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Entrevista aos Zeal and Ardor


Os Zeal and Ardor são hoje uma das bandas mais interessantes do panorama metaleiro internacional. Com este novo, auto-intitulado, álbum, a banda confirma a sua identidade e apresenta um trabalho tão eclético como poderoso. Conversámos com Manuel Gagneux, a mente da banda, para saber mais sobre esta viagem (que já conta 9 anos!) com Zeal e Ardor, e este terceiro disco de longa duração.


M.I. - Como é o teu processo de composição?

Hm, é sempre diferente. Às vezes começo com uma ideia de guitarra, ou com um beat, ou algo assim. Mas geralmente é feito sozinho: só eu, o meu computador, a guitarra e… não sei tocar bateria, então essa é a parte do computador.


M.I. - Então és tu que programas a bateria, certo?

Sim, sim. Na realidade, às vezes isso é até bom, porque não penso como um baterista e por vezes crio coisas que um baterista não faria. Mas normalmente não é assim tão bom, então faço-o 50/50 com o baterista, que quando gravamos, toca e tem as suas próprias ideias.


M.I. - Este é um álbum muito aguardado pelos teus fãs. Depois de dois primeiros excelentes álbuns, e um EP tão bom como relevante, este trabalho auto-intitulado confirma ainda mais a identidade e criatividade da banda. Concordas? E se sim, é por isso que chamaste “Zeal and Ardor”?

Sim, concordo e foi por isso que lhe dei este nome. Para além disso, é possível que não tivéssemos grandes ideias para o nome, mas… 50/50. (risos) Mas sim, sentimos que este é o melhor álbum que podemos fazer agora e foi por isso que decidimos “é aqui que queremos estar”.


M.I. - Quando estruturas o álbum, planeias pensando que “agora vem uma música pesada, depois uma calma” etc? Como abordas o disco?

É muito importante para mim que, ao ouvires o álbum, não sintas que está excessivo, entendes? Tem que ter um certo flow. Acho que se as músicas pesadas estiverem todas juntas, acabas por ficar insensível a isso, e ganhas uma certa tolerância ao “peso”. Enquanto que, se ouvires uma música calma e depois uma pesada, o contraste faz com que a pesada fique ainda mais intensa. E acho que é isso.


M.I. - Isso é interessante porque, um dos aspetos que torna a tua música tão pesada é o contraste entre momentos suaves e pesados (dentro da mesma música, ou entre os vários temas). Pensas nisso quando estás a escrever? É intencional ou apenas uma consequência natural do processo?

50/50. Faço isso com frequência, mas também é um esforço consciente. Porque se comparares as nossas partes pesadas com bandas realmente pesadas, continuamos a ser super suaves. Se ouvires Portal ou Nails... mas acho que com este simples truque podemos fazer um pouco de “batota”.


M.I. - Visto que os álbuns funcionam como um todo, como escolhes os singles para serem a “cara” do disco?

No primeiro eu só queria fazer algo novo. Foi o “Run”, acho eu. Eu só queria dizer “Hey, isto vai ser um pouco diferente” e depois, como as músicas soam bastante ecléticas, quis começar por lançar as músicas mais normais, e as pessoas que gostarem compram o álbum e ouvem as cenas estranhas.


M.I. - Outro ponto interessante sobre a tua música é que os temas são sempre relativamente curtos, 3 minutos ou menos, com algumas exceções. É uma consequência natural do teu processo de composição ou é uma escolha consciente de ir direto ao assunto?

Uh, não é intencional, acho eu. Mas, sabes, eu não faço muito solos, não faço repetição, fico entediado muito rápido... Então sinto que quando disse o que eu queria dizer com uma música, está feito. Eu sei que as pessoas discordam, mas para mim é assim que funciona. Eu não quero repetir a parte pesada. Para mim, também é importante que o ouvinte pense “eu quero ouvir isto outra vez, quero mais”, estás a ver? Enquanto que quando repetes as coisas, ou quando a música é muito longa, é tipo “ok, isto foi fixe, mas acho que estou cheio”. Então essa é a razão por trás disso.


M.I. - A música “Hold Your Head Low” é, para mim, uma das mais prog. É a mais longa, com uma estrutura mais complexa, com várias seções diferentes, e a certa altura tem até uma linha de baixo e guitarra que relembra Opeth. Pretendias fazer algo diferente com esta música ou o processo natural de composição levou-a até aqui?

Hum, é engraçado, é a única música do álbum que é um pouco mais antiga, até já a tocámos ao vivo em 2018. Então, acho que foi quando eu ainda estava a testar coisas diferentes. E é um caminho que eu gosto bastante, talvez no futuro eu seja mais progy. Agora que saímos da tour com os Opeth, roubei todas as ideias deles. (risos)


M.I. - “J-M-B” é uma música extremamente divertida e até colorida. Acho que mostra o quanto te divertes a misturar estilos diferentes. Como te surgiu este tema? 

