Os Nightfall foram a primeira banda de metal extremo da Grécia a assinar um acordo internacional, apresentando ao mundo a cena mediterrânica no início dos anos 90. Embora a banda esteja ausente da cena desde o lançamento de "Cassiopeia" em 2013, o seu legado não foi esquecido. Agora, a banda regressa triunfante com “At Night We Prey”, o mais sombrio álbum da sua carreira. Para este novo capítulo, o Karadimas juntou-se com o guitarrista Mike Galiatsos, o baterista e produtor Fotis Benardo (ex-SepticFlesh) e o guitarrista Kostas Kyriakopoulos (The Slayerking). Além da música nova tão esperada, a Season of Mist está a relançar os álbuns originais da banda que foram produzidos pela Holy Records.
“At Night We Prey” é um esforço pessoal e muito sombrio, que aborda o tema da batalha de Karadimas contra a depressão. O mestre teve uma conversa sincera e aberta com a Metal Imperium na qual abordou os seus próprios demónios, o novo álbum e a próxima tournée.
M.I. - Antes de mais nada, gostaria de te agradecer pela ótima música ao longo de todos os anos e pelo tempo dispensado para responder às minhas perguntas.
Obrigado, Sónia, és muito gentil.
M.I. - A banda relançou os álbuns clássicos e Eps: a 29 de janeiro saíram os relançamentos de “Parade Into Centuries” (1992”, “Macabre Sunsets” (1993) e “Athenian Echoes” e “Eons Aura” (1995). Duas semanas depois, a 12 de fevereiro, o clássico álbum “Lesbian Show” e os EPs “Diva Futura” e “Electronegative” foram relançados. É uma espécie de celebração da carreira dos Nightfall?
Sim, podes dizer isso. A procura por estes álbuns tem sido forte há muitos anos, mas primeiro tivemos que fazer um acordo com a editora que os lançou naquela época, antes de podermos relançá-los. Finalmente está a acontecer e é maravilhoso.
M.I. - Como estão a ser as reações a esses lançamentos até agora? Ainda tens orgulho de todos eles ou há algum que eliminarias do catálogo da banda se pudesses?
Cada um deles representa um período importante para a banda e para a cena. Os Nightfall nunca produziram um álbum semelhante, mas sempre tentaram dar um passo em frente, incorporando elementos modernos. Examinando cada um deles agora, pode-se ter uma boa imagem de como os anos 90 soaram. Existem duas categorias de pessoas que os compram: os mais velhos para relembrar as memórias dos gloriosos anos 90 e os mais jovens que querem ficar a conhecer a década mais original. As raízes de quase todas as bandas que ouvimos agora estão nos anos 90.
M.I. - Os Nightfall comemoram 30 anos de existência este ano... o que vão fazer para assinalar este marco?
“At Night We Prey” e as reedições é o melhor que podemos fazer até que os espaços abram novamente. Depois, vamos fazer uma tour. Isto é o melhor a fazer.
M.I. - O último álbum “Cassiopeia” foi lançado em 2013… demoraram 8 anos para lançar um novo álbum… apesar da tua luta pessoal, houve mais alguma coisa que causou este atraso?
Foi principalmente a minha luta pessoal e sérios problemas familiares. Além disso, o facto de não termos algo interessante a dizer como banda, depois de “Cassiopeia”. Mas sabes que isso acontece com frequência connosco. A história dos Nightfall está dividida em 4 temporadas, como uma série da Netflix. E cada tem uma formação e editora diferentes. Os anos 90 foram com a Holy Records; os anos 2000 com Black Lotus; os 10s com a Metal Blade; e os anos 20 com a Season of Mist. Não é ótimo? E não o fizemos de propósito.
M.I. - “At Night We Prey” é o título do novo álbum… será porque é à noite que todos os nossos demónios e pensamentos malignos invadem as nossas mentes, tentando enlouquecer-nos? Tudo parece melhor de manhã...
