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Reportagem: Oeste Underground Fest @ Pavilhão Multiusos da Malveira – 04.11.2023

A 1ª banda que subiu ao palco foram os Malade. As suas músicas soam todas bastante atmosféricas e carregam uma melodia estranhamente desejável. Com uma sonoridade rica e intricada que mistura Black e Death mas que soa algo que transcendeu esse som clássico, e talvez daí a designação de Post. Têm, contudo, os pés alicerçados no Black, mas num Black moderno, mais refinado, mais cuidado, e com elementos do Gótico. Enaltece-se a forma de cantar em certas porções das suas músicas, onde as letras são declamadas num tom quase vampírico, quase num sussurro gélido, que adensa ainda mais a atmosfera negra criada pelos restantes quatro membros, e nas restantes porções das músicas temos quase que uma invocação do timbre de Fernando Ribeiro. A energia da banda é evidente em palco, e mostrou que se diverte durante a sua performance. A sua atuação foi dedicada ao seu EP de 2021, “Exordium”, onde tocaram 4 das 5 músicas, mas exatamente a meio do setlist entregaram o seu novo single "Homilia" de 2022, tema esse que abriu a época do mosh. Destaca-se o tema de encerramento da banda, “Morbus Sine Fine”, que é claramente uma música importante para cada um dos elementos da banda, e isso fica evidente ao tocarem-na com toda alma que lhes é detida, ao entregarem à Malveira uma emoção viva. Tema bastante atmosférico, sereno, porém caótico ao mesmo tempo, melódico, contudo perturbador e que o público recebeu, como recebeu os restantes 4 temas da tarde, com muito headbang introspetivo. O tema significa doença sem fim, mas parece que a cura está no som maravilhoso produzido por este quinteto artístico.

A 2ª banda foram os Hórus, que se apresentaran em palco sem o guitarrista Diogo Ferreira, que por motivos de saúde não pôde comparecer. A atuação foi baseada no seu álbum de 2022, “Broken Bounds”, do qual tocaram 7 dos 10 temas. O seu som é uma mistura de diversas influências da música pesada, mas nos primeiros segundos não deu para esconder que a banda se senta no trono do Groove Metal, e foi no Groove que reinou. Se houvesse dúvidas bastaria olhar para a plateia, que se encontrava constantemente “a abanar a cabeça” descontroladamente. A sonoridade tem umas intrusões de Metalcore e Deathcore graças a uns breakdowns que nos transportaram para outra dimensão, e claro, uma voz que nos remete para Randy Blythe, com um timbre retirado das profundezas do inferno para aquecer a Malveira. Fecharam a sua atuação com “Sold the Truth”, onde foi pedido ‘Horns up!’ e todos na malveira elevaram os mindinhos e indicadores bem no alto. O tema resume aquilo que é a essência da banda: riff que transpira Groove e uma voz retirada do Deathcore. O resultado é um exercício coletivo de musculação para o esternocleidomastóideo. Cada concerto que passa nota-se um amadurecimento exponencial na forma como se comportam em palco, tanto entre si revelando uma sinergia bastante calorosa, tanto como interagem com o público com um à-vontade assustadoramente incrível. Notou-se a ausência do Diogo junto dos restantes companheiros, que entre quase todos os temas referiram o seu nome e pediram salva de palmas.

