About Me

Entrevista aos Godiva


De espírito inovador e com o permanente objetivo de evoluir e desafiar as limitações do Death Metal Melódico, os Godiva existem para nos inspirar e acordar perante a inércia crescente que vivemos neste mundo. Juntos desde 1999, já com duas demos e um EP na bagagem, finalmente vem à luz o primeiro LP intitulado de Hubris que retrata o sagrado disfarçado no qual somos levados a acreditar desde tenra idade. A sugestão aqui é que vejamos para além da capa e exploremos as entranhas da realidade distorcida em que vivemos.

M.I. - O que vos levou a escolher Hubris como nome do álbum?

A escolha de 'Hubris' como título do álbum não foi aleatória nem inocente. Pelo contrário, reflete uma ponderação madura sobre o conceito que queríamos explorar neste novo capítulo da banda. Concordámos todos que este termo resumia na perfeição a arrogância desmedida, o orgulho exagerado e a ambição desregrada que tantas vezes precipitam a queda e ruína do homem, como se exemplifica em tantos mitos e tragédias desde a Grécia Antiga. Apesar de este termo quase não existir em português. Achámos que o conceito de 'Hubris' permitia estabelecer um paralelo poético perfeito com alguns dos maiores problemas da sociedade atual - o individualismo extremo, o egocentrismo nas redes sociais, a ganância que leva à destruição do “normal”. Na nossa ótica, o álbum deveria constituir uma crítica mordaz, ainda que poética, a estes traços negativos da natureza humana, trazendo-os à luz através de metáforas e alegorias. Assim, escolhemos 'Hubris' como título - um termo carregado de significado, que nos permitia definir o tom e a orientação conceptual desde o início. Mais do que um simples título, 'Hubris' foi o catalisador criativo de todo este álbum cheio de mensagens escondidas. O nosso álbum é uma crítica à sociedade moderna e ao homem contemporâneo, abordando as complexidades e contradições que isso implica. Vivemos numa era onde a imagem muitas vezes supera a verdade, onde a perceção é mais valorizada que a realidade. 'Hubris', neste contexto, encaixa-se na perfeição, pois representa a consequência inevitável dessa arrogância desmedida. No entanto, ao contrário do que acontece no mito clássico, onde a 'Hubris' é seguida pela 'Némesis' - a retribuição divina -, na sociedade moderna, essa consequência nem sempre acontece, a realidade não segue paradigmas, karmas, etc. Este contraste entre a mitologia e a realidade contemporânea é algo que exploramos em profundidade no nosso álbum. Portanto, 'Hubris' não é apenas um título, mas um reflexo do nosso desejo de incitar uma reflexão crítica sobre o mundo em que vivemos.


M.I. - Quais foram as vossas influências e inspirações para a composição deste álbum?

Com a experiência que temos, é realmente difícil responder a essa pergunta de forma completa. Cada música que compusemos ao longo dos anos tem um significado especial para nós, e gostamos de todas elas. É um exercício que deixamos para os nossos fãs fazerem, pois eles conhecem o nosso percurso musical. Quanto às nossas influências, cada membro da banda tem o seu diferente perfil musical, no entanto, temos várias em comum, desde bandas como Samael a Obituary, passando por Melodic black como Dimmu Borgir e tudo o que tem uma abordagem mais pesada e melódica como Death, entre muitos outros. Essas influências têm sido uma parte importante do nosso percurso musical e têm contribuído para moldar a nossa sonoridade. No álbum "Hubris", tentamos incorporar essas influências de forma coesa, criando um som que é distintamente Godiva, mas que também reflete as várias facetas das nossas inspirações musicais. Em última análise, o nosso objetivo é criar músicas que transmitam a nossa identidade como banda. Esperamos que o nosso trabalho inspire outros, assim como fomos inspirados pelas nossas influências ao longo dos anos.


M.I. - Onde foi gravado e quem foi encarregue pela captação, mistura e masterização?

Todas as sessões de gravação foram feitas pelo nosso guitarrista e orquestrador André Matos nos Raising Legends Studios, no Porto, onde usufruímos de toda a experiência e profissionalismo do produtor e a masterização ficou a cargo de Wojtek Wiesławski, no bem conhecido Hertz Studio, responsável por trabalhos reconhecidos de bandas como Behemoth, Decapitated, Vader, Septicflesh, entre outros. A captação, mistura e masterização foram feitas com muito cuidado e dedicação para garantir que cada detalhe da nossa música fosse capturado da melhor forma possível. Estamos muito satisfeitos com o resultado e ansiosos para partilhá-lo com o mundo.


M.I. - A nível de processos técnicos, existem diferenças nos métodos de gravação em relação aos trabalhos anteriores?

Sim, em "Hubris" houve algumas diferenças nos métodos de gravação em comparação com os nossos trabalhos anteriores. Por exemplo, no “Traces of Irony” gravamos no Rec N’Roll dos Tarântula, em fita. Para este álbum, decidimos experimentar novas abordagens técnicas para criar um som mais rico e poderoso. Explorarmos todos os excelentes recursos do estúdio da Raising Legends, onde tudo é digital e completamente adaptado às necessidades atuais das bandas. E trabalhar com o produtor Wojtek Wiesławski do Hertz Studio, situado na Polónia, trouxe uma perspetiva fresca e profissional ao processo de gravação. Em primeiro lugar, dedicamos mais tempo à pré-produção, garantindo que cada detalhe musical estivesse bem planeado antes de entrar no estúdio. Isso ajudou a tornar o processo de gravação mais suave e eficiente. Além disso, optamos por utilizar técnicas de gravação mais modernas e avançadas, aproveitando as últimas tecnologias disponíveis no estúdio da Raising Legends e Hertz Studio. Isso permitiu-nos obter um som mais preciso e detalhado em cada instrumento, proporcionando uma maior clareza e definição à nossa música. Outra diferença significativa foi a inclusão de arranjos orquestrais feitos pelo André Matos, que foram gravados na Raising Legends, aproveitando todos os recursos, profissionalismo do produtor. Isso adicionou uma dimensão épica e cinematográfica às nossas músicas, tornando o álbum ainda mais emocionante e envolvente. "Hubris" apresenta uma evolução nos processos técnicos de gravação em relação aos nossos trabalhos anteriores, o que nos permitiu alcançar um som mais sofisticado e marcante. Estamos muito satisfeitos com o resultado e acreditamos que o publico também irá apreciar esta nova abordagem sonora.


M.I. - Qual é o vosso método de composição musical?

Como amantes de música, sabemos que a música não é linear, é circular, os estilos e sonoridades voltam sempre misturados com outros estilos, criando sonoridades novas. O nosso processo de composição musical é orgânico e colaborativo. Embora cada músico traga as suas próprias influências e estilo, o objetivo é sempre os fundir numa criação coesa que represente o som dos Godiva. Tipicamente, começamos com ideias embrionárias ou riffs criados pelo Ricardo Ribeiro ou André Matos. Ao mesmo tempo, criamos as orquestras, com o objetivo de estabelecer um sentimento, uma alma que a música personificará. A partir daí, construímos a música em conjunto, com o baixista a acrescentar a sua linha, o baterista a estruturar a base rítmica, e no fim criamos a letra, tendo em conta o objetivo e a mensagem que queremos passar. É um processo intenso e interativo, sem fórmulas pré-definidas, que envolve improvisação e experimentação até que a canção reflita o equilíbrio perfeito entre as nossas personalidades musicais. O álbum começou com muitas horas de refinamento no estúdio e sala de ensaio, que gostamos de chamar de “purgatório”, até obtermos o som que queremos, com destaque para o papel dos nossos guitarristas Ricardo Ribeiro e André Matos, neste processo. A nossa motivação é criar músicas únicas, que transmitam a identidade dos Godiva através da fusão das contribuições de cada membro. Apesar do nosso som, não se enquadrar de forma fácil em nenhuma “gaveta”, isto é, por design e não aleatório, mesmo correndo o risco de perdermos oportunidades devido a este fato.


M.I. - As vossas letras são inspiradas em quê e quem é o principal responsável pelas mesmas?

