No final de março do ano passado, os Deathspell Omega lançaram de surpresa o oitavo longa duração da sua discografia. Faltam apenas 100 segundos para a meia-noite e o primeiro contacto com The Long Defeat são as escarpas de carvão retratadas na capa. É uma imagem realista mas não é figurativa, é monocromática e quase abstrata, diferente daquilo a que a banda nos tem habituado. A press-release dizia ser este o primeiro fruto da terceira era de Deathspell Omega e já que fazer julgamentos precoces da sua discografia nunca resultou… terminemos hoje esta review.
The Long Defeat conta uma fábula sobre como a civilização é uma tentativa fútil em domar a besta primordial encerrada na humanidade. De como a nossa maior criação – a Máquina – nos trará um fado ainda inalcançável ao olhar, pois a lei “Enantiodromia” não tardará. A temática do álbum é, assim, expressa pela fábula, enquanto as letras são como cânticos sobre a narrativa principal. Ao lê-las, notamos que opacidade interpretativa e a literacia dos álbuns anteriores foram extremamente simplificadas, levando a uma sensação de perda sobre a faceta enigmática e complexidade que têm alimentado os seus álbuns por anos.
O álbum de 44 minutos contém 5 faixas, revelando uma opção por composições mais longas, ao invés do que temos observado depois de FAS. Uma das maiores surpresas dá-se logo na primeira faixa quando ouvimos um vocalista diferente. Além da participação habitual de Mikko Aspa, encontramos também neste álbum a voz de Mortuus/Arioch (Marduk, Funeral Mist) e de M. (Mgła, Kriegsmaschine). A diversidade vocal e os seus desempenhos são pontos altos, sobretudo pelas implacáveis prestações de Aspa e de Mortuus, acabando por ser dos poucos elementos agressivos do álbum. Conforme a audição avança, fica claro estarmos perante ritmos mais a mid-tempo e ambientes onde predominam melancolia e desolação. Contrastando com as frenéticas mudanças de tempo que lhe eram características, a banda apresenta uma abordagem radicalmente mais harmoniosa, estruturada e direta, como se a proporção entre angular e orgânico das suas composições tivesse sido invertida.
Da fúria dissonante que lhes conhecíamos restam apenas fragmentos, para dar lugar a uma guitarra melodiosa e emocional. É inequivocamente a “voz” guitarra de Deathspell Omega, mas ela fala-nos agora numa linguagem bastante distinta. Mais facilmente decifrável e não menos fascinante, presenteia-nos com múltiplos solos que vão liderando a progressão do álbum como uma espinha dorsal. A bateria continua a ser irreplicável – os blast-beats ainda estão lá – ganhando aqui outra identidade para responder aos ritmos mais lentos desta nova era. Tal como Furnances, The Long Defeat teve gravação ao vivo e analógica, e a masterização deixou bem equilibrados todos os instrumentos. Decisão acertada foi dar maior proeminência ao baixo que contracena num papel cáustico e desorientador - long live Khaos!
A mudança radical na abordagem de Deathspell Omega causa desconforto, que nem o retorno de Pollock à pintura figurativa. O álbum acaba por absorver-nos com nuances do Post Metal e com o groove do Rock, como em “Our Life is Your Death”, algo jamais pensado para seguidores da banda, pelo menos de modo tão evidente. Revela uma intenção evolutiva, a busca de alternativa ao caos estruturado do qual a sua música vive desde Kénôse (2005). E talvez uma das maiores divergências em relação à discografia anterior seja o assumir da identidade de Christian Bouché nos créditos das plataformas de streaming. Uma forma humana da banda lentamente se constrói, conciliando-se com um certo descerramento concedido nas entrevistas de 2019 e com a expressão mais emocional encontrada em The Long Defeat.
É um álbum que desilude fiéis da vertente acérrima de Deathspell Omega, mas altamente deleitoso para quem sempre desejou que os momentos melódicos das suas músicas durassem mais um pouco. Além de iniciar uma nova era para a banda, é bem construído e francamente melhor do que a maioria dos lançamentos Black Metal. No entanto, as barreiras que derruba são somente os cânones estabelecidos na própria discografia da banda, não oferecendo a inovação que se esperava para plano geral do metal extremo. Controvérsia e mutáveis interpretações são cunhos da melhor arte, o que tem ressoado estridentemente na segunda era de Deathspell Omega. The Long Defeat não é excepção pois, 5 meses volvidos desde o seu lançamento, a direção tomada por estes músicos ainda causa perplexidade. “The kings have returned, not to claim their throne, but to set it on fire!!”* Ámen!
*Citando o comentário de Robert C. Kozletsky publicado na desativada página de Bandcamp da banda.
Nota: 8/10
Review por Luna