Os VOLA são uma das bandas mais importantes da nova geração de Prog europeu. O quarteto dinamarquês – que tem vindo a consolidar cada vez mais o seu nome desde que, em 2016, foram uma das bandas suporte da tour europeia dos Katatonia - prepara-se para editar o seu terceiro álbum – “Witness”. Falámos com o vocalista, guitarrista e co-fundador da banda, Asger Mygind, para saber mais sobre o percurso dos VOLA, e o que está por detrás deste “Witness”.
M.I. - Como têm passado por estes tempos estranhos que vivemos?
Bem, eu diria que tivemos muita sorte, porque já íamos gravar um álbum de qualquer maneira durante o ano passado, e quando tudo fechou, nós já estávamos a trabalhar ao computador. Por isso não estávamos tão dependentes do funcionamento normal da sociedade, e agora que terminámos o álbum e queremos fazer uma tour a apresentá-lo é que isso se torna um problema para nós. Fora isso, apesar de para nós a pandemia não ter vindo num momento assim tão mau, claro que me sinto muito mal por todas as pessoas que foram fortemente afetadas. Tivemos, definitivamente, sorte por não termos sido muito afetados.
M.I. - Como funciona o vosso processo criativo? Compõem tudo pelo computador individualmente?
Sim, na verdade não temos um espaço de ensaio para a banda, portanto dividimos o trabalho entre cada um de nós, em casa através dos computadores e a programar as baterias ou, no caso de Adam, ele grava em pads de bateria para as demos. Mas todos nós compomos em casa e depois pomos as nossas ideias num servidor que temos e ouvimo-las. Às vezes também nos encontramos e trabalhamos juntos em todas essas ideias. Portanto, dividimos entre o trabalho individual e o trabalho da banda inteira à volta do computador.
M.I. - Mas ensaiam antes de gravar, ou só mesmo antes das tours?
Só antes das tours, na verdade. Obviamente que o Adam ensaia as partes da bateria antes de ir para o estúdio e eu ensaio as guitarras e treino as linhas vocais antes de as gravar, mas não vamos juntos para uma sala, a menos que tenhamos alguns concertos marcados.
M.I. - Qual é a tua formação musical? Tiveste outras bandas, ou aulas de música...?
Comecei a frequentar uma escola de música na minha cidade quando tinha... não sei quantos anos, talvez sete ou assim. Frequentei algumas aulas em que experimentei quase todos os instrumentos, e descobri que gostava mais da bateria, por isso comecei a tocar bastante. Mas, mais tarde, percebi que também queria cantar e parecia-me fazer mais sentido tocar um instrumento em que podes tocar acordes enquanto cantas. Então, pareceu-me mais natural ser guitarrista e vocalista do que baterista e vocalista. Por isso, comecei a tocar imenso guitarra, primeiro sozinho e depois nos Vola conforme a banda cresceu. Mas sim, passei muitas horas a tocar, a tentar tocar o 'Master of Puppets', a “cartilha” toda do início ao fim, e Dream Theater, que era quase sempre muito difícil. (risos) E tenho alguns ídolos como o James Hetfield, por exemplo, que também foi uma grande inspiração no que toca a ser o frontman de uma banda, em vez de estar atrás da bateria. Tudo começou com a bateria e depois a guitarra. Às vezes ainda toco bateria, mas é principalmente para me divertir em festas e coisas assim.
M.I. - Às vezes vocês têm alguns ritmos muito interessantes, muito prog. És tu que os crias?
Sim, se estou a trabalhar numa demo, muitas vezes sou eu programar uma ideia para a bateria também. Sou muito inspirado pelos Meshuggah, por exemplo, na forma de compor ritmos. Como eles sobrepõem um quatro por quatro na bateria, com tempos compostos na guitarra e no baixo.
M.I. - Sim, isso sente-se em algumas das vossas músicas, por exemplo na "24 Light-Years", onde tudo é claramente quatro por quatro, mas a bateria está num ritmo mais irregular, o que torna tudo mais interessante.
Sim, esse foi um ritmo que o Adam criou e a música de certa forma evoluiu à volta disso. Mas sim, gostamos de tentar esse tipo de coisas em que tu sentes o tempo, mas há algo mais a acontecer que pode ser interessante.