As letras dos Godiva são inspiradas em temas psicológicos e sociais que nos rodeiam no dia-a-dia, abordados sempre de forma crítica, mas também poética. Procuramos explorar questões universais como o sentido da vida, o ego humano e o impacto da tecnologia na sociedade atual. Nós queríamos sair fora do paradigma conceptual do que é esperado para o nosso tipo de som, e tentamos misturar a critica à realidade com os novos demónios como a depressão e novos deuses como a Media, “brincando” com o que a sociedade dá valor agora em contraste com o que acontecia no passado. O processo criativo das letras é highly collaborative, com contributos de todos os membros da banda em termos de ideias, conceitos e versos. No entanto, o responsável pelas letras é o nosso vocalista Pedro Faria, que tentou criar um fio condutor conceptual que interligasse todas as músicas, ainda que cada uma explorasse uma faceta diferente dessa temática central. As letras dos Godiva refletem uma visão crítica sobre vários aspetos da sociedade atual. Por exemplo, em músicas como "Media God" fazemos uma análise mordaz ao poder e influência dos media tradicionais e das novas redes sociais. Em "The All-Seeing Eye" debruçamo-nos sobre o tema da vigilância e recolha de dados pessoais sem conhecimento ou consentimento por parte de empresas e organizações. Já em temas como "Faceless" abordamos o impacto da globalização em detrimento da identidade individual e na pressão para nos conformarmos. "Black Mirror" mergulha na realidade sombria da depressão e problemas de saúde mental que assolam os tempos modernos. E "Hubris" que critica a falsidade das imagens cultivadas nas redes sociais e o egocentrismo extremo contemporâneo. Em todas as letras, tentamos capturar o zeitgeist atual, traduzindo em verso uma visão comum da banda sobre o mundo atual.


M.I. - O vosso artwork é bastante atrativo. Quem é o artista por detrás da obra?

O artwork memorável da capa de Hubris foi concebido pelo nosso grande amigo e designer gráfico Bruno Santos, que também criou o nosso novo logo. Apesar de ele normalmente trabalhar e desenvolver temáticas de horror, nunca trabalhou para bandas de metal. O Bruno conseguiu “brincar” com a imagem da última ceia (apesar de o motivo religioso surgir apenas como catalisador da metáfora) e conseguiu criar uma representação visual do termo “Canibalismo Social”, que queríamos transmitir, “brincando” com os conceitos de “velhos deuses” e “novos deus e demónios”. O Bruno soube traduzir isso visualmente através de uma estética ousada e simbólica, que captura na perfeição a essência do álbum. Desde a predominância de tons acinzentados, que transmitem gravidade, ao close-up do rosto bifurcado, que alude à dualidade da natureza humana. Todos os elementos visuais refletem e complementam as camadas semânticas da nossa música. Foi uma colaboração extremamente produtiva, que resultou numa capa icónica à altura da nossa ambição.

M.I. - Como consideram que está a ser a aceitação deste álbum por parte do público?

Felizmente, desde o seu lançamento em março, temo-nos deparado com uma aceitação bastante positiva por parte do público, tanto em Portugal como além-fronteiras. Os fãs mais antigos têm apreciado a nossa evolução sonora, mas sem perder a essência dos Godiva, enquanto criamos uma pegada nova no cenário de metal. Em termos concretos, o feedback nos sites e redes especializados tem sido esmagadoramente positivo, e temos sentido um interesse crescente da imprensa e dos media em geral em relação ao álbum. Por isso, não podíamos estar mais satisfeitos com a receção do público a Hubris até agora. Esperamos continuar a construir sobre estas bases sólidas!


M.I. - E em relação aos concertos desta tournée? Como estão a ser recebidos em cada país?

Os concertos desta digressão europeia de apresentação do nosso novo álbum Hubris têm sido verdadeiramente eletrizantes, tanto para nós como banda quanto para o incrível publico que nos tem recebido em cada cidade. Desde o primeiro acorde, sentimos uma energia e entusiasmo crescentes da plateia à medida que tocamos os novos temas, transportando-os nessa jornada sonora conceptual que idealizámos em estúdio. Vê-los a vibrar com os ritmos é uma sensação indescritível. O álbum foi extremamente bem recebido também pela crítica especializada internacional, o que se tem traduzido em concertos consecutivamente esgotados um pouco por toda a Europa. Essa troca de energia tão positiva e cumplicidade genuína com o público tem-nos motivado a elevar o nível e dar sempre mais de nós próprios em cada atuação, seja no palco ou na interação com os fãs. Estamos muito ansiosos por levar esta experiência audiovisual completa e energia abrasadora a ainda mais países e cidades nos próximos meses. Mal podemos esperar para continuar a partilhar o nosso trabalho com novos públicos e culturas. Com certeza será uma digressão inesquecível para nós e para todos que nos recebem de braços abertos.


M.I. - Que tipo de evolução têm sentido na vossa banda e mesmo em termos individuais ao longo do tempo de atividade?

