M.I. - O som e o estilo dos Orphaned Land mudaram desde o início dos anos de 1990, de Death e Doom Metal para incorporar hoje estilos musicais mais Progressivos e de Folk. A banda sentiu a necessidade de explorar diferentes estilos para se tornar hoje numa das maiores bandas de metal de todos os tempos?
Bem, quando éramos mais jovens, digamos, no início, gostávamos muito de Death Metal, grunhidos e coisas assim. Coisas como Deicide e Sepultura foram uma influência principal para nós, e depois houve um desenvolvimento natural. Ainda gostamos dos álbuns de Deicide e de Sepultura, ou de Death, ou de At the Gates, mas começamos a ouvir também alguma música progressiva como Porcupine Tree, Opeth ou Pink Floyd, e quando encontramos depois de álbuns de que gostamos, perguntamos como é que desejamos desenvolver a nossa música. Tu não queres repetir. Tu não queres copiar e colar, isto é um tipo de desenvolvimento que faz parte do que fazemos. Sempre procurei e pesquisei música. Sempre gosto de pesquisar músicas de todos os lugares. Mesmo de Portugal, sou um grande fã de música portuguesa, além do Fado e da Amália Rodrigues, também pesquisei sobre a música de Portugal. Não muito, mas houve alguma pesquisa, por exemplo tenho álbuns de Zeca Afonso na minha casa e de alguns do movimento português da época em que Portugal superava o regime fascista.
Sou um grande fã de Portugal por este ter conseguido mudar o seu regime sem derramar uma gota de sangue. Isto é especialmente importante para mim, que venho de um país muito sangrento, onde pessoas estão a ser mortas, onde o ódio é tão grande. Isto é uma coisa muito inspiradora para mim e procuro sempre as músicas que formam a banda sonora desta parte por isso dei apenas um exemplo de Portugal, porque vocês são de Portugal e isto é sempre algo que é interessante para mim, e afeta de alguma maneira a forma como escrevo, mesmo que as nossas músicas não soem como Zeca Afonso. Tu não vais ouvir isso na nossa música, mas está lá na minha pesquisa, e se antigamente era Deicide e Sepultura, hoje com a minha pesquisa, a fazer perguntas e a tentar evoluir, estamos a tomar múltiplos caminhos e isso afeta a nossa música ou a minha composição de música de diferentes maneiras.
M.I. - Devo confessar que és o primeiro músico não português que conheço que tem discos de Zeca Afonso.
Também foi fascinante para mim saber que a Revolução começou, acho que foi com a música Grândola, Vila Morena.
É fascinante para mim, porque eu pesquiso a humanidade e sou um fã da humanidade. Quando a humanidade é inspiradora e o facto de Grândola, Vila Morena ser a música, a faixa para iniciar a rebelião ou a mudança é muito interessante para mim. Eu tenho-a! Eu estava em Lisboa e fui pesquisar, procurei essas músicas. Também conversei muito sobre isso com o Fernando, meu amigo dos Moonspell, e é interessante. Quer dizer, se fosses do México, eu falaria contigo agora sobre as figuras mexicanas que me inspiram. Não sou um especialista de todos os países, mas definitivamente adoro esta pesquisa, para descobrir como a música conseguiu fazer estas coisas, e isso é definitivamente uma inspiração e um impulsionador para mim, para as minhas composições e outras coisas. Tenho o privilégio de explorar estes artistas incríveis de Portugal.
M.I. - Nos vossos primeiros anos (1991-1992) vocês eram os Ressurection, mas mudaram para Orphaned Land. O nome da banda é uma homenagem ao cantor Yehuda Poliker?
Sim, estás completamente certo. Começámos como Resurrection, porque queríamos tocar Death Metal, mas rapidamente ficámos muito aborrecidos. Todas as bandas tinham no final TION na época como Mortification, Addiction, Suffocation e nós éramos os Resurrection, e havia outros Resurrection nos EUA, e achamos que era um nome muito aborrecido e devíamos encontrar algo relacionado com a nossa terra e os acontecimentos reais que estão a suceder em Israel e no Médio Oriente.