A 3ª banda do festival foram os The Chapter. A sua atuação foi dedicada ao álbum de 2022, “Delusions of Consciousness”, de onde foram tocadas 5 das 8 faixas. Destacou-se a segunda música da atuação, o tema homónimo do álbum, que arrancou com uns hammer-ons na guitarra que hipnotizaram todos os presentes, que foram puxadas de volta à Terra, com um breakdown adornado com um vozeirão gutural que martelou individualmente os metaleiros. Foi também o tema mais melódico da sua passagem pela Malveira, tanto instrumentalmente como em termos vocais (numa passagem de Death/Doom para Metalcore). Contendo um interlúdio bastante atmosférico, e verificou-se uma mudança na dinâmica tanto a nível rítmico como no timbre da voz, evidenciando a versatilidade artística deste conjunto de 5 músicos formidáveis. Outro tema que merece ser mencionado é o “Compos Mentis”, com um riff inicial muito arrastado e muito pesado que tresanda a Doom, que se metamorfoseia num ritmo intricado e abundante de criatividade artística. E a voz que se passeia entre o gutural (semelhante a Opeth) e o melódico (semelhante a Metalcore de Massachusetts) adaptando-se fielmente aquilo que a música pede. E a emoção imposta pela banda ao tocar o tema foi algo impagável, que só quem teve o privilégio de testemunhar é que pode sentir-se em comunhão com os artistas. E os presentes viajaram para onde a banda os encaminhou, sem nunca hesitarem. A sonoridade da banda é muito eclética, mesclando o Doom ou Death/Doom com o Gótico, criando uma atmosfera sombria densa, mas muito melódica. Guitarras melódicas que se transformam em máquinas dinâmicas com tremolos vibrantes e um binómio rítmico baixo-bateria que se transforma ao longo dos temas, de forma adequada como uma luva de seda numa mão rugosa. No fundo, a banda permitiu que todos no Pavilhão viajassem através das suas escalas melódicas acompanhadas pelo canto gutural, e melódico que se coadunou perfeitamente no sentimento criado pelos restantes 4 instrumentos.

Seguiram-se os Hochiminh que se destacaram logo pela estreia do baixista Sérgio Páscoa, que apesar de estar na banda há relativamente pouquíssimo tempo, mostrou uma sinergia tremenda com todos os restantes membros – parece ter pegado de estaca na banda. Importa reforçar o tema “Wasted” do álbum de 2021, “This is Hell”, que antes de iniciar o vocalista João Ramos avisou que ‘Quem não mexe a cabeça não é feliz’. O tema tem um peso extraordinário que serviu para mostrar o verdadeiro potencial da banda, numa mistura perfeita de algo mais Industrial com Metalcore moderno, e lá no meio um breakdown alucinogénio que fez todos viajar pelas terras mágicas da música pesada. E ainda a música “Break It”, a mais pesada da sua atuação com uma intro à qual ninguém conseguiu ficar indiferente, com tremolos violentos e um baixo de arrasar a mente e uma bateria do mais viva que já se ouviu. A agressividade na forma como é cantada mostra um enorme sentimento e uma dedicação à performance ao vivo como não se via há muito tempo. Peso e violência como não se ouviam há muito tempo, e que nos deixaram com vontade de mais. A banda faz uma mistura perfeita entre o Metal Industrial e o Metalcore, com enxertos cirúrgicos de Groove Metal com uns breakdowns de partir o pescoço, resultando em música dançável e para muito headbang. A felicidade na cara de cara um dos seus elementos é contagiável e é impossível não retribuir sorrisos aos artistas. A energia em palco de João Ramos é inacreditável, ele salta, ele pula e agarra-se aos colegas, abraça-os e mantém sempre no ponto aquele vozeirão que ilumina a chama já bastante brilhante acesa pelos restantes membros. Viram-se muitos fãs na plateia que cantaram as músicas do início ao fim, talvez a legião de fãs mais fiéis de todo o festival. Fãs esses que enquanto cantavam, perdiam-se nas terras longínquas de headbanglândia.

Depois foi tempo para Death Metal pelas mãos dos Bleeding Display, com uma atuação que se focou 70% no álbum de 2022, “Dawn of a Killer”, e a restante com o trabalho de 2014, “Deviance”. É difícil destacar um tema, pois todos foram tocados a uma velocidade medonha e com uma agressividade extrema. Ainda assim o 6º tema “Hungry Beast” foi cantado com uma energia avassaladora. O vocalista não parou quieto no palco, enquanto projectou o seu vozeirão pelo Pavilhão inteiro, com um gutural ultrapotente. Os restantes membros entregaram um tema super violento e rápido, que culminou num solo que à primeira vista seria de pensar que um ser humano não seria capaz de produzir tal façanha. O público em vez de mosh preferiu absorver concentradamente o espetáculo, alguns abanaram a cabeça no seu lugar, deixando a música influir pelos seus poros e tímpanos, deixando o seu córtex criar as emoções requeridas para cada um dos acordes. Bleeding Display encapsula aquilo que é o Death Metal moderno, é como se fosse um martelo que entra em palco e parte tudo à sua volta. É peso, velocidade e acima de tudo é agressividade, pura e crua. A banda é puro Death Metal, tanto no som como nas temáticas. Som moderno com uma fusão do canto gutural com tremolos frenéticos, com uma bateria executada na perfeição rítmica que prega todos ao chão com os blast beats infernais, e um baixo que para acrescentar um peso metálico é martelado com o polegar numa técnica formidável de slap, à qual se acrescentam uns valentes pops. Nisto tudo, ainda são adicionados uns breakdowns que nos retiram o ar, como se de uma montanha-russa se tratasse, para sermos novamente trazidos de volta à vida pela normalização de puro Death Metal.