Ao longo do tempo de atividade da nossa banda, temos sentido uma evolução significativa tanto a nível coletivo como individual. A nível coletivo, a nossa sonoridade tem evoluído de forma orgânica e coerente. Desde o início, sempre nos esforçamos por fazer algo diferente e autêntico, e essa busca pela originalidade reflete-se na nossa música ao longo dos anos. Com cada álbum e projeto que lançamos, procuramos explorar novas abordagens musicais e incorporar diferentes influências. Essa diversidade de experiências tem contribuído para a nossa maturidade como banda e para a expansão do nosso horizonte artístico. A evolução individual de cada membro também é uma parte importante do nosso percurso. Ao longo dos anos, todos nós temos aprimorado as nossas habilidades musicais e crescido como artistas. Cada um de nós tem explorado e desenvolvido as nossas próprias aptidões, o que tem enriquecido o nosso trabalho coletivo. Além disso, o tempo de atividade da banda trouxe consigo um maior entendimento da dinâmica do grupo, uma melhor comunicação e uma maior cumplicidade entre nós. A nossa capacidade de trabalhar em conjunto e de compreender as diferentes perspetivas tem sido fundamental para a nossa evolução como banda.


M.I. - O que consideram que vos abastece a motivação para continuar e impulsionar a vossa criatividade?

A nossa principal motivação sempre foi, é e será a paixão genuína pela música e por todo o processo criativo que ela acarreta. Nós adoramos compor, ensaiar, gravar e subir ao palco para tocar. Além disso, testemunhar o apoio e entusiasmo crescentes do público, especialmente nos concertos ao vivo, dá-nos um boost de motivação único. Ver o público a vibrar com os nossos temas, a dar-nos os parabéns pelo nosso trabalho, isso faz-nos querer elevar sempre mais a fasquia e dar o melhor de nós. A paixão pela música e o desejo de explorar e expressar ideias através dela. Também somos motivados pelo desejo de provocar reflexões e discussões sobre temas importantes. Claro que o reconhecimento da crítica e o sucesso comercial são fatores motivacionais também. Mas no fundo, mesmo que isso não existisse, nós continuaríamos a fazer música com a mesma paixão. Porque para nós, os Godiva, a música é tão necessária como respirar. Faz parte de nós e vai sempre alimentar a nossa motivação, agora e no futuro.


M.I. - Neste momento, estão a trabalhar de forma independente e assim pretendem manter-se ou gostariam de obter um contrato discográfico com alguma editora?

Atualmente, estamos a trabalhar de forma independente e gostamos da liberdade que isso nos dá. Ser independentes permite-nos ter controlo criativo total sobre a nossa música, até porque sabemos que não encaixamos completamente em nenhuma “caixa”. Permite-nos explorar diferentes sonoridades, temas e conceitos sem restrições externas. No entanto, não somos fundamentalistas, da mesma forma que não queremos criar uma versão “bastarda” da nossa essência, se existir uma editora que acredite no que fazemos, claro que ponderaríamos a proposta, existem vantagens óbvias em poder usufruir dos recursos de uma editora. Por isso, estamos sempre abertos a oportunidades que possam surgir no futuro. Queremos que a nossa música chegue ao maior número de pessoas possível, e se uma parceria com uma editora nos ajudar a alcançar esse objetivo, estaríamos dispostos a explorá-la. Por enquanto, estamos focados em promover o nosso novo álbum "Hubris" de forma independente, mas estamos entusiasmados com as possibilidades que o futuro nos reserva.


M.I. - Para terminar, quando e onde vos podemos ver ao vivo?

Estamos ansiosos para continuar a mostrar a nossa música ao vivo. Todos sabemos que este é um processo evolutivo e queremos dar um passo assertivo de cada vez. Neste momento, temos vários concertos marcados em Portugal, Bélgica, Suíça, Roménia, e inclusive uma tour Ibérica a revelar e ainda uma tour na Europa de Leste que inclui Roménia, Hungria e Bulgária. Há datas e locais exatos que ainda estão a ser finalizados, mas pretendemos percorrer todas as cidades e países que nos queiram receber. Para ficarem atualizados sobre as nossas atuações ao vivo, convidamos todos a seguirem as nossas redes sociais e o nosso site oficial. Lá iremos anunciar todas as informações sobre os próximos concertos e onde nos podem ver ao vivo. Existem muitas novidades, felizmente Hubris está a ter uma receção especialmente calorosa. Estamos ansiosos para encontrar e partilhar a nossa música com todos. Esperamos vê-los em breve num dos nossos concertos ao vivo! Até lá, fiquem atentos às nossas redes para não perderem nenhuma novidade. Agradecemos também a todos o apoios constante e as inúmeras mensagens e partilhas destes últimos meses.

Ouvir Godiva, no Spotify

Entrevista por Clara Nunes