Niklas Kvarforth é uma autêntica força da natureza a ser reconhecida. O vocalista da banda sueca de Black Metal Shining deu voz aos sem voz nesta entrevista, partilhando algumas informações pessoais, projetos da sua carreira musical e perspectiva do mundo após três anos de pandemia mundial que atingiu o mundo inteiro.
Hoje em dia, Kvarforth continua a lidar com os seus próprios demónios e permitiu-nos conhecer um pouco mais sobre si, e como isso se reflete e ajuda a construir as letras de Shining, bem como outros projetos musicais nos quais Niklas ainda se encontra envolvido. Consumido pelo horror do mundo e assombrado pelo passado, o caminho da luz ainda não está visível, levando-o a criar um som cru, único, e com uma atmosfera sombria que ainda hoje é popularmente conhecido entre os fãs de Shining.
Aclamado e reverenciado por várias legiões, odiado e abominado por alguns, Niklas conversou connosco sobre temas que gravitam em torno de doenças mentais, as suas inspirações para criar música, misantropia e até sobre o seu mais recente documentário no YouTube. A Metal Imperium teve a oportunidade de discutir isso e muito mais com o génio louco que dá a voz a Shining.
M.I. - A saúde mental é, atualmente, uma condição da população mundial. Como consegues lidar com isto? Acreditas que a ajuda é necessária ou que cada pessoa é diferente e deve lidar com os seus próprios demónios?
São muitas questões numa só, mas eu posso dizer que acabei de receber um novo diagnóstico além da minha esquizofrenia, doença bipolar. Agora também tenho stress pós-traumático a adicionar a esta lista. Os problemas mentais são bastantes na Escandinávia. Então, basicamente, lembro-me que tínhamos um asilo para lunáticos, como nos bons e velhos tempos, e um dia eles decidiram ignorar. Eles estão bem, eles podem e devem apenas tomar comprimidos. Acabaram de deixar 15 pessoas num dia, porque não há ninguém doente. É a história da minha vida.
M.I. - Ainda dentro do espetro da saúde mental. Há 3 anos, o COVID-19 teve um grande impacto não apenas na indústria musical, como também emocional e psicologicamente nas pessoas. Isto afetou-te muito? Como lidaste com a pandemia e o que te manteve ocupado?
Eu estava sem casa na altura. Tudo estava encerrado. Na Finlândia, fecharam todas as lojas, todos os restaurantes, todos os bares durante dois anos. Todos estavam a sentir que o mundo era um maldito alcoólatra. Então, consegues imaginar o que estava a acontencer. Não sei. Acho que, na verdade, para ser totalmente honesto, creio que o COVID-19 salvou mais ou menos a minha vida. Se eu continuasse em tour naquela altura, provavelmente morreria de overdose ou dizendo a coisa errada à pessoa errada na hora certa. Eu não sou uma pessoa sociável. Estou muito feliz que tenha havido uma pausa, sabias?
M.I. - Então, o COVID surgiu como algo de positivo neste caso?
Bem, é uma coisa boa, que podemos afirmar em muitos aspetos. Acredito que é apenas uma, em alguns prismas e pontos. Porém, qualquer coisa que ajude a reduzir a população deve ser glorificada.
M.I. - Quais as tuas inspirações quando escreves as letras para as músicas? Algum conceito pessoal ou específico?
Eu não diria que isso me ajuda. É mais como se isso me tornasse num retardado e deficiente. Não sei, não escrevo música como normalmente as pessoas escrevem porque não gosto de brincar (play ball) com as pessoas. Então, é uma expressão porreira, na verdade eu não jogo à bola, não é?
Eu não escrevia músicas há 3 ou 4 anos, e estava sentado com um amigo meu, um fã de Shining, e ele perguntou-me sobre o novo álbum. Eu respondi “Não sei”. Foi um processo desgastante, não escrever algo há muito tempo. Eu estava mal naquela altura, principalmente depois disso, não me sentia bem. As letras são escritas e inspiradas em muitas coisas viscerais, mais do que a própria música. Inspiro-me mais em arte visceral como, por exemplo, filmes, pinturas, etc.
M.I. - Portanto, mais visual, neste caso?
Sim, infelizmente.
M.I. - Muitas das vezes és rotulado como génio e louco. Quão fácil ou difícil é para ti oscilar entre a genialidade e a loucura?
Não é a mesma coisa? Sabes o que dizem os pequenos rumores sobre mim e, por vezes, é melhor girar em torno da loucura, não é? Não fico ofendido se pensarmos nas coisas engraçadas ao longo dos anos, mas acho que é preciso loucura para poder criar algo de valor. Tu precisas de uma escolha na tua vida, se quiseres ser músico, por exemplo, ou artista, acho que tens de escolher o caminho do sofrimento, se quiseres atingir muita gente, no bom sentido, porque é interessante. Não sei. Eu agora odeio todos.
M.I. - O álbum homónimo de Shining será lançado no dia 15 de Setembro, através da Napalm Records. O que podemos esperar do novo álbum?
Em primeiro lugar, não é a Napalm Records que vai lançá-lo. Na verdade, é a minha própria editora chamada The Sinister Initiative. Acabamos de fazer uma licença com a Napalm, porque não temos condições, somos três bandas da editora, e também porque não quero brincar com as outras pessoas. Decidi fazer todos os lançamentos por nós próprios. Os novos lançamentos dos álbuns, os outros álbuns são algo que poderíamos fazer, mas para o novo álbum dos Shining não temos a capacidade de alcance que a Napalm tem. Precisamos de um parceiro para isso, e eles têm sido muito bons. Uma editora é apenas uma editora. Eu escrevo as cartas e eles são apenas o correio.
M.I. - Alguma razão para lançar um álbum com o mesmo nome da banda? A maior parte das bandas lança-o com o primeiro ou segundo álbuns.
Quando escrevi o álbum, percebi que se quisesse continuar com os Shining, muitas coisas teriam que mudar, como por exemplo não ter pessoas idiotas perto de mim. Então, falei com pessoas que tinham pelo menos 20 anos de experiência, para não ter de lhes explicar como funciona um negócio, pois não sou bom a tomar conta dos filhos de outras pessoas. Na verdade, o álbum deveria ter um nome diferente, mas eu estava a conversar com o Charles e por que não entitulá-lo simplesmente de Shining? E vi nos olhos dele que ficou horrorizado e disse que não era uma boa ideia, porque não entendia o que realmente precisava para lançar algo extraordinário. Acho que ele ficou um pouco agitado com a situação e nós temos uma coisa importante com os Shining: quando algo parece um pouco desconfortável, e temos de questionar a ideia do que estamos a trazer para a mesa, isso significa que estamos no caminho certo.
M.I. - Curiosamente, este álbum não tem um número romano a preceder o título, como muitos álbuns de Shining têm. Alguma razão em particular?
Vais-te rir. Eu esqueci-me de o colocar. O tipo que desenvolve toda a componente artística […] e tudo o que é lançado com a burocracia dentro da indústria musical, basicamente enviou o material que tem vindo a desenvolver e eu reparei que o álbum apenas diz Shining e nada mais. Opps, talvez o número tenha desaparecido.
M.I. - Como é normal, o álbum contém 6 faixas, totalmente escritas em sueco. Porque é que o número 6 é tão especial para ti?
Eu adorava contar-te uma espécie de história mística sobre isso, mas o facto é que quando eu me sento a escrever, não penso, infelizmente acho que há algo mais que me motiva. Não sou um tipo que pensa muito. Eu apenas faço coisas. Viste o Cavaleiro das Trevas, por exemplo, no qual eles conseguem cativar o público com o Joker. Ele vê um cão e não sabe o que fazer.
M.I. - A faixa número 5 é a cover de Erik Satie, um instrumental, sendo novamente uma tradição dos álbuns de Shining. Podemos afirmar que és fã de padrões?
Aconteceu como eu disse, mas o Erik era realmente necessário, porque quando eu era criança havia um filme adolescente sobre um amor que não deveria existir, mas tinha uma parte específica, aquela peça de piano em particular, sempre a tive em mente. Tu sabes, eventos apocalípticos ou algo assim, sempre estiveram lá durante toda a minha vida. Por isso, um dia, quando eu ainda estava interessado nisso, pudemos ver que tínhamos outra música primeiro que seria usada. Eu queria interligar com aquela música de piano em particular porque há um vídeo no YouTube que devias ver, e todos que irão ler esta entrevista deviam conferir: é um documentário de 14 ou 15 minutos sobre o Erik Satie e a sua vida, e gostaria de dizer que, de certa forma, equivale ao que Shining é hoje em dia. Sempre tivemos problemas com os média. É um dos documentários mais porreiros que já vi. Eu sei que existem pessoas complicadas no mundo, mas é apenas uma corrida em conjunto, como David Lynch se sentaria ao lado de um piano, sabes?
M.I. - O primeiro single “All För Döden” traduz-se em “All For Death”. Por que a morte é um tema tão fascinante para ti?
Eu venero a morte. Toda a minha vida gira à volta disso. Adoro esse paradoxo. Quando ouço o que digo, é similar ao que o Pai Natal é para uma criança de quatro anos. É tudo, e acho que foi isso que sempre encontrei através do meu lado religioso que esteve sempre presente em todos os discos porque é impossível dissociar. Coisas históricas da minha religião estavam fechadas dentro de mim, mas eu nunca quis falar sobre isso abertamente porque não sou um padre. Não tenho o dom da linguagem para poder explicar o meu amor eterno pelo diabo. A morte sempre teve um tema central, mas isto é apenas mais do que uma carta de amor de eu a tentar regressar à minha vida. Tipo, quando tu tens razão em pedir desculpas e começas a mentir às pessoas, e elas acreditam. Pode parecer um pouco estranho, mas eu não sei como explicar as minhas letras.
M.I. - O vídeo do single contém uma notificação de conteúdo, devido à presença de sangue e violência. Quem são as mulheres e os homens no vídeo? Algum amigo ou família? Algum motivo para a seleção deste grupo de pessoas?
Eu não tenho família, mas sim, seria porreiro bater no avô até à morte imediatamente, mas acho que também eu não saberia disso.
Não sei. O tipo que fez o documentário Cold Void, confiei nele, porque quando ele me contactou, disse que trabalhava com o Erik e blá, blá, blá. Então liguei para o Erik e perguntei-lhe se o tipo era porreiro ou se era um produto dispensável e descartável. Ele disse que era bom, por isso deixei-o realizar o documentário sobre as minhas doenças mentais. Ficamos a conhecer-nos um ao outro, e fiquei realmente impressionado com o trabalho dele. Portanto, chegou a hora de fazer um vídeo novo. De qualquer forma, o que estou a tentar dizer é que tudo vai ficar bem. Eu não fiz aquilo.
Eu não entendo o que há de tão errado nisso?! É o mesmo com o vídeo que fizemos com as coisas do parlamento, durante o desfile gay na Sérvia. Tem surgido nos noticiários, mas a Jugoslávia nos noticiários não era a mesma coisa. Isso foi mau porque é violência de verdade, eu sei, e agora quando eu pontapeio alguém na cara, esse não é o problema. O problema é quando vês as caras deles partidas.
M.I. - “Cold Void” é um retrato pessoal do Niklas. Por que razão tiveste a necessidade de partilhar este documentário?
Não senti qualquer necessidade alguma de fazê-lo. Como referi, foi ele quem me contactou e queria fazer um projeto sobre doenças mentais, daí ter sido comigo. Eu sempre procuro ter um pouco de controlo do que acontece quando as coisas são publicadas, e decidimos que a empresa fundida que estamos a fazer, [...] agora também na filial americana, eu disse-lhes que podiam imprimir a porcaria do DVD e começar a vendê-lo. Mas não, eu não tive nada a ver com a produção. Era um pouco gay, ficar sentado aí tipo e fazer um filme sobre minha vida? Ou quão mal me sinto quando acordo de manhã?