M.I. - Nos primeiros trabalhos, nos dois EPs, Vola parecia uma banda djent, com um som de guitarra mais agressivo e presente, os teclados também eram menos presentes do que se tornaram mais tarde. O que vos fez mudar com o tempo? Foi uma mudança consciente?
Eu lembro-me que antes de escrevermos as músicas para o EP “Monsters”, eu comprei a minha primeira guitarra de sete cordas e queria mesmo experimentar aquela abordagem aos ritmos tipo Meshuggah que falei anteriormente. E foi muito divertido fazer isso para aquele EP e também para o “Inmazes”, mas depois disso pareceu mais interessante fazer algo diferente em vez de depender muito daquele som de djent. Então é por isso que o “Applause” [Of a Distant Crowd] se tornou bastante diferente. As músicas eram um pouco mais voltadas para rock e alguns diriam rock progressivo, talvez. E também foi um pouco mais calmo porque o "Inmazes" era muito “in your face”, mas depois de fazermos isso pareceu mais refrescante criar algo mais pesado e com um som mais agressivo, e daí resultou este novo álbum.
M.I. - É uma espécie de evolução.
Sim, e tudo o que fazemos num dado momento, é quase sempre uma reação ao que fizemos antes, é sempre estimulante. Então sim, fazer dois álbuns seguidos que soem semelhantes não é algo que nos empolgue muito, por isso deve ser uma espécie de parte um e parte dois de um conceito ou assim.
M.I. - A identidade presente nestes dois últimos álbuns é parecida, mas encontram-se diferenças na produção, e provavelmente podes falar melhor sobre isso, pois “Witness” em comparação com o anterior, parece ter um som mais trabalhado e detalhado.
Sim, a mistura do álbum foi muito importante para conseguir esse som. Contactámos o Jacob Hansen porque ele é muito bom a fazer a banda soar de forma a que todos os instrumentos se oiçam bem. É muito in your face. E na verdade o som dele era algo que imaginámos quase desde o início da escrita das músicas, imaginámos como soaria no final. E sim, essa foi uma escolha consciente porque “Applause…” era muito mais… parecia um pouco mais cru e com um som mais vivo, menos processado, então pareceu-me interessante fazer algo que tivesse uma sonoridade mais contemporânea. Sou muito inspirado por alguns álbuns que saíram no início de 2000, como alguns dos Opeth e Porcupine Tree, e gosto mesmo do som daquela época, mas também acho que é interessante quando os álbuns soam à época em que são feitos, e foi isso o que tentámos com este.
M.I. - Bem, apesar da clara identificação com o Prog, há uma presença evidente de elementos Pop, tanto melodias vocais, arranjos de sintetizador... Que artistas te inspiram direta ou indiretamente? Já falaste de Opeth, Porcupine Tree...
Sim, Porcupine Tree foi uma banda muito importante para mim quando estabeleci um gosto musical e acho que uma das coisas que eu mais gosto neles é o facto de tentarem fazer tudo soar cativante. Acho que há sempre uma melodia muito constante no verso, da qual te podes lembrar, e os refrões são muito interessantes também, e acho que é algo que é muito valioso para explorar. Porque acho que às vezes há músicas em que o verso pode ser um pouco chato e ficas ali sentado à espera do refrão, e quando ouço isso acho sempre uma pena que o músico não tenha pensado no verso também como um ponto alto. Por isso, gosto quando tanto o verso como o refrão são interessantes, isso é algo em que acho que os Beatles também eram muito bons. Às vezes os versos deles são mais cativantes do que os refrões. O nosso objetivo é estar constantemente conscientes, ao longo da composição, de que tudo deve ser cativante. Não sei se conseguimos, mas é uma meta constante (risos).
M.I. – As vossas letras costumam refletir sobre o ser humano: seja sobre conflitos internos, mentais; ou problemas externos entre pessoas. Que abordagem tens para com as letras? Achas que a música deve servir a letra e a mensagem, ou são apenas reflexões que adicionas à tua criação musical?