Esta coisa desagradável chamada depressão é mais intensa quando a pessoa está sozinha, normalmente à noite, quando se tenta relaxar e obter energia para o dia seguinte. Mas o título “At Night We Prey” é sobre pessoas que sofrem de depressão, o que leva a raiva reprimida. "Prey" é um jogo de palavras que manifesta a luta da pessoa deprimida cuja oração interior por ajuda não aparece, deixando os outros com a falsa impressão de que ele ou ela está “atacando” pessoas, enquanto literalmente se torna uma vítima da depressão. Esta é uma homenagem às vítimas e um pedido de ajuda daqueles que lutam contra ela. É exatamente como escrevi no comunicado à imprensa. Quero ser claro sobre isto. Quero que a mensagem seja extremamente clara!
M.I. - O álbum é uma homenagem às vítimas da depressão e um pedido de ajuda daqueles que lutam contra ela. Achas que partilhar a tua experiência pessoal ajudará alguém?
Não penso nisso, convivo com isso e devo fazer um esforço extra para me sentir feliz. Eu poderia ter descoberto mais cedo, se tivesse consultado uma pessoa certificada. Não o fiz, porque fui muito influenciado pelos estereótipos da sociedade. Sabes, a sociedade diz que alguém que está deprimido é "louco", ou "não consegue fazer as coisas direito", ou "fraco", etc. Através desta minha confissão, quero alertar os outros para não prestarem atenção a esses equívocos e resolverem o problema da maneira certa. Vão poupar tempo e salvar-se a si próprios e aos outros de grandes dores. O suicídio não é uma solução. Além disso, bebida ou drogas não ajudam.
M.I. - As críticas ao novo álbum foram ótimas. Costumas lê-las? Preocupas-te com o que está escrito?
Eu importo-me com os comentários construtivos. Quando alguém paga dinheiro e dedica o seu tempo à nossa música, temos o prazer de ouvir e ler o que sente. Uma boa revisão aprofundada leva tempo, esforço e requer trabalho. Eu aprecio-as muito.
M.I. - “At Night We Prey” é sobre pessoas que sofrem de depressão que leva à raiva reprimida.”. Foi complicado escrever todas as letras? Qual o impacto negativo que teve na tua vida? Já conseguiste dar a volta por cima?
Eu ainda estou a lutar, e estou bem. Escrever é um bom hábito meu. Faço sempre isso. E, quando volto a ler sobre os meus pensamentos, algum tempo depois, sinto-me bem, porque me conheço melhor. Experimenta, funciona.
M.I. - "Prey" é um jogo de palavras que manifesta a luta do deprimido cuja oração interior por ajuda não consegue deixar os outros com uma falsa impressão de que ele ou ela está a “atacar” as pessoas enquanto literalmente se torna uma vítima da depressão”. O que desencadeou a tua depressão? Quantos anos tinhas quando foste diagnosticado?
Fui diagnosticado há cerca de 2 anos. Fiquei com raiva por não ido ao médico antes. Quer dizer, os sinais estavam lá há anos. Recusei-me a verificar e, como disse, isso deveu-se principalmente ao equívoco sobre transtornos mentais. Esta é a minha história, e através dela procuro alertar outras pessoas para não perderem tempo. O melhor é aceitá-la e pedir assistência certificada. O que farias se tivesses uma perna partida ou algo assim?! Ias ao médico.
M.I. - De todas as faixas, na tua opinião, qual é a “mais forte”? Qual delas tem um significado mais especial? Porquê?
“Agita”. Escrevi-a logo após a morte da minha mãe.
M.I. - Quanto é que a depressão afetou a tua vida? Isso “impediu-te” de evoluir de alguma forma? Ou contribuiu para o teu crescimento pessoal? Já houve um tempo em que pensaste que a vida era inútil e sem sentido?
Tenho a sensação de que as paragens, as 4 temporadas que referi antes, deveriam ter tido algo a ver com esta situação. A política de não tocar ao vivo também. Foi assim até ao nosso álbum anterior, “Cassiopeia”. Tudo pode ser pelo mesmo motivo.
M.I. - Já escondeste a depressão das pessoas porque temias que elas te julgassem de alguma forma? Achas que muitas pessoas a escondem?
Absolutamente. As gerações anteriores tinham uma maneira muito estúpida de lidar com os transtornos mentais; eles simplesmente achavam que ou se era normal ou louco, lunático. Somos criados com atitudes assim. Portanto, é muito difícil abrirmo-nos e falar sobre isso.
M.I. - Acredito que tenhas estudