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Entrevista aos Grievance


Dor, angústia e Black Metal Lusitano. Os Grievance são uma banda portuguesa de Leiria que começaram a conquistar a Península Ibérica desde os finais da década de 90, quando a segunda onda de Black Metal estava ainda em voga na Escandinávia. 
No entanto, Koraxid vem partilhar com a Metal Imperium que este género musical não está apenas circunscrito ao mundo nórdico e veio para ficar. Em Portugal, em particular na região de Leiria, temos sol, praia, boa gastronomia e Black Metal que nos ajuda a compreender não só as origens ancestrais do nosso território, como também a enfrentar os tempos que se avizinham.

M.I. - Além de Emperor, que outras influências dentro da esfera do Black Metal contribuíram para a fundação de Grievance?

As influências que contribuíram para a fundação de Grievance vão muito para além de Emperor, embora seja uma das minhas bandas favoritas de Black Metal, especialmente nos seus primeiros lançamentos. Acho que posso considerar uma influência toda a cena da segunda vaga de Black Metal, não só bandas escandinavas (Suécia, Finlândia e Noruega) mas também algumas bandas Gregas, Inglesas, Norte Americanas e até Portuguesas. Os nomes são imensos para mencionar um a um, mas quem conhece a segunda vaga e a viveu ou explorou encontra todas as bandas que referiria na minha resposta. Há que dar destaque a uma banda em particular, pelo seu peso e pelo respeito que merece como uma das criadoras e impulsionadoras do género, ainda nos anos 80: Bathory, especialmente nos álbuns “Under The Sign Of The Black Mark” e “Blood, Fire, Death”. Quorthon é, sem dúvida, para mim, a maior força criadora a surgir dentro de todo este movimento e quem pavimentou o caminho para a segunda vaga de Black Metal que tantas bandas geniais viu aparecer.


M.I. - A ascensão de Grievance iniciou-se nos finais da década de 90, quando o Black Metal atravessou um conturbado período, ficando associado à infâmia, vandalismo e o caos. Fazendo uma retrospetiva, na vossa opinião, podemos afirmar que, hoje em dia, o Black Metal combina as suas raízes ancestrais com novos experimentalismos musicais?

Sim, concordo, hoje em dia há tantos géneros e subgéneros de Black Metal, a escolha é quase infinita. Há todo o tipo de combinações, crossovers, etc... Há quem esteja mais ligado às raízes e quem as renegue totalmente. No meu caso não tenho o mínimo pudor em ser fiel à matriz musical que fundou a banda, ela própria sempre foi aberta a todo o tipo de experimentalismos mas sempre com raízes bem assentes no género. Em relação à infâmia, vandalismo e caos, especialmente atividades criminosas não é algo que me proponha a fazer e muitas vezes foi usado e empolado para efeitos de marketing. Prefiro uma abordagem infame sim, mas na sua criatividade, focada numa visão artística e mais profunda ao género.


M.I. - Verificamos uma interrupção de uma década entre as demos Por Entre a Escuridão Outonal (1997) e The New Millenium Sessions (2007). Tal interregno deve-se à saída de Azarath de Portugal?

Grievance sofreu várias alterações não só de line-up mas numa certa época saiu das suas raízes e evoluiu para um projeto mais experimental e completamente diferente da sua génese. Entre 1998 e 2000 a banda reformularia o seu line-up com um novo guitarrista (Marco Tomé) e um trompetista (Sérgio Pina). Azarath ficaria na voz e baixo e eu na Bateria. Foram tempos de total reinvenção e experimentalismo, ao ponto da banda já não tocar Black Metal mas sim um crossover entre Jazz, Rock Progressivo e Metal. Desses tempos acabou por não sair output que sinceramente se integrasse na carreira da banda, foram tentadas as gravações de demos, sem sucesso, e os masters perderam-se no tempo, era como se de outra banda se tratasse, na realidade. Essa formação, a nível de membros e até conceptualmente, foi dissolvida com a passagem para o novo milénio. Azarath saiu de Portugal em 2000, indo primeiro para Brighton (Inglaterra) e anos mais tarde fixando-se em Algeciras (Espanha). O contacto entre nós manteve-se e voltamos algum tempo mais tarde à fórmula e propósitos iniciais da banda: tocar Black Metal. Nos anos seguintes sempre que Azarath se deslocava a Portugal voltávamos a fazer algumas jams mas por falta de tempo de maturação das ideias que partilhávamos não houve quaisquer gravações ou demos lançadas.


M.I. - A demo The New Millenium Sessions veio partilhar uma união musical entre Portugal e Espanha no seio da banda. Com o novo lineup, desta vez com o baixista Enjendro, foi difícil manter esta mesma união e coesão de ter de viajar pela Península Ibérica para produzir e gravar novas faixas?

Em 2006 os astros alinharam-se para que houvesse uma ressurreição da banda, na época eu morava em Faro, que ficava apenas a 400 Km de Algeciras, uma viagem relativamente fácil e barata para fazer na época. Comprei uma bateria eletrónica e viajava para Algeciras com o meu material, ensaiávamos num apartamento no centro da cidade, Azarath na guitarra e voz, Enjendro no baixo e eu na bateria eletrónica, ligada a  um amplificador de guitarra. Foram tempos muito bons e cheios de entusiasmo, Enjendro também foi uma boa adição ao line-up, uma das pessoas que conheço com melhor sentido de humor e com grande potencial como músico, cheguei a passar semanas lá a compor e ensaiar com eles, de todas essas sessões saiu o tema Rotten Empire, gravado nesse apartamento com a minha primeira placa de som externa, foram também aí dados os primeiros passos para eu começar a gravar música sozinho. O segundo tema “Lust For Battle” apenas tem a participação minha e de Azarath e foi gravado em 2007 no meu estúdio (Axe Farm Studios) em Caldas da Rainha, também essa uma das primeiras gravações multipista que fiz e editei.


M.I. - O vosso primeiro álbum Retorno (2013) veio cimentar o retorno de Grievance e a vossa vontade em criar música. Além da famosa Ginjinha de Óbidos, temos as primeiras sessões fotográficas na Praia D’el Rey. Algum motivo em particular pela escolha deste local?

Com o primeiro álbum veio a segunda ressurreição da banda, já que a partir de 2008 até 2011 a banda parou os ensaios. Em 2011 Grievance tornou-se o meu projeto a solo, ficando eu com o controlo total da banda, composição musical, letras e produção para que esta voltasse a viver. Isto feito por acordo amigável com Azarath, o co-fundador. Ele tem participado como convidado em algumas atividades da banda, inclusive as fotos que referes, entre muitas outras fotos de sessão que tenho foram feitas por ele, sob o nome “Tiago da Cruz”. A capa do álbum é mais um exemplo desta colaboração. Foram usadas por ele técnicas analógicas para criar os efeitos que algumas das fotos têm, usando apenas tempos de exposição de objetiva e outros “truques” para obter estes resultados. As fotos foram feitas numa noite de lua cheia, na Praia D’el Rey para dar um toque Ibérico à imagem de Grievance. No norte da Europa temos a neve e o gelo, no sul temos o mar, as rochas, a aridez, a areia, o calor tórrido. É meu propósito criar uma imagem da banda que tenha algo a ver com as minhas origens, e explorar essas origens para forjar o próprio som e atmosfera de Grievance, seja musicalmente, seja visualmente.


M.I. - Com 4 álbuns concretizados – Retorno; Pilar, Pedra e Faca (2016); Em Lucefécit (2019) e Nos Olhos da Coruja (2020) – sabemos que outras bandas portuguesas, tais como Corpus Christii e Maldito, podem contar com a vossa participação em palco. É desafiante conciliar todos estes projetos e ambicionar com novos no futuro?

É sempre desafiante conciliar, mas as coisas conseguem-se quando se tem a vontade e paixão necessárias, para mim tocar Black Metal é algo que realmente me realiza como músico e como pessoa, pelo que planeio no futuro continuar a tocar e a envolver-me no que seja possível fazer, seja com Grievance, seja com outras bandas em que participo como músico de sessão ou membro efetivo.


M.I. - Voltando ao vosso 3º álbum, Em Lucefécit, o panorama alentejano está presente nas faixas. Porém, nas letras que compõem este álbum, podemos constatar que existe uma alegoria ao passado pagão português. O álbum consiste numa viagem ao passado lusitano e origens pagãs que estão na fundação do nosso território?

O álbum “Em Lucefécit” não é conceptual, embora compreenda porque à primeira vista o parece, tanto a capa como o título puxam para essa ideia, mas de facto é um álbum com uma temática mais abrangente, falando de vários mistérios, tradições e factos históricos. O álbum foi intitulado “Em Lucefécit” derivado da origem da palavra, os Católicos nomearam a Ribeira de Lucefécit desta forma para dar a ideia que era um local malogrado, amaldiçoado, mas de facto é um local onde uma sabedoria maior reside, especialmente no santuário ao deus Lusitano Endovélico, junto a esta ribeira. Para mim estar “Em Lucefécit” é um estado de alma em que nos desviamos daquilo que nos querem obrigar a ser para aquilo que nós nascemos para ser. Neste álbum são abordados muitos mais temas históricos e mitos, não só Ibéricos, como o desaparecimento da grande biblioteca da Alexandria em “Cinzas da Sabedoria”, a chegada da peste negra à Europa (letra escrita um ano antes da pandemia de COVID), etc...


M.I. - Não é novidade nenhuma a pandemia em 2020 ter assolado a indústria musical. Após os períodos de clausura e confinamento, regressaram com positivas expetativas futuras ou com algum receio e decidiram manter um plano B?

Acho que as expectativas somos nós que as realizamos e criamos, por isso nunca houve problemas nesse aspeto, sejam receios, planos B, etc. A um nível geral correu bem, a banda ainda tocou algumas vezes ao vivo durante a pandemia e lançou um álbum no fim de 2020, foi composta e produzida também a participação no Split CD com Thy Black Blood, que saiu mais tarde em 2022.


M.I. - O vosso último lançamento Unspeakable Acts & Occult Encryptions (2022) conta com a colaboração dos vossos vizinhos de Leiria Thy Black Blood. Consideram colaborar no futuro com mais bandas de Black Metal portuguesas e, assim, criar uma liga de Black Metal Lusitano?

Sempre existiram várias ligações entre os criadores de Black Metal em Portugal, este Split CD é apenas mais um exemplo, D Sabaoth é um músico com quem já trabalhei, como baixista em Flagellum Dei, e o convite da sua parte para fazer este split foi aceite com todo o prazer. Neste momento apenas posso adiantar que se está a forjar uma aliança entre músicos deste género baseada na zona Oeste de Portugal, intitulada “Sulphur Waters Black Metal Allegiance”. Mais novidades serão reveladas oportunamente.


M.I. - Vemos que são apreciadores da história, sobretudo da Idade Média em Portugal. É frequente usarem como inspiração antigas ruínas, torres medievais e paisagens rurais na vossa composição artística e musical?

Um olhar sobre o passado é, sem dúvida, uma das fontes de inspiração da banda, cresci numa aldeia isolada, numa região envolta em paisagens bucólicas, ruínas e histórias milenares, portanto é normal que me baseie nesse tipo de temáticas para criar música e letras que inspirem esse tipo de sentimento, ao fim ao cabo talvez seja essa a razão de gostar tanto deste género de música. Carrega-nos numa viagem alucinante aos locais mais obscuros e fantasmagóricos da alma...


M.I. - As obras fotográficas de Azarath (Tiago da Cruz) são marcadas pelos fatores da escuridão, noite e silêncio. Situado no sul de Espanha, de que forma este projeto paralelo ajudou no desenvolvimento de Grievance?

Tal como referi anteriormente a ligação é imensa, já que Tiago Da Cruz é um outro pseudónimo de Azarath, o co-fundador da banda. O resto da história já foi explicada acima, ele tem colaborado com excelentes trabalhos fotográficos, não só fotos promocionais minhas bem como a capa do álbum “Retorno” e essa parceria continuará conforme se proporcione. Azarath também participou com a co-composição do tema “Seres Alados” que saiu no álbum “Nos Olhos Da Coruja”, compondo os riffs e gravando a guitarra ritmo desse mesmo tema, demonstrando que a parceria que fundou a banda, embora agora comigo como único criador e membro efetivo ainda perdura, consoante se proporcione e seja possível de realizar.


M.I. - Querem partilhar connosco algumas palavras para os nossos leitores?

Um agradecimento pelo interesse em Grievance e um agradecimento por continuarem a divulgar o underground em Portugal!
Quem quiser saber mais sobre a história e lançamentos de Grievance pode consultar o site oficial em https://grievance.pt, na secção Blog podem encontrar memórias descritivas sobre cada um dos 5 temas lançados no Split CD com Thy Black Blood. Haverá brevemente também novidades sobre um novo lançamento planeado para o início e 2024.


Entrevista por André Neves