Sim, bem... (risos) Tinha-a no meu computador, e só por diversão, pensei “e se eu pusesse acordes de Jazz numa música de Metal?” E guardei-a no meu computador e quando fomos para o estúdio e estávamos a escolher as músicas para o disco, eu mostrei esta como brincadeira, porque o nome do ficheiro era “Jazz Metal Baby”. (risos) Então pronto, nós gravamos e como não pude dar-lhe esse nome, ficou “J-M-B”. (risos)


M.I. - Como disseste numa entrevista à LOUD!, “Devil is fine” é a vida em cativeiro, “Stranger Fruit” é a libertação e “Zeal and Ardor” é sobre ser livre e o que fazer com essa liberdade. Isso já estava planeado no primeiro álbum? E já pensaste nos próximos “capítulos”?

Uhm, sim… Não estava planeado. Eu tinha uma ideia “era fixe se eu pudesse fazer isto”, mas não gostava de colocá-la no papel como se fosse um grande projeto. Mas tenho algumas ideias para futuro. Eu só quero expandir o conceito e… tenho uma ideia para uma novela gráfica no mundo. Talvez possamos fundir os dois. Quem sabe?


M.I. - Ótimo! Mas pretendes manter esta narrativa ou criar outra?

Acho que ainda há um pouco mais a ser explorado nesta. Um pouco mais. Talvez eu venha a ficar farto, quem sabe?


M.I. - Bem, a origem da banda é essa ideia de “e se os escravos americanos tivessem abraçado Satanás em vez de Jesus?” Temes que isto se possa tornar uma limitação no futuro? Por exemplo, vires a sentir que já exploraste a ideia na sua totalidade?

Bem, pode acontecer, sim, no futuro. Mas acho que quando isso acontecer, farei algo diferente. Nós vamos ser a banda de ficção científica, em que toda a gente tem um macacão prateado e antenas. (risos)


M.I. - Isso seria divertido ao vivo. (risos) Como é que passaste de lançar o “Devil is fine” no bandcamp, sozinho; para aparecer na lista dos “Best Metal Albuns So Far” dos Rolling Stones, depois tocar no Roadburn, a seguir no Hellfest e… estar onde estás após cinco ou seis anos? Como é que tudo aconteceu?

Ah, sorte! É, literalmente, apenas sorte. A Kim Kelly, que escrevia para “Noisy” nos EUA na altura, postou um tweet sobre a banda e depois a Rolling Stone escreveu também. Talvez se ela tivesse tido um dia mau, eu não estaria a falar contigo agora.


M.I. - Mas fizeste algum esforço para tentar vender a tua música?

Não. É isso que quero dizer. Ambos conhecemos bandas muito boas e cuja única coisa que precisam é de um pouco de sorte e… Aconteceu comigo. Poderia ter acontecido a qualquer um. Não vou dizer “eu trabalhei arduamente, eu mereço isto!” Não, é só sorte. (risos)


M.I. - Como é que imaginavas que a banda ia soar ao vivo? Quando oiço os discos, como são muito bem produzidos, pergunto-me como é que consegues fazer com que estas diferentes camadas e contraste funcionem em palco. Quando começaste a escrever, imaginaste que virias a estar em palcos tão grandes e como isso iria resultar?


Oh foda-se não, não. Eu não fazia ideia. Felizmente pedi a dois ótimos cantores da minha cidade, porque eu sei que eles gostam deste canto agressivo e correu bem. E ao vivo, também temos um plug in que, não duplica as vozes, mas acho que adiciona uma oitava abaixo, então é apenas… sim, nós fazemos batota. (sussurrando) Não contes a ninguém. (risos) Uma boa coisa para dizer a um jornalista, “não contes a ninguém”. (risos) Mas pronto, temos alguns truques, mas acho que o mais importante é ter grandes cantores. São o Dennis e Mark, eles são incríveis, de topo.


M.I. - Mas nas partes gritadas, és sempre tu, certo?

Sim, sim, sou sempre eu.


M.I. - Nas tuas bandas e projetos anteriores, já tinhas feito este tipo de vozes gritadas ou começaste a fazê-las nos Zeal e Ardor?

A fazer corretamente, comecei com Zeal e Ardor. Quando tinha 15 anos, tive uma banda de Black Metal, mas não gritava lá, não conseguia. E podes ver como em “Devil's Fine”, a voz é de facto meio merdosa e depois fica melhor gradualmente. Vem com a experiência.


M.I. - O EP “Wake of a Nation” é abertamente uma resposta ao que aconteceu, e ainda acontece nos EUA e em todo o mundo. Como vês a situação atual da luta pela igualdade racial? Sente que tens algum papel como artista?