M.I. - Além de Shining, Lice é um dos teus projetos paralelos e aparentemente tem um som diferente do cru Black Metal. Consideras desenvolver este e outros projetos paralelos na tua futura carreira enquanto músico?
Acho que tenho assinado mais de 8 álbuns como vocalista convidado, mas com Lice, na verdade, é uma coisa interessante porque quando fizemos uma tour em Espanha, há muitos anos, havia uma banda chamada [Bloodoline?]. O tipo agora toca nos Teitanblood, e sempre conversamos sobre isso porque eu vi como ele tratava uma pessoa com um martelo. Então, decidi que tínhamos de fazer algo juntos. 10 anos depois, criamos um estilo de vida e, na verdade, aquele tipo poderia ser um dos meus melhores amigos, um satanista muito dedicado. Extremamente inteligente e extremamente habilidoso nos trabalhos de magia do diabo e a pessoa por quem tenho um enorme respeito e com quem estou extremamente feliz em partilhar um trabalho. Eu só quero que ele entre em contacto comigo e diga: vamos fazer outro álbum. É um tipo muito estranho, mas eu gosto dele. Vamos conversar sobre algo diferente, não quero pensar em ligar-lhe agora.
M.I. - Se Lice traz um novo ambiente e paz aos seguidores de Black Metal, Hostsol, outro projeto paralelo, poderá ser considerado o seu antagonista?
Não, Lice, por exemplo, é algo escrito por um irmão meu, um irmão religioso. O que fiz com o Hostsol foi apenas participar a cantar. É como o tipo de uma das minhas antigas bandas favoritas, que escreve algumas músicas e vive para a música, então às vezes se quiseres fazer uma viagem de cocaína ou algo assim, precisas de mais dinheiro, certo? Então, começas outra banda. Só estou a falar de merda agora porque esta é a 200ª entrevista que dou hoje e estou muito cansado.
Toco em bandas, sim. Gosto delas? Não sei responder a essa pergunta, mas às vezes gosto das pessoas.
M.I. - Em colaboração com o Nergal, dos Behemoth, ambos fizeram a cover da faixa “A Forest”, da banda britânica de Post-Punk The Cure. É um pouco diferente do metal, especialmente do Black Metal.
Já ouviste as nossas covers? São um pouco diferentes dos Behemoth. Tenho um enorme respeito por eles. A ideia não foi minha. O Adam ligou-me e queria que eu cantasse uma música para um novo álbum do Behemoth. Eu disse que não, e então ele disse que íamos fazer algumas covers também, e disse que estava a fazer dos The Cure. No início eu pensei que era uma ideia estúpida, porque os Carpathian Forest fizeram um cover da mesma música no Black Shiny Leather, e a cover ficou incrível. Mas, também é uma coisa interessante em trabalhar com a banda. Sempre tive respeito por ele como empresário, porque não importa o que as pessoas digam, ele é um tipo incrível quando se trata de conseguir dinheiro, não é? As pessoas têm muito respeito por ele, considerando que ele teve leucemia.
Ele é polaco, gosto dele, mas não temos falado. Desculpa, por ser tão duro contigo, mas estou muito cansado.
M.I. - Algum futuro concerto em Portugal? Estamos a morrer por te ver a tocar ao vivo!
Sim, nós também, mas o Nicholas Barker está a passar por uma insuficiência hepática. Ele precisa de uma transfusão de sangue 3 vezes por semana, e eu também acabei de sair da terapia mental. Sim, podemos fazer um acordo. Nós vamos tocar e lançar o caos na Terra, mas tem que ser num sábado, pois na segunda, quarta e sexta ele tem de fazer uma transfusão de sangue. Agora a sério, é complicado. Caso contrário, ele pode morrer.
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Perguntas por Sónia Fonseca e André Neves
Entrevista feita por André Neves