Imaginemos uma cozinha de malucos, no Japão, onde os ingredientes são fervidos numa mistura envolta em muito sal, picante e outros elementos adicionados sem qualquer nexo ou medida aparente. À partida, considerando esta ideia desorganizada, o resultado seria horrível.
No entanto, e se, ao prová-los, fôssemos surpreendidos de forma a desenvolver uma empatia tão forte com essa equipa e a sua receita, que nos fizesse querer voltar sempre, quase como se desenvolvêssemos uma afinidade irresistível por caos e desordem? Mas atenção, nem a sobremesa é doce!
Os "cozinheiros" são os Seek, um trio que ataca nos subestilos atmospheric black/sludge/post-hardcore, formado no Japão, mais precisamente em Osaka, há mais de vinte anos, mantendo um certo ar de mistério à sua volta.
Com pouca informação disponível sobre a banda, tornam-se ainda mais enigmáticos e intrigantes, adicionando uma camada de fascínio ao seu trabalho.
É peculiar o facto de só depois de vinte e tal anos terem lançado o primeiro álbum completo, intitulado "Kokyou De Shinu Otoko", que se traduz como "Homem Morre na Sua Terra Natal". Ao longo dos cinquenta e poucos minutos, somos envolvidos numa sonoridade sombria que abraça o sludge, o black metal com arranjos arrastados, elementos atmosféricos e toques de post-hardcore bem acentuados. Tudo isso é envolvido numa atmosfera densa de niilismo, escuridão e desolação, evocando a estética dos filmes japoneses de terror. A própria capa do álbum reflete esse mesmo ambiente.
O álbum começa com a faixa "Mejitsu", com uma sonoridade sludge, rapidamente transita para o black metal, criando um ambiente caótico e intenso, acompanhado por uma percussão poderosa, com quebras melódicas e retornos explosivos imprevisíveis. No geral, é uma excelente entrada ao que está por vir neste álbum.
Destaco também a faixa "Kuroi Ame", com um início mais "épico", vai crescendo poderosamente, ganhando um andamento blackish, posteriormente deliciando os ouvidos com uma variação rítmica arrojada, no entanto mantendo o toque sinistro e a negritude presentes em todo o trabalho.
Por fim, destaco a faixa homônima, presente no final do álbum, que teve direito a vídeo. Esta última começa de forma muito serena e após 2 minutos de som, inicia-se a fervura acompanhada por uma sequência intensa de riffs, com nuances, mais uma vez, blackish, posteriormente quebra, ganha variação rítmica intensa e volta à mesma base, como se o próprio som nos dissesse: "eu faço aquilo que bem me apetece".
Se eu mapeasse cada momento sonoro deste álbum, poderia criar um sem fim de diferentes mundos.
"Kokyou De Shinu Otoko" emerge como uma experiência única, onde as músicas nos envolvem de forma intensa, criando um ambiente que transcende as palavras. Foi concebido, na minha opinião, para ser ouvido e sentido, sem restrições de debate ou análises minuciosas. É uma obra que desafia as convenções habituais e convida-nos a apreciá-la na totalidade, mergulhando na sua essência sem fragmentação. Facilmente, poderá cativar os fãs de bandas como Amen Ra, Downfall of Gaia ou até mesmo Neurosis.
Tudo menos dócil! Aconselha-se!
Nota: 7.5/10
Review por Pedro Roque
