É sempre bom quando o concerto de uma banda que gostamos calha a uma sexta-feira, mas por mim falo. O cansaço acumulado ao longo da semana dá lugar ao desejo de descontrair ao som dos nossos artistas preferidos e de ter uma noite bem passada. A última vez que a banda esteve em Portugal foi em fevereiro de 2020 e esta foi também uma das últimas datas da sua tour “You Know What…?”, durante a qual gravaram o álbum ao vivo “FREEZE!”, precisamente antes de todos os espetáculos ficarem congelados. Ora, estando na hora de tirar o pó aos palcos e “descongelar”, os Aristocrats regressaram a Portugal em dose dupla para a digressão “Defrost”.

Na sua última visita a Lisboa, a banda tinha também marcado presença no Lisboa ao Vivo, ainda que na sala antiga, que se situava no Braço de Prata. Desta vez, notava-se claramente não só uma sala muito mais povoada, como até bastante cheia, já com gente quase até às portas. Passavam poucos minutos das 21.30h quando a banda entrou em palco. Palco esse que se encontrava bastante despido e humilde, tal como já é característico. O foco desta noite eram os instrumentos, a música e a emoção - dispensavam-se assim espetáculos de luzes ou cortinas de fumo. Aproveitando a música de fundo que esteve a tocar enquanto se esperava pela banda, Marco Minnemann foi aquecendo ao som da mesma, enquanto Guthrie Govan e Bryan Beller preparavam o seu equipamento. A banda arrancou a todo o gás com “Stupid 7”, uma faixa energética e pesada, talvez até batizada pelo seu próprio compasso (ou vice-versa), característico das músicas de prog rock, e que ao vivo adquire uma dimensão muito mais intensa do que no álbum. Ao longo da noite, Bryan Beller assumiu, na sua maioria, o papel de interlocutor entre a banda e a plateia, muito carismático e comunicativo como sempre. Anunciado pelo mesmo, esta noite iria estar cheia de músicas que farão parte do novo álbum, pelo que havia muita expectativa no ar.

A faixa que se seguia, “Where’s My Drink Package” é da autoria de Marco Minnemann. E quase como quem comenta que “já não joga há muito tempo” antes de se meter numa jogatana com os amigos, para não passar por desajeitado, o baterista avisa-nos de que esta música é bastante difícil de se tocar. Ora, os meus ouvidos e os meus olhos confirmavam isso, mas a sua postura sempre tão descontraída e o sorriso de quem se está a divertir à brava, quase que nos levam a crer que isto não passa de um aquecimento. Alternando compassos regulares em partes mais sóbrias, e irregulares em alturas mais compostas, ver o Marco por detrás do kit é sempre algo especial.
Continuando ainda a apresentação de novo material, agora era a vez de Guthrie nos falar um pouco sobre a próxima faixa. Todos conhecem a capa do álbum “FREEZE! Live in Europe 2020”, certo? “Sergeant Rockhopper” é a soundtrack que Guthrie imagina na sua cabeça quando pensa no pinguim a patrulhar as ruas. Para quem já viu a banda ao vivo, sabe que tanto a música, como a conversa e as histórias são parte integral da experiência. São parte do que torna este espetáculo único, criando um maior grau de cumplicidade e um ambiente mais familiar entre a banda e os fãs. Raras são as faixas tocadas que não nos são introduzidas pelos membros, revelando a sua origem. Infelizmente, as condições acústicas não foram as melhores para que se ouvissem estes bocados, quer o volume baixo, quer o barulho que vinha dos secadores das casas de banho, tornavam partes destes discursos muito pouco audíveis.

Uma das coisas que adoro nos Aristocrats é o quanto se conseguem divertir em palco. É fantástico ver tão patente nas suas caras o puro prazer que retiram de ali estarem a tocar, metendo-se uns com os outros, ora acrescentando, ora retirando acentos nas músicas. É claro que esta energia também se estendia para a plateia, que aplaudia incessantemente, soltava gargalhadas e interagia com a banda, principalmente ao comando da voz de Bryan, que sempre nos manteve animados ao longo da noite. Seguiu-se “The Ballad of Bonnie and Clyde”, uma faixa baseada na altura em que os 3 aristocratas ficaram sem os seus instrumentos. Roubados por um indivíduo, mais tarde até apanhado pelo polícia à frente de Bryan, mas cujos a banda não voltou a ter consigo. Uma história triste, mas que acabou por originar uma faixa densa, repleta de mistério e que vai construindo uma atmosfera épica ao longo dos seus quase 8 minutos, fechada pelos aplausos da plateia, mais altos que os próprios instrumentos.

Para completar a trilogia do polícia e do ladrão, a banda passa para “Furtive Jack”. Uma mistura alegre de reggae e tango em 5/4, que retrata a maneira como Guthrie imagina um ladrão a esconder-se e a evitar a polícia pelas ruas da cidade. Chegando ao fim da noite, levantavam-se as cervejas e brindava-se ao som de “Last Orders”. É, de facto, uma faixa muito triste, algo que foi vocalizado por Guthrie. Não necessariamente pela sua sonoridade apenas, mas pelo que representa - A hora e o sino de fecho dos bares no U.K., a altura em que se pedem as últimas bebidas! Mas por outro lado, o ambiente por ela proporcionado é imcomparável, particularmente o som caloroso e intenso do baixo de Bryan, mas também os muitos elogiados bells no kit de Marco, que adequadamente, não só abriram, como fecharam a música. Terminando com uma faixa um pouco mais energética para nos levar para casa de sorriso na cara, a banda volta para o encore com “Blues Fuckers”, onde é o público quem vai ser o maestro! Foram escolhidas 3 pessoas na plateia para dar início à contagem (a qualquer velocidade e língua) da faixa. Uma para cada parte, início, meio e fim. 1, 2, 3, 4! Dá-se entrada numa música de blues, com uma estrutura… peculiar? Bem… já avisei de que estes tipos não gostam mesmo de seguir regras, não já? Um ritmo super acelerado a iniciar a faixa, uma parte intermédia muito caótica e organizadamente desorganizada, e a parte final a retomar o riff inicial e a encerrá-lo de maneira muito cómica e original.
Não me canso de o dizer e tenho a certeza de que já o deixei aqui escrito. Estes 3 cavalheiros são do melhor que a música tem para dar. Trazem consigo uma sonoridade eclética, divertida e muito elaborada, que não só preencheu esta noite com boa música, mas também deixou toda a gente com muito boa disposição! Serão sempre bem-vindos para cá tocar!
Texto por Miguel Matinho
Fotografias por Paulo Tavares
Agradecimentos: Ciclo Até Jazz