A 6ª banda foram os M.O.R.G. e foi tempo de Thrash Metal à antiga. Momento de viajar no espaço-tempo, espaço porque da Malveira seriamos transportados até Califórnia, e no tempo porque os calendários iriam regredir até à celebre década de 80. Esta banda de Santa Maria da Feira trouxe um Old School Thrash Metal. Destacaram-se 2 temas novos: “Apocalypse” e “Beast”. O primeiro com um dueto sublime de baixo com bateria e com um riff altamente dançável (mas sem voluntários para derrubar os muros da vergonha). O segundo com um riff que foi talvez o melhor de toda a atuação do quinteto, que tem um cheiro maravilhoso de Puro Thrash Metal. O som é inegável, é puro Thrash Metal do mais clássico que existe. É como se fosse uma ressurreição do movimento da época de ouro do Thrash. São riff acelerados e melódicos, um baixo que se senta entre a guitarra e a bateria, e com uma bateria afiada que assim que começa pede logo um circle pit, porque Thrash é sinónimo de dança, e dança no Metal é com circle pit. Infelizmente o povo da Malveira não estava numa noite de Mosh, mas muito mais de headbang e de absorverem a musicalidade com os seus olhos e ouvidos, mas a música pedia que todos perdessem um pouco da sua epiderme em infindáveis mosh pits.

Em seguida foi o momento para a primeira banda internacional da noite, os Angelcrypt, vindos de Malta. Quarteto maltês fardado com camisa negra com o logo da banda disposto no lado direito do peito e calças pretas, todos a condizer. Nos primeiros segundos, todos na sala perceberam que a banda veio mostrar um Melodeath reluzente. Havia curiosidade na sala para ver a banda estrangeira, e isso viu-se porque houve uma aproximação do público, com um aumento do número de cabeças viradas para o palco. Destacaram-se 2 temas: “On Killing Fields” e o novo “Forever Hero”. A primeira música porque foi a mais pesada da atuação com um tremolo a mach 3, com um baixo que acompanhou fielmente e uma bateria que escudou ritmicamente todo o conjunto, culminando num breakdown em que todos (banda e público) se deliciaram num ‘abanar de cabeças infinito’. A segunda música, por se tratar de um novo tema, mas acima de tudo por trazer algo de diferente aquilo que a banda tinha mostrado. Uma introdução que soa a neoclássico que se converte num riff melódico muito parecido ao que se ouve no Thrash, preservando em certa medida a essência do Heavy mais clássico, mas mais extremo. Um canto gutural impecavelmente executado. E uma dupla rítmica bateria-baixo que iluminam a banda pela floresta negra do som, permitindo-os chegar à clareira da melodia. O som produzido pela banda de Malta é um Death Metal Melódico típico do que se ouve vindo de Gotemburgo. Canto gutural realizado no ponto, que se mistura nos tremolos frenéticos das duas guitarras. Um baixo tocado de forma melodiosa ajustando-se à realidade musical, e claro uma bateria rítmica e complexa, que se transforma atendendo ao momento que a música pede. Um som para os fãs de bandas como Hypocrisy ou At the Gates, ou para qualquer adepto do Death Metal melódico.  