Muitas vezes não estou muito consciente sobre que tema é que as músicas abordarão. Frequentemente, existe uma frase no processo de escrita da demo que carregará algum tipo de significado ou ideia a partir da qual o resto das letras nascerão. Então há sempre uma linha que carrega tudo o resto, mas eu nunca sei de facto como será essa linha, é apenas o que a música inspira.
M.I. – Escreves as letras no fim?
Sim, escrevo algumas letras sem sentido para as demos, onde há muita repetição. Escrevo um verso e depois talvez o copie para o segundo verso, apenas para que se possa ouvir como a música inteira soará no fim. Então, quando chega a hora de gravar a faixa real, volto àquelas letras e trabalho-as novamente. Mas há sempre, pelo menos, uma linha que sobrevive e que tem algo especial nela. Mas acho que escrevo intuitivamente do ponto de vista das personagens, acho isso mais interessante e, novamente, os Porcupine Tree e o trabalho a solo do Steven Wilson são uma grande influência aqui. Gosto de como ele desenvolve personagens e escreve da perspetiva delas nas músicas, em vez de ser sempre “eu”. “Eu experienciei isto”, “eu sinto isto”, “eu vejo isto”. Do ponto de vista do próprio Steven Wilson, é o que ele imagina as personagens a fazer. E eu acho que isso dá uma grande liberdade, porque aquela personagem que tu inventaste pode ser qualquer coisa no mundo e pode sentir e experienciar qualquer coisa, logo há possibilidades muito mais amplas comparando com apenas escrever do teu próprio ponto de vista. Por isso, a menos que sejas como uma personagem do Game of Thrones ou assim, e tenha vivido coisas malucas toda a tua vida, atrai-me muito mais criar essas personagens.
M.I. - Gostava que falasses sobre as capas dos vossos discos. Acho particularmente interessante a capa do “Applause of a Distant Crowd” porque a relação com o título e o tema do álbum não é muito evidente.
A nossa abordagem até agora tem sido encontrar uma imagem de que gostemos muito e depois usá-la como capa. Ainda não tivemos nada feito especificamente para o álbum, só encontramos coisas. Eu acho que é uma oportunidade para descobrir algo que sentes que tem uma conexão com a música que tu próprio criaste, e foi esse o caso com todas as capas. Para o "Applause ...", acho que vejo essa rapariga a nadar como uma pessoa que está distante dela própria - talvez haja pessoas na praia ou, talvez ela esteja num estádio ou algo assim – então, podem haver pessoas à sua volta, mas neste exato momento ela está debaixo de água, apenas no seu próprio mundo. É aquela experiência de teres pessoas próximas de ti, mas que, simultaneamente, estão distantes. Eu também acho que, como esse álbum é um pouco mais suave... é claro que também há tristeza no álbum, mas um pouco disso também tem uma vibe positiva, diria. Por isso, todas as cores também se encaixam muito bem. Talvez não positivas, mas otimistas. Então sim, vamos procurando uma ligação com as imagens.
M.I - “Witness”, tal como o “Applause of a Distant Crowd”, tem o equilíbrio perfeito entre músicas calmas e lentas, e temas mais pesados. Pensam nos álbuns como um todo ou é apenas uma consequência natural do vosso processo criativo?
Nós pensamos como um todo em termos do que gostamos que sejam. Tipo uma curva de intensidade específica que atravessa o álbum. Por exemplo, se houver algumas músicas de alta intensidade, de seguida é bom relaxar o ouvido um pouco para conseguir algo diferente. Mas em termos de letras, não, não há relação entre as músicas deste álbum. É apenas uma coleção de temas com uma espécie de assunto geral, mas não há uma história que passe de música para música. Mas sim, acho que a dinâmica entre as músicas é muito importante, e, mais uma vez, isso é algo que eu acho que os Opeth são muito bons a fazer. Tal como os Porcupine tree e Steven Wilson... Bastam dinâmicas malucas às vezes e isso já é muito inspirador. (risos) A maneira como podes ser levado de um lado para outro como ouvinte.
M.I. - Como surgiu a colaboração com o rapper Shahmen? Acho que é a maior surpresa em todo o álbum.