Uhm, não faço ideia de como as coisas vão correr. Mas como artista, é arrogante dizer “eu tenho um dever e serei importante para isto” porque, francamente, não. Para mim, o EP “Wake of a Nation” foi mais para mim mesmo, terapia. Porque eu estava de facto preocupado com minha família. Os artistas têm um lugar estranho porque, só porque fazemos música - basicamente fazemos uma bela decoração de ar - as pessoas pensam que a nossa opinião é mais importante. Eu não tenho mais ideias sobre o assunto. Na verdade, o que eu penso é menos relevante do que alguém que realmente tem tempo para pesquisar corretamente. Eu não estudei isso. Eu não tenho conhecimentos de política global. Por isso é uma linha ténue entre expressar a minha opinião e realmente influenciar de forma irresponsável.


M.I. - Esta posição política, digamos assim, trouxe-te alguma consequência? Seja positiva ou negativa.

Bem, fui entrevistado por muitas pessoas. Mas também disse “não” a muita gente por causa do que falámos. Tenho todo o gosto em recomendar-te a pessoas para conversar sobre este assunto. Mas eu não quero capitalizar a situação, como “Ah, algo terrível aconteceu, COMPREM O MEU ÁLBUM”. Eu não quero fazer isso, entendes? Mas foi engraçado ver os comentários do YouTube, malta a dizer “Ah, de repente tornaram-se políticos”. E eu fico tipo “O quê? O que é que estiveste a ouvir este tempo todo?” Isso foi engraçado. (risos)


M.I. - Sim, os comentários do YouTube são sempre incríveis. (risos)

Grande entretenimento, sim. (risos)


M.I. - Quais são os teus artistas favoritos? Aqueles que te influenciam direta ou indiretamente, seja Metal ou não.

Tenho de dizer Darkthrone, a banda sueca Nagelfar, Portishead, Tom Waits, Björk… esse tipo de coisa, um pouco de tudo.


M.I. - Qualquer pessoa com bom gosto tem de gostar de Björk, certo? (risos)

Certo, tem mesmo, lamento. (risos)



M.I. - Como foi fazer uma tour pelos EUA com Mastodon e Opeth depois de tanto tempo fora dos palcos?

Foi ótimo! Nós tocámos apenas um pequeno set de abertura para eles, o que é do melhor, porque tu entras, és o último a fazer soundcheck, às 17:00. Depois tocas por volta das 20h e às 21h já tudo está guardado e podes curtir o concerto de Mastodon e ouvir os Opeth tocar o Blackwater Park todas as noites. Não é terrível, não é terrível.  Além disso, foi incrível ver estas duas bandas a trabalhar... como o fazem. Porque, eles são grandes bandas, mas têm um lado humano. Eles ainda são ótimas pessoas, e é tipo, “oh foda-se tu podes fazer isso e não ser um idiota, incrível!” (risos) Isso foi ótimo.


M.I. - Como é a reação do “mundo Metal” aos Zeal and Ardor? Porque, quero dizer, tu misturas muitos estilos diferentes, e muita gente mais conservadoras de certeza que não gosta.

É bastante boa. Quando tocamos em festivais de metal, também é muito bom. Nesta tour em particular, como os Mastodon e os Opeth são bastante prog, o público é mais aberto a coisas estranhas, então funcionou muito bem. Acho que nunca tivemos assim um mau momento. Porque, se tu estás num festival e vês Zeal e Ardor e não gostas, simplesmente não vais.


M.I. - A única vez que atuaram em Portugal foi no Porto, no Primavera Sound, que não é, de todo, um festival de Metal. Como foi tocar num contexto tão diferente, quando ainda estavam no início da carreira?

Foi ótimo, também. Atuamos frequentemente nesses, digamos, festivais Pop estranhos ou festivais Pop abertos. Tocámos também num em… é tipo segredo mais bem guardado da Holanda, onde os Radiohead tocaram, e o Liam Gallagher e coisas 
assim. Mas mesmo assim funcionou. E acho que, depois de as pessoas lá estarem, nós conseguimos convencê-las. A maioria delas, não todas. Mas o Primavera Sound foi muito bom, de facto.


M.I. - Têm planos para voltar a Portugal?

Queremos fazer uma tour como headliner ainda este ano, mas não vamos anunciar nada muito cedo, para evitar ter de a cancelar e dececionar as pessoas novamente.


M.I. - Tens alguma expectativa sobre este ano em termos de tours? Esperamos que seja finalmente melhor do que nos últimos dois anos.

Bem, em termos de planos, sim, esperamos fazer a tour com o Meshuggah e... É basicamente isso, porque não queremos agendar nada para o inverno porque tememos que haja uma nova variante e tenhamos de cancelar tudo. Mas temos que tentar, eu acho. Vamos vendo como as coisas vão evoluindo.


M.I. - Muito obrigado pelo teu tempo! Por favor, deixa uma mensagem aos leitores da Metal Imperium.

Olá caros leitores, espero vê-los em breve. Esperamos estar de volta a Portugal para um concerto à séria, não um de festival. E sim, veremo-nos em Lisboa, espero! (risos)

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Entrevista por Francisco Gomes