Claro, Yehuda Poliker, numa das suas canções, era Orphaned Land em hebraico, e pensamos na combinação dessas palavras, Orphaned Land, uma terra que é considerada a Terra Santa ou a Terra Prometida. Achámos que este é um contraste muito bom com o sonho ou com o pathos do lugar, enfrentando a realidade sangrenta que o território sempre enfrenta.
Pensamos que poderia ser um bom começo com um nome que refletisse o lugar sobre o qual íamos tocar e o lugar onde mostraríamos os nossos sentimentos e outras coisas. Acho que ainda é um nome muito relevante para estas terras do Médio Oriente, e para Israel em particular.
M.I. - Dos primórdios só temos a compilação de 2021. Vocês planeiam trazer de volta aquele estilo antigo de Orphaned Land ou é algo para ser guardado?
Acho que será um tesouro para toda a vida. Às vezes voltamos aos primórdios se comemorarmos uma década para um dos nossos álbuns. Então, tocamos o álbum inteiro, mas isso é algo para valorizar. Estamos a avançar, ainda há muito a escrever e fazer, e se quisermos voltar atrás, podemos sempre fazê-lo. A nossa carreira, é uma longa linha temporal com mais de 30 anos.
M.I. - Atualmente com 6 álbuns, concordam quando dizemos que os Orphaned Land são descritos como Oriental Metal/Médio Oriente? Se sim, quais bandas ou músicos incluirias nesta categoria?
Acho que estabelecemos um género no metal, mesmo que seja chamado de Oriental Metal.
Lembro-me que, na década de 90, nós escrevíamos nos nossos cartazes “A primeira banda de Death Metal Oriental”. Sentimos que estávamos a fazer algo de novo. Havia muitas bandas da Escandinávia, da Europa, da América e da América do Sul, e sentimos que éramos os primeiros a vir do Médio Oriente. Então, sentimos que estávamos a estabelecer um género e acho que hoje podemos encontrar algumas bandas que tocam esse género. Por exemplo, Myrath da Tunísia, ou Arkan da França, ou Aeternam do Canadá, eles são canadianos, mas têm muitos membros marroquinos e influências árabes na banda.
Tens mais bandas de Israel, os Arallu a Subterranean Masquerade, que também usam esses elementos, e muitas outras, cujo nome nem me consigo lembrar, do mundo árabe e de outros lugares. Uma vez fiz uma coletânea chamada Oriental Metal, e integrei muitas bandas desse género, e ainda tem muito mais por desenvolver.
Acho que podemos ser considerados os pais quando se trata deste estilo de metal. As pessoas fizeram isso no rock e outras coisas antes de nós, obviamente, mas acho que no metal somos definitivamente os pais deste género.
M.I. - Sahara (1994), El Norra Alila (1996) e Mabool – The Story of the Three Sons of Seven (2004) são álbuns bastante pesados. Quão fácil ou desafiante foi para vocês iniciar uma banda de metal em Israel no início dos anos de 1990?
Foi muito fácil; tens países como Egito, Jordânia, Síria, Arábia Saudita, Irão e Iraque. Israel é um paraíso comparado com esses países quando és um metaleiro. Éramos considerados satânicos, mas a polícia nunca nos prendeu.
Quero dizer, se fizeres isso nos países árabes, poderás realmente ter problemas. Tínhamos algum estigma de pessoas que matavam gatos, coisa que não fazíamos, mas tínhamos a liberdade para fazer isso. Tínhamos a liberdade de usar as t-shirts, tínhamos a liberdade de comprar essas t-shirts na loja e tínhamos a liberdade de realizar concertos e de crescer. Israel é uma democracia. De certa forma, existe algum tipo de liberdade de expressão aqui, e nunca tivemos grandes problemas sendo uma banda de metal de Israel. O único problema que consigo pensar é o facto de que precisas de ir para o exército durante três anos quando fizeres 18 anos.