Sim, sim, imagino que sim. (risos) Estou curioso para ver o que as pessoas vão pensar. Bem, nós tínhamos aquele beat de hip-hop na música, e pensámos que seria interessante explorar isso a cem por cento tendo um rapper nela. Achámos que seria fixe alguém com uma voz mais grave, para tornar o resultado um pouco demoníaco. Eu não estou muito dentro do género do hip-hop, e não conhecia muitos rappers que poderiam fazer isto, mas deparei-me com o nome Shahmen num comentário no YouTube, e o vídeo era sobre rappers com vozes graves. Acho que alguém sugeriu esse artista, Shahmen, e eu fui ouvir no Spotify, e achei que era exatamente o que a música estava a pedir. Então entrámos em contacto com o rapper, o nome dele é Bless, Shahmen é uma dupla - um produtor e um rapper. Ele disse que gostava de fazer isto, então enviámos a demo e ele escreveu as suas próprias letras e mandou alguns takes do verso em que ele participa. Foi entusiasmante fazer isto, sem dúvida.
M.I. - Podemos esperar ver-vos com ele ao vivo, ou provavelmente não?
Bem, andamos a falar sobre isso. Será difícil trazê-lo connosco, mas estamos a discutir como é que isso poderia acontecer. Vamos ver o que vai acontecer.
M.I. - Como surgiu a oportunidade de abrir para os Katatonia na digressão logo após o vosso primeiro álbum? Achas que isso foi o ponto de viragem na vossa carreira?
Sim, foi muito importante, sem dúvida. Acho que o nosso manager descobriu que os Katatonia estavam à procura de uma banda suporte para a tour, nós dissemos que estávamos disponíveis e acho que eles gostaram da nossa música, e levaram-nos nessa digressão com os Agente Fresco também. Sim, isso foi incrível, é uma banda que eu também ouvi muito, e lembro-me de ter visto o concerto deles no primeiro dia da digressão e não acreditar que aquilo estava mesmo a acontecer. Uma das minhas bandas favoritas está no palco e eu acabei de abrir para eles. Foi surreal. E também partilhar o autocarro com eles por um mês, e poder fazer perguntas chatas de fanboy. (risos)
M.I. - Quais são os vossos objetivos a curto ou longo prazo? Pensam muito sobre o que querem para a banda ou simplesmente deixam-se levar…?
Acho que queremos continuar a fazer álbuns e tentar que cheguem a cada vez mais pessoas. Queremos sair e tocar para o maior número de pessoas possível. Ainda não estivemos nos Estados Unidos, por exemplo, e isso seria muito interessante. E também na Ásia... e também na América do Sul, claro (risos). Qualquer lugar que nos queira, seria bom ir e mostrar o que fazemos. Não há limites para o que queremos fazer, é apenas criar tantas oportunidades quanto possível para nós mesmos e eu continuo a fazer música enquanto curioso. Quero sempre fazer algo novo. Esperamos que o nosso público fique cada vez maior e que as pessoas se conectem com o que fazemos. Tem sido um sonho para mim, desde que era adolescente que queria ganhar a vida como músico, por isso vou continuar a perseguir isso, esperando que não falhe muito.
M.I. - Que conselho darias às bandas que estão a começar agora?
Acho que usar muito tempo para escrever as músicas pode ser muito valioso e, como banda, tentem encontrar o vosso som. Tentem ouvir as bandas que vocês realmente gostam, vejam o que as torna tão boas, e o que podem tirar daí para tentar para fazer o vosso próprio som. Sem copiar, é claro. Mas simplesmente reúnam o máximo de inspirações que puderem e passem muito tempo a escrever as músicas, e talvez esperem um pouco antes de fazer um álbum. Por exemplo, acho que foi bom para nós termos feito dois EPs primeiro, só para nos sintonizarmos com o que era o nosso som. Então, é assim, analisem profundamente a composição e sejam pacientes em relação a isso.
M.I. - Muito obrigado pelo teu tempo. Por favor, deixa uma mensagem final aos leitores da Metal Imperium em Portugal.
Estamos ansiosos por voltar a tocar em Portugal. Estamos com muita vontade de sair e tocar. Espero que as pessoas estejam seguras nestes tempos loucos e que estejam prontas para um concerto ao vivo assim que for possível.
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Entrevista por Francisco Gomes