Depois foi o momento da penúltima banda, os Morbid Death, diretamente dos Açores, e que pelo nome não havia dúvidas que continuaríamos na onda do Death Metal. Só que dizer que a banda trouxe um som de Death seria uma forma pobre de os catalogar. A banda tem uma sonoridade muito rica e preenchida. Ouve-se muita melodia tanto nos riffs como nos solos, há complexidade na sua estrutura, o que indiciará o campo da música mais progressiva. Há uns excertos onde não há a violência e velocidade típica do Death, mas sim mais a energia e melodia do Thrash. O público escutou com atenção, ainda que bastante envergonhado, apesar de a banda interagir bastante, tentando quebrar ao máximo o gelo. Mas o frio da Malveira atacou forte durante a noite, e os metaleiros preferiram permanecer no seu lugar e receber a música de forma contemplativa. Destacou-se ainda o último tema, “Grow Stronger”, do mais recente álbum ‘Oxygen’ onde foi possível testemunhar a complexidade sonora da banda, sente-se o Thrash aliada ao Death, com muita potência na bateria, extremamente rítmica. Um baixo que se sentia na última fila da sala, e um canto entre o gutural e um timbre mais ‘clean’. A guitarra carrega consigo um peso, que se eleva a algo melódico que não é deste mundo. A banda tem uma grande versatilidade técnica e sonora. E neste tema houve um momento de guitarra frente-a-frente com o baixo mostrando uma sinergia sublime entre os artistas. A banda trouxe uma energia surpreendente, apesar de na noite anterior terem tocado no Feijó.

A última banda do festival foi mais um nome internacional: o grupo espanhol The Ancient Arrival, com um Deathcore madrileno. O que se pode dizer, para além de que a banda respira e vive no planeta Deathcore. Foram tremolos nas guitarras assustadoramente tocados, com uma bateria que parte a cervical de tanto abanar a cabeça, e com os colossais breakdowns fomos obrigados a usar capacete, pois a cabeça quer ir até ao chão. O mais espetacular na banda é a sua energia formidável em palco e a dedicação, em particular do vocalista que deu tudo o que tinha em palco, ao ponto de confessar que estava a ficar cansado, mas os fãs da Malveira pediam ainda mais da banda, e a banda foi respondendo à altura. Destacou-se a nova música “Veil of Deception”, lançada há mesmo pouco tempo. O tema é puro Deathcore com tremolos violentos que são passados de guitarra para guitarra em modo pingue-pongue. O tema culminou com um breakdown bíblico que nos fez olhar para os céus de tanta emoção, e por não conseguirmos acreditar que uma banda seja capaz de produzir este tipo de emoção nos nossos corpos. A banda foi muito bem recebida pelos presentes, apesar de algumas desistências da parte da audiência devido às horas tardias. Isto ao ponto de os espectadores pedirem insistentemente ‘só mais uma, só mais uma!’, sendo que a banda olhou para a organização, que lhes deu luz verde para tocar mais um tema. Após uma votação rápida, ganhou a 4ª da lista de faixas de “I, Abomination”, música do trabalho de 2019, “Nascent Skyline”, e em formato de encore foi entregue ainda com mais emoção da parte dos artistas, sendo ainda mais bem recebida pelos metaleiros presentes na Malveira. Durante toda a atuação, os presentes deliciaram-se com os breakdowns ciclópicos, que os obrigaram a um headbang fortíssimo. Esta foi a melhor forma de terminar um festival que mostrou ser algo no mínimo maravilhoso.

Este é um festival já com uma rica tradição, e que se não tivesse acontecido a pandemia teria contado com a sua 8ª edição. O evento contou com sonoridades ricas, que percorreram diversas estações do largo espectro da música pesada. São festivais como este que mantém a chama do Underground acesa, que fazem com que as bandas sejam conhecidas e que o seu nome passe de boca em boca. São estas as oportunidades que algumas bandas têm de mostrar o seu talento e potencial.  Mas para além disso houve uma causa pela qual todos se congregaram nesse sábado: a ajuda para os Bombeiros Voluntários da Malveira, pois todo o dinheiro angariado irá ser doado aos heróis nacionais. Há quem, em pleno século XXI, ainda ache que o Metal é a ‘música do mal’, mas se assim fosse não ajudariam uma causa tão nobre como esta, que é talvez o cúmulo do bem.

Texto por Marco Santos Candeias

Agradecimentos: Oeste Underground Fest