Inicias a tua banda quando tens 16 anos. Dois anos passam e tens 18. Precisas de cortar o cabelo, vestir um uniforme e ir para o exército durante três anos, não durante um ano ou meio ano. Então, três anos é muito tempo para destruir tudo o que criaste, e foram dias muito desafiantes para nós. Alguns de nós não prestaram serviço militar. Fiz parte do serviço militar, mas sempre soube o que queria, porque começámos aos 16 anos, eu sabia que este era o meu projeto de vida. Eu já sabia que tinha encontrado a minha missão e sabia o que queria fazer. De alguma forma eu deixaria alguém destruir isto, nem mesmo o exército.
Como mencionei, éramos chamados de matadores de gatos e coisas assim e, claro, a música nunca tocava na rádio. Éramos considerados malucos, mas era uma coisa social. Por exemplo, se fores ao mundo árabe, a polícia pode invadir a casa de um metaleiro e prendê-lo, porque encontraria CDs de metal, ou símbolos de satanismo, embora no mundo árabe os metaleiros tenham de passar algum tempo na prisão, por causa do seu gosto musical. Consegues imaginar isto?
M.I. - Também emprestas a tua voz na faixa “Alma Mater” à banda portuguesa de metal Moonspell. Considerarias uma colaboração futura com eles? As letras deles estão enraizadas na cultura portuguesa, como as dos Orphaned Land em Israel e no Judaísmo.
Sou um grande fã dos Moonspell. Acho que são um tesouro de Portugal, e na verdade um dos meus álbuns favoritos para mim, além de Wolfheart, é o álbum que eles cantam em português.
Acho que a língua portuguesa combina muito com o metal. Não sei, só soa bem. Adoro ouvir quando o Fernando canta em português e sempre ficarei feliz em colaborar com eles. Adoro as conversas que tivemos sobre tudo, sobre a vida, ou filosofia, ou qualquer coisa e se algum dia me convidarem para fazer alguma coisa, estarei aqui e aceitarei, claro. Eu realmente acho que eles são ótimos, de verdade. Gosto bastante deles.
M.I. - Hoje em dia é difícil olhar para cima e agir normalmente face ao que se passa no Médio Oriente. O próximo álbum ao vivo, A Heaven You May Create (2023), previsto para ser lançado a 1 de dezembro, felizmente lançará alguma luz sobre esta escuridão. Com este álbum gostarias de trazer alguma clareza e informar-nos sobre o que está a acontecer neste momento, e dar algum conforto ao mundo?
Eu certamente acho que a música existe para trazer conforto e clareza às pessoas em tempos sombrios. Enfrentamos tempos muito, muito sombrios no Médio Oriente, em Israel, em Gaza ou em qualquer outro lugar. Há muito más energias e pessoas que são simplesmente sombrias e más, e muitas crianças estão a pagar com as suas vidas, pois a morte está em toda a parte.
Estou literalmente a viver num território onde crianças morrem e onde as pessoas matam, sejam israelitas ou palestinianos. Há palestinianos que pensam que o Hamas, por exemplo, todos devíamos ser exterminados. Podes até encontrar pessoas que são como os nazis de hoje em dia e as coisas que o Hamas fez a 7 de Outubro foram horríveis e de uma barbaridade atroz. Realmente, despertou nas nossas almas o trauma muito antigo da Segunda Guerra Mundial e do Holocausto em que todos vivemos.
De certa forma, estamos todos pós-traumáticos por causa destes eventos e a ver como eles mataram a sangue frio pessoas inocentes. Não eram soldados armados, não era um campo de batalha. Eles simplesmente entraram numa aldeia e massacraram toda a gente: os idosos, as senhoras e até molestaram os corpos. Eles fizeram coisas horríveis. Não sei se quero descrever, mas eles fizeram coisas que os seres humanos não deveriam fazer. Acho que a capacidade de fazer isso só existe se eles tiverem alguma lavagem cerebral, para pensar que não somos nada para além de baratas ou ratos, ou não sei, e é assim que as pessoas olhavam para os judeus naquela época.
Há a retaliação, Israel não vai ficar parado e agora eles estão a perseguir o Hamas e muitas crianças em Gaza vão morrer, muitas pessoas vão morrer, e são pessoas inocentes que estão sempre a pagar o preço. Isto é uma tragédia, e a maior tragédia é que não existe uma boa forma de resolver este problema. Podíamos dizer que o Hamas iria libertar as vítimas, mas eles ainda têm capturado um bebé de nove meses. Como é possível sequestrar um bebé de nove meses ou uma avó de 85 anos? Porquê?
É uma loucura, sem falar no direito internacional. Não é como se pegasses num soldado e quisesses o teu soldado de volta. Eles poderiam hoje libertar todos as vítimas e haveria um cessar-fogo, mas não o vão fazer, porque nunca se importaram com os judeus. Acho que eles nem se importam com a vida dos seus próprios cidadãos. Não consigo compreender esta ideologia e lamento pelo povo palestiniano.
Estes são tempos muito sombrios. Não sei quando ou como vai acabar, mas como tu disseste, a música é muito importante nesta altura. Estou feliz que o álbum seja lançado nesta altura e estou feliz que o nome do álbum seja um paraíso que podes criar, que é a mensagem. Que isso é realmente importante para um lugar onde atualmente é morte que podes lamentar.
Acho que isso vai trazer um pouco de clareza e conforto e mesmo que seja uma pequena pausa para as pessoas apenas colocarem os seus auriculares nos ouvidos, e acho que as músicas podem abraçar-te, se precisares. Vi muitas vezes pessoas a escorrer lágrimas, vi muitas vezes pessoas a chorar, colocar as mãos para o céu e fechar os olhos. A música é um presente e presentes como a música são indispensáveis nestes dias sombrios em Israel e no Médio Oriente e em qualquer outro lugar.
M.I. - Este álbum ao vivo foi gravado em 2021, em Tel Aviv, com a Chamber Live Orchestra e Hellscore Choir, e celebra os 30 anos de Orphaned Land. Por quê escolher uma orquestra ao vivo?
Bem, acho que se somarmos 3 décadas de carreira, sempre perguntamos qual é a próxima etapa? O que queremos fazer depois? Onde gostávamos de estar no ponto mais alto das nossas carreiras? As bandas de metal, ao longo da história, sempre gostaram de trabalhar com orquestras sinfónicas. Por exemplo, os Metallica com os álbuns de S&M ou muitas outras bandas; Septic Flesh, entre outras. Não sei se os Moonspell alguma vez fizeram isso, mas certamente vão fazer.
M.I. - Eles vão fazer isso no próximo ano.
Sim, eles não vão dizer que não. Isto é algo que as bandas de metal desejam fazer. Achamos que este podia ser o ponto alto da nossa carreira no 30º aniversário, de fazer um show espetacular com uma orquestra ao vivo, em que criaremos algumas versões com rearranjos para algumas das músicas mais conhecidas dos Orphaned Land. Isto era realmente algo que desejávamos fazer.
É um projeto muito ambicioso, com mais de 60 pessoas no palco, e quando pensámos sobre qual deveria ser o próximo projeto, foi isto que nos veio à mente. Foi num momento muito complexo, porque era durante a pandemia de COVID-19, mas estamos felizes. Tivemos muita sorte de o concerto ter acontecido no dia em que todas as restrições acabaram. Tivemos muita sorte em ter casa cheia numa sala que é considerado o Hall of Fame dos concertos em Israel, e foi a primeira vez que o metal chegou a este Hall of Fame. Foi numa ocasião muito, muito especial para a celebração do nosso 30º aniversário.
M.I. - É como viajar pela história e pelos maiores sucessos da banda, uma verdadeira viagem emocional. Tens alguma música favorita?
Bem, tu sabes o que eles dizem é que são todas as minhas crianças, mas cada faixa toca num nervo diferente, e eu gosto quando as músicas são agressivas.
Sinto-me ligado a isso, se for emocional. Eu gostei muito quando abrimos o álbum com os 16 minutos seguidos de “Mabool” e “The Storm Still Rages Inside”, que foi uma abertura muito louca para o concerto, porque dava para abrir com um hit e quatro minutos e depois fazer uma pausa, mas foi uma abertura a tocar 16 minutos, duas músicas combinadas com um longo solo ou a música principal de um dos álbuns conceituais mais conhecidos de Orphaned Land. Isto é algo que nunca fizemos, e foi muito bom arrancar assim. Talvez eu mencionasse isso, porque era diferente do que normalmente faríamos nos nossos concertos.
M.I. - Vocês até fizeram tour com bandas palestinianas no passado, também foram galardoados pela Metal Hammer Magazine e os reconheceram como irmãos. Sendo de Israel, podemos dizer que os Orphaned Lad estão com a Palestina e não com o Hamas?
Certo. No passado fizemos tour com uma banda palestiniana, acho que ainda somos provavelmente a única banda, a única banda de metal no mundo que fez tour com uma banda palestiniana.
Quando recebemos o prémio, partilhamo-lo com eles. Se todos os israelitas e todos os palestinianos fossem como nós, teríamos a paz amanhã. Não partilhamos toda a terra juntos. Vivemos juntos num autocarro de tour, fizemos tour juntos, comemos juntos, fizemos café uns para os outros, lavamos roupa juntos, demos concertos juntos e isso foi um exemplo de como isso é possível. Não tenho nada contra o povo palestiniano. Desejo-lhes tudo de bom, eles são nossos vizinhos. Quero que os nossos filhos cresçam juntos, prosperem, passem algum tempo juntos, viajem uns com os outros e experimentem a humanidade e a vida.
Isto é o que basicamente desejo tanto para os israelitas como para os palestinianos. É claro que estou contra o Hamas e não tenho nada contra os palestinianos. A menos que esses palestinianos apoiem o Hamas, então eu acho que eles iriam querer matar-me, mas não acho que a maioria seja assim. Eu não quero pensar nisso. Não quero acreditar nisso e sei por experiência própria que existem muitos tipos de pessoas. O problema é que nem todas as pessoas são como os Orphaned Land e Khalas, a banda palestiniana. O problema é que tens muitos movimentos e muitos tipos de pessoas. Tens o Hamas, como também extremistas em Israel. O Hamas apela à eliminação de Israel. O Hamas não se importa que eu esteja em paz. Eles matavam-me a mim e à minha família, se pudessem, e não acho que deveria estender a mão pela paz a pessoas assim, porque eles pretendiam cortar a minha mão.
Ainda anseio que um dia seja possível fazê-lo. Quero acreditar nisso pelo bem dos nossos filhos e pelas nossas famílias. Não fico contente quando palestinianos inocentes são mortos. Sinto-me muito triste, inconveniente e desagradado quando isso acontece. É uma tragédia ver crianças presas em bombas e coisas assim. Isto é um fracasso total da humanidade, se essa situação ainda persistir. É inacreditável o quão longe a tecnologia e a ciência chegaram e ainda assim as crianças ficam presas em bombas ou são massacradas por terroristas.
Mesmo na Austrália, eles gritaram gás aos judeus e penso que a guerra fez com que muitos antissemitas erguessem a cabeça e saíssem das suas cavernas, e isto é realmente uma pena, porque o antissemitismo devia ter desaparecido do mundo. Israel não é o arquiteto da guerra. Israel não é o único país que entrou em guerra. Na verdade, Israel conquistou menos territórios do que Portugal no passado. Israel nunca conquistou tantos territórios quanto os portugueses, os franceses, os ingleses, os americanos ou qualquer outro país. As baixas no conflito israelo-palestiniano não são a maior quantidade de vítimas no mundo, durante a guerra, mas de alguma forma os judeus são sempre acusados como os culpados do planeta Terra, e isso não é justo. Isso é algo que as pessoas deviam condenar, e é algo que eu esperaria que os portugueses se opusessem, porque eu conheço os portugueses, admiro-os, eles não deviam permitir o vandalismo de nenhuma sinagoga, de nenhuma mesquita, de nada, mas são sempre as sinagogas a serem vandalizadas.
Numa primeira instância, os cemitérios judaicos e tudo mais, e o povo judeu não merece isso, porque Israel está em guerra. Luto fortemente contra o antissemitismo e estou fortemente desagradado com os antissemitas que fazem todas estas coisas horríveis. Sim, estamos em guerra. Sim, inocentes estão a morrer, ninguém nega isso, mas transformar os judeus em monstros não é correto.
M.I. - Nenhum conflito traz a paz nem é bom. Enquanto judeu, achas que os alicerces do Sionismo estão a testemunhar tempos difíceis com a guerra entre Israel-Hamas?
Sinto que, mesmo antes da guerra, havia muitos conflitos internos em Israel. Acho que o regime de Netanyahu dura há muitos anos, ele está há 16 anos [no poder], se somares tudo, são 16 anos de regime dele. Acho que fragmentou o povo israelita, dividiu as pessoas. Antes da atual guerra em Gaza, a sensação e a atmosfera eram de que já estávamos em algum tipo de guerra civil. Todos os de esquerda transformaram-se em traidores e ele simplesmente destruiu todos que disseram alguma coisa contra ele. Se fossem pessoas de direita, elas imediatamente seriam categorizadas como de esquerda. Ele enfraqueceu o exército, a polícia e o tribunal, tudo sob seu poder ficou mais fraco e a sensação era de que o país estava dilacerado. Isto foi além da guerra, a guerra, de certa forma, uniu todas as pessoas numa causa, e por que esta guerra necessita de acontecer agora? Não que eu justifique o seu regime, mas acordar numa manhã em que tantas pessoas foram mortas nas suas casas, nas suas camas, pessoas inocentes, e não soldados armados ou algo assim, realmente trouxe muito caos, tristeza e desespero para o país.
As pessoas sentem que tudo está agora em perigo. Já aconteceu anteriormente e as pessoas estão muito deprimidas. Quer dizer, é difícil dizer, hoje em dia parece que as pessoas têm uma opinião sobre tudo e todos os lugares do mundo. Nós somos de Israel e é até difícil para nós entender ou saber onde isto vai terminar. Acho que a existência de Israel é importante. Eu acho que Israel foi formado pelo movimento sionista, foi isso que aconteceu na verdade: o movimento sionista consistiu em encontrar um lar, um propósito, para o povo judeu depois de décadas de perseguição, Pogroms do Holocausto e coisas assim. A resolução da ONU de 1948 dividiu o país em dois países e, claro, os judeus aceitaram, e os árabes não, o que levou a guerras que os árabes perderam, refugiados foram criados, e assim por diante. Estas são todas as causas e efeitos das guerras e tudo mais. Eu sou israelita, não sou um grande apoiante da família israelita, mas quero que Israel exista e quero que viva em paz com os seus vizinhos, mas para isso acontecer, do outro lado, é necessário um parceiro que esteja disposto a fazê-lo. Israel realizou a paz com o Egito, devolveu um território que era bem maior que todo o território de Israel. Apenas pelo bem da paz e pela garantia de que Israel não será atacado. Acredito, como israelita, que Israel faria o mesmo com a Cisjordânia e com esses territórios se houvesse algum tipo de garantia de que Israel não será atacado por esses territórios, porque penso que Israel aspira mais à paz do que a conquistar territórios ou governar outras nações. Não acredito que isto seja algo que o povo de Israel queira. Eles simplesmente não querem morrer. Eles não querem a guerra e é difícil fazê-lo com pessoas como o Hamas. Acredito que uma boa liderança surgirá no final desta guerra.
Não sei quando esta guerra irá terminar, mas penso que vai haver eleições em Israel, e penso que este é o fim do regime de Netanyahu, o que pode ser uma boa notícia porque talvez novos líderes surjam. Talvez eles encontrem um caminho. Talvez tenham um parceiro do outro lado e, quem sabe, talvez Israel seja um lugar pacífico para viver e viveremos em paz com os nossos vizinhos e connosco próprios, mas é muito difícil prever isso neste momento.
M.I. - Infelizmente, os habitantes da Faixa de Gaza vão recordar o dia 7 de Outubro de 2023. Acreditas que depois da pandemia COVID-19 o mundo mudou drasticamente?
Eu acho que os últimos anos foram horríveis, começando pelo COVID, passando para os desastres das mudanças climáticas, ver todas essas catástrofes no mundo, sejam grandes inundações ou grandes incêndios ou algumas coisas ainda não se viu. Nesta quantidade, no passado, foi o COVID, as alterações climáticas, a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, e agora a guerra entre Israel e Gaza, e parece que as potências, digamos, da Guerra Fria do passado, sejam os EUA ou a Rússia, ou o Ocidente contra o Oriente, parece que estas coisas estão realmente a ferver e toda a gente pensa que o próximo evento será uma Guerra Mundial. Acho que os últimos anos têm sido muito difíceis. Não temos um minuto de descanso. O COVID foi um desastre, apenas a frase “Mantém o distanciamento social”, que é uma coisa que não é tão social, e coisas assim. Acho que as redes sociais poluíram muito mais a sociedade, porque agora todos têm um microfone, e normalmente não se vê nada de positivo neles, nem nenhum comentário positivo nas redes sociais. É muito raro encontrá-lo. É muito raro encontrar uma conversa decente ou de fácil compreensão. Parece que toda a gente é surda, e ainda fala e escreve muito. Às vezes, questiono qual é a finalidade. Eu não sei. Os últimos anos foram realmente terríveis. A única coisa boa que aconteceu durante o COVID foi conseguirmos gravar e tocar o concerto do nosso 30º aniversário. Essa foi a única coisa.
M.I. - Os Orphaned Land vão em tour pela América Latina em 2024, e vão tocar no Chile pela primeira vez. Portugal espera-vos em Janeiro! Já faz algum tempo que não tocam para nós e estamos ansiosos por ver-vos!
Estou ansioso para ir a Portugal. Adoro esse país, como já vos disse, seja pela música, pela história, pelo vinho, pela comida, pelas pessoas, claro, acima de tudo. Estou ansioso por ir a esse lindo e pacífico país, é sempre inspirador para mim passar algum tempo em Portugal, e mal posso esperar para conhecer os nossos fãs, tocar a nossa música, celebrar a vida e a boa música. Na verdade, estou ansioso!
M.I. - Muito obrigado por esta oportunidade! Desejo-te toda a sorte do mundo e aguardo o vosso regresso a Portugal. Gostarias de partilhar alguma mensagem com nossos leitores, os teus fãs ou até mesmo com o mundo?
Gostaria de dizer aos vossos leitores que mal podemos esperar para vê-los nos nossos concertos e que esperamos encontrar-nos em dias melhores. Gostaria de pedir-vos que, antes de formarem uma opinião sobre qualquer coisa, todos nós devêssemos saber que existe um velho ditado que diz que cada história tem três lados. É o meu lado, o teu lado e a verdade. Há sempre tantas maneiras de ver as coisas e não há preto nem branco nos conflitos, e as pessoas inocentes pagam sempre o preço. Isso é um facto, mas não existe bem ou mal. Todos estão errados quando há guerras, todos estão errados, pessoas inocentes estão a morrer. Se quiserem formar uma opinião sobre qualquer coisa, não apenas sobre o conflito em Israel ou Gaza, basta ler toda a história, falar com pessoas de ambos os lados, tentar compreender ambas as narrativas, e vão ver que todos estão certos, e todos estão errados. Isto é o que aprendi. Eu digo às pessoas para fazerem isso, porque a opinião delas sempre conta e influencia tudo no mundo, vivemos juntos no mesmo mundo, e somos todos seres humanos, e mal posso esperar para conhecer todos e tocar a nossa música para vocês. Isto é o que sabemos melhor.
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Entrevista por André Neves