégia e a parte editorial.
A literatura é um hobbie, faço quando me apetece, para exprimir-me porque adoro escrever. Comecei atualmente a escrever romances, o que é um grande desafio para mim e a editora nasce em 2016, com a intenção de arrumar a casa. Planear as digressões dos Moonspell, essencialmente em Portugal, pessoalmente no reportório antigo. Eu e o Pedro Vindeirinho, da Rastilho, começámos por fazer a sociedade com o merchandise de Moonspell, criando uma loja. Gostámos da experiência e decidi fundar uma editora, denominada por Alma Mater Books & Records. A componente de livros está um bocado esquecida no momento. Eu pretendo primeiramente assumir a distribuição, promoção e o marketing dos Moonspell em Portugal. Não porque as outras pessoas não soubessem fazer, mas porque consideramos que nós fazemos melhor. Conhecemos a nossa banda, os nossos timings, não temos de aguardar por outros artistas. Saímos da Sony Music e Universal, com o Memorial e Night Eternal. O 1755, foi com a Alma Mater Records, potenciada pela Rastilho, para chegar aos fãs e às lojas. A outra parte da editora, além de efetuar a gestão do catálogo dos Moonspell, pois conseguimos conquistar os direitos dos discos da altura mais longínqua da banda, também quisemos fazer alguns licenciamentos de bandas que nos influenciaram nos nossos discos.
A mim, mais do lado do metal, como o Clouds, dos Tiamat; True North, dos Borknagar; as demos dos Paradise Lost que foram obviamente influentes para os inícios dos Moonspell. No caso do Pedro, foi mais na parte do hardcore e punk. As coisas correram bem e decidi aumentar o desafio ao assinar bandas novas. Começámos com os Desire, embora não chegámos a acordo com o novo disco; Okkultist; Ironsword; Dawnrider; Inhuman. Bandas, nas quais pretendemos investir, emprestar a nossa experiência e os nossos contatos. Umas correram melhor do que as outras, mas o saldo é altamente positivo, pois queremos colocar mais bandas portuguesas no mapa. Para já, Portugal, Brasil, sobretudo com os The Troops of Doom, uma banda que eu gosto muito e é uma prioridade absoluta para este ano com um disco fantástico, A Mass to the Grotesque.
Decidimos também alargar o nosso leque a uma colaboração luso-brasileira, pois sou um grande fã de heavy metal brasileiro. Principalmente death metal extremo do final dos anos 80, desde os Sarcófago, Sepultura, The Mist, Holocausto, Chakal. Vejo, à exceção de duas ou três bandas, sem falar nos Sepultura, Krisiun ou Angra, que há um pouco conhecimento da cena brasileira na Europa. Eles também encontram algumas dificuldades em penetrar por cá. Estamos a realizar um trabalho que é difícil, custoso a nível de tempo e dinheiro, mas mantemos a fé nestas bandas e a nossa missão, eu enquanto vocalista dos Moonspell, é também retribuir alguma coisa à cena luso-brasileira.
O nosso próximo passo vai ser também tentar editar algumas bandas de metal de África. Há lá muito death metal e muita música extrema que as pessoas desconhecem e, conforme os Moonspell foram descobertos, num país periférico como Portugal, acho que está na altura de descobrirmos aquelas jóias escondidas que não sejam apenas na Inglaterra, Escandinávia ou Alemanha. Falo dos Neblina, de Angola, assim como outras bandas que nós vamos tentar angariar os contatos certos para apresentá-los na cena europeia e mundial, devido à nossa proximidade geográfica e cultural com África. Além dos beats de África, os próprios africanos sentem que estão mal representados, porque gostam de rock e de heavy metal e também têm uma palavra a dizer.
M.I. - Os Moonspell são conhecidos pela sua inovação e árduo trabalho em todos os álbuns. Como foi o processo de (re)composição do Under the Moonspell: The Early Days (2024)?
Embora as coisas já estivessem concretizadas, sempre estivemos um bocado insatisfeitos com esse passado mais primordial dos Moonspell.
Não havia estúdios em Portugal para o metal extremo. Apenas existia o Rec’n Roll, no Porto e, para nós, era difícil deslocarmo-nos até ao Porto para gravar. Existia também o Heaven Sound, em Almada que gravava Thormentor, mas gravar uma banda de black metal extrema com ideias como as nossas, Portugal era na altura um grande deserto. Praticamente, o black metal era inexistente, com exceção de uma ou outra banda e era algo bastante underground. Na altura, estavam todos preocupados em ser os Sepultura ou os Metallica portugueses e, com todo o respeito, nós não pretendíamos esse caminho. Como tal, fizemos as gravações conforme pudemos e nunca ficámos satisfeitos com o som e com o respeito que os produtores não nos davam.
As coisas correram bem, mas houve um sentimento de injustiça. Em 2007, de alguma forma, fizemos um pouco de justiça àquele material e regravamos tudo no álbum que se veio a chamar Under Satanae. Posteriormente, após um incrível espetáculo no Coliseu com os Root em Lisboa, nunca tivemos mais oportunidades de fazer algo com isso. Existiram piratas dos Moonspell, editoras underground a editarem o nosso material, sem qualquer autorização e, a partir daí, começamos a assumir o controlo. Começamos a trabalhar numa coleção dos Early Days, do Under Satanae e dos 30 anos do Under the Moonspell.
M.I. - Passaram-se 30 anos desde a fundação da banda. Qual o motivo para reeditar agora estes afamados álbuns?
Pessoalmente, foi um processo muito interessante, pois tive de ir ao cofre dos Moonspell. Não me esqueci que estamos em 2024 e mandei fazer um remaster, pois o ouvido das pessoas mudou muito e, se o Under Satanae ficou bem gravado com a competência e qualidade do Tue Madsen, para minha grande surpresa foi o Anno Satanae e o Under the Moonspell remasterizados pelo Jaime Gomez Arrelano, que já trabalhou com os Paradise Lost e até mesmo com os Moonspell no último disco. Quando eu estava na Colômbia, o Arrelano era um grande fã dos Moonspell, sobretudo desta fase. Quando e ouvi, não queria acreditar em como ele conseguiu transformar um som cru e com ruído de fundo e fez um trabalho incrível.
Com o material que nós lhe demos, não tínhamos as fitas originais e conseguimos levar isto a bom porto. Depois, fizemos uma espécie de coleção com uma caixa, que certamente vai esgotar, dedicada aos colecionadores. Eu tenho várias caixas desde os Root, Celtic Frost, Darkthrone e Rotting Christ. É algo que estimo e é um património no qual a gente investe. Queríamos também lançar no digital e corresponder, de certa forma, às expetativas dos fãs mais old school, mas também daquelas pessoas que ainda não tinham nascido. Foi um ótimo processo, trabalhar neste passado, porque esta maneira de editar com qualidade, com arranjos e extras, era tudo o que nós sonhávamos na altura, quando estávamos no underground. Demoraram 30 anos, mas temos agora uma edição, na qual nos orgulhamos e que, acima de tudo, faz jus ao nosso início enquanto banda.
M.I. - Podemos afirmar que, de certa forma, é uma homenagem a Morbid God?
Nunca pensei em tributos ou homenagens aos Moonspell. Estava muito ocupado a viver os Moonspell, porque é um projeto que dá trabalho todos os dias.
De vez em quando, eu não tenho muito esta visão romântica de analisar o que fiz e o que poderia fazer. Quando fizemos 30 anos de banda, finalmente percebi que temos um legado. Quer queira, quer não queira, é o legado de uma banda, de uns fãs, uma história que já aconteceu e que tem bastante sumo para espremer. É uma história de uma banda portuguesa, altamente improvável de acontecer e os melhores momentos dessa história, são, sem dúvida, os nossos lançamentos e as nossas músicas.
Assim, os Morbid God - pré-Moonspell – foram um projeto que não ia a lado nenhum, se não tivéssemos mudado o nome para Moonspell. Porém, foi o grande embrião, onde tudo começou com 13 e 14 anos de idade. Fazíamos logótipos, desenhávamos nas aulas e só pensávamos porque não havia uma banda em Portugal como aquelas bandas que recebíamos as cassetes das bandas escandinavas, desde os Nihilist, Morbid, Mayhem, Burzum, etc.
Dentro das nossas limitações, tentamos criar essa banda. O resto da história, já não conseguimos controlar e as coisas foram sucedendo. Há 2 faixas, que fomos buscar, sendo uma delas a Serpent Angel (apareceu na compilação portuguese The Birth of a Tragedy, no qual ainda temos atualmente poucas bandas que estão no ativo, como os Sacred Sin e os Thormentor).
Tributo ou homenagem, sim. Todo este lançamento tem essa mensagem ou esse sentimento, porque os anos 90 foram os anos mais importantes para o heavy metal, em particular para a música extrema e underground. Foi nesta década que surgiram as grandes bandas da atualidade, os grandes álbuns, as fusões entre o metal com o gótico e o progressivo, tornando-se num tempo bastante importante e que continua a dar cartas ainda em 2024.
M.I. - A fusão entre o Black Metal lusitano com sonoridades orientais é, sem dúvida, fascinante. Qual a razão de incorporar uma instrumentalidade oriental nestes álbuns?
Algumas influências, nomeadamente dos Celtic Frost (To Mega Therion e Into the Pandemonium), os próprios Bathory também trilharam um pouco o nosso caminho e também pretendíamos marcar pela diferença.
Na altura, o black metal era dominado pela Noruega e Escandinávia. Contudo, essas pessoas tiveram uma atitude péssima em relação aos outros músicos. Eles queriam ser os verdadeiros, os Moonspell fartaram-se de receber ameaças de morte, com suásticas, a chamarem-nos de negros, tudo porque fazíamos um Lusitanian e Southern black metal. Algo mais inspirado em bandas como os Rotting Christ, da Grécia ou os Root, da República Checa. Uma coisa mais melódica com outras influências, para marcar a diferença, e os noruegueses não gostaram nada disto. A primeira vez que fomos tocar na Noruega, em 1995, foi um pouco perigoso para os Moonspell. Havia um ambiente muito racista, político e fascista. Aliás, grande parte do divórcio dos Moonspell com o black metal advém dessa reação que nunca aceitei e nunca admirei queimar as igrejas. Nunca admirei o discurso deles de extrema direita e que, infelizmente, continua no black metal. Gosto imenso de black metal e continuo a ouvir bandas mais recentes, como os Gaerea, Wolves in the Throne Room, Craft e por aí fora, mas não contem comigo para o branqueamento daquilo que o black metal às vezes representa. Já vi espaços de black metal, onde hastearam a bandeira nazi e acho que isso devia ser completamente erradicado da música, sobretudo do heavy metal que é um estilo da fraternidade e não tanto do ódio.
Fizemos black metal durante muito tempo. Eventualmente, morreu um pouco com o Irreligious. Seguimos para a Alemanha e começámos a contatar com outros estilos musicais. Não é uma decisão comercial, apenas começámos a ouvir outras coisas, como por exemplo os The Sisters of Mercy, Type O Negative, Fields of the Nephilim, Tiamat e queríamos encaixar isto na nossa música e essas bandas também, juntamente com os Samael, uma grande inspiração para nós com um dos melhores álbuns de black metal, Blood Ritual, sem ter que queimar metade do país. Era neste estilo que a gente se enquadra e que, ainda hoje em dia, ouço. Apesar de acompanhar o black metal, raramente vou a concertos e, na minha opinião, é um estilo que acho que foi para além da música de uma forma bastante negativa.
M.I. - Comentaste anteriormente que os Bathory são farol que guia os Moonspell. A música Ancient Winter Goddess é uma inspiração retirada dos primeiros álbuns do Quorthon?
Com exceção dos Venom, todo o black metal atual nasce dos Bathory. Darkthrone, Moonspell, Burzum, Immortal, Rotting Christ, entre outros.
Sem saber, o Quorthon inventou vários estilos dentro do metal. Aquela voz mais arranhada, guitarras mais rápidas, riffs à Bathory e aquelas tercinas. Penso que foi a banda mais importante para o black metal e eu tive a oportunidade de conhecer o Quorthon, em 1990, e pegando nas palavras da questão anterior, ele não tinha nada a ver com o que o black metal viria a tornar-se depois.
Acho que todos temos uma grande dívida para com os Bathory. As bandas na altura, inclusive os Moonspell, tentávamos copiar as nossas influências. Como não sabíamos fazer, aquilo era, de certa forma, original. Recordo-me que essa música tem uma voz à Root, uma banda extremamente importante para os Moonspell, juntamente com os Samael até ao Ceremony of Opposites.
Os Bathory são incontornáveis no black metal, excluindo os Venom que são uma banda bastante única e contemporânea, tudo o resto nasce da raiz dos Bathory. Após lançar os melhores álbuns de black metal de sempre, lançaram-se no viking metal com o Hammerheart, que é fantástico e digno de uma obra de viking metal. No ano seguinte, produz o Twilight of the Gods que é uma espécie de metal progressivo e filosófico. Para mim, os Bathory são sempre o meu farol. Sem os Bathory, não existia black metal e sem o conhecimento do Quorthon, não tinham existido os Moonspell.
M.I. - Em que sentido estes álbuns diferem de Daemonarch?
Eu só costumo pensar nos Daemonarch quando realmente as pessoas perguntam sobre o projeto.
Reeditamos por ser um álbum que nunca tinha saído em vinil, mas Daemonarch já comporta uma fase em que se tocava melhor. Acaba por ser uma projeção futura de um passado no qual não conseguimos fazer. Daemonarch tem muito a ver com o Under Satanae, nas gravações. Era um dos nomes na mesa quando alterámos o nome de Morbid God para Moonspell e acabou por tornar-se num projeto meu e de outros músicos dentro e fora dos Moonspell. Sempre teve aquele cunho de Bathory e, embora hoje em dia temos acesso a toda a informação, um dos nossos grandes fascínios era sabermos pouca coisa sobre o Quorthon. Ele sempre teve um lado misterioso e nós sempre quisemos fazer isso com os Daemonarch.
Daemonarch é a música que nós gostaríamos de ter feito nos anos 90, mas não tínhamos capacidade para isso. Se o Hermeticum tivesse saído nos inícios dos anos 90, tinha sido uma autêntica bomba. Comparativamente, acho que Daemonarch é muito mais sofisticado, enquanto o Anno Satanae e o Under the Moonspell são muito mais crus. Era pelo ambiente que nós dávamos às músicas, que os Moonspell se conseguiram destacar e resultava em coisas mal tocadas, mas que no final saía bem e melhor do que as nossas expetativas. Às vezes, saía pior daquilo que nós esperávamos, mas as coisas acabaram por se solidificar no Wolfheart.
M.I. - O Anno Satanae (1993/ 2024) e o Under The Moonspell (1994/ 2024) foram reeditados pelo Jaime Gomez Arrelano, enquanto o Under Satanae (2007/ 2024) pelo Tue Madsen. Alguma razão em particular?
Vivemos em 2024. Ouvimos música no carro, nos headphones, no YouTube. Infelizmente, temos que atender a essa maneira de fazer música.
O som original dos anos 90, principalmente do Under the Moonspell e Anno Satanae é praticamente quase inaudível. Hoje em dia, se ouvires uma cassete do Anno Satanae, vais acabar por desistir de ouvir, porque já passamos pela era digital, CD e voltámos ao vinil. O Under Satanae, em 2007, foi originalmente gravado no Antfarm Studios com o Tue Madsen. Ele assumiu o remaster e os outros remasters do Under the Moonspell, que eu também queria ter, e têm saído várias edições da Adipocere, foram remasterizados pelo Jaime Gomez Arrelano. Como referi, ele era um grande fã de black metal e foi com este material que ele começou a contatar com os Moonspell. Abraçou este desafio de trazer este metal tão underground e old school dos Moonspell para esta edição.
M.I. - O que tens andado a ouvir, para os leitores e os fãs acompanharem?
Dentro do heavy metal, tenho ouvido coisas que vou aconselhar, mas que pelo meu privilégio consegui ouvir antes de saírem cá para fora.
O novo álbum dos Gaerea, que é provavelmente a sua obra-prima. Acho que dentro daquele estilo dos Gaerea, questiono-me o que vão eles mais fazer dentro deste estilo. Eles deram um passo muito significativo de criatividade e com muita fome de criar. Sem dúvida, vão ser eles que vão carregar agora a tocha do metal português, como nós fizemos durante tantos anos.
Já ouvi o novo álbum dos The Troops of Doom, A Mass to the Grotesque. Tenho dito que é o melhor álbum de death metal de 2024, não porque ouvi todos os álbuns do ano, mas porque este tem ingredientes que, para mim, são fantásticos e tenho muito orgulho em editá-lo. Tem também a participação do Jairo Tormentor (ex-Sepultura) e é incrível.
Vou editar também outra banda que são os Sigilo, uma banda portuguesa de black metal e será a nossa primeira banda deste estilo, pela Alma Mater Records. Ainda está tudo no sigilo dos deuses, mas já ouvi o material deles e é, sem dúvida, surpreendente. É quase como se os Moonspell tivessem continuado a fazer black metal sulista e lusitano.
Tenho ouvido, também, o novo álbum dos Oceans of Slumber, uma banda norte-americana. Vai contar com uma participação minha e tenho ouvido ultimamente toda a discografia dos Slayer, desde o Show No Mercy, Hell Awaits, Diabolus in Musica. Tenho descoberto um bocado a música extrema, não por causa da notícia de eles voltarem como banda, mas sempre foi uma banda que sempre ouvi e tinha muita curiosidade. Não sou tão fã dos Slayer como sou dos Bathory ou dos Celtic Frost.
Tenho ouvido a regravação do Icon, dos Paradise Lost. Está uma gravação muito bem feita, não desvirtuando o brilhante disco original. Além do metal, tenho ouvido muita ópera, principalmente do Ruggero Leoncavallo, entre outras coisas.
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Entrevista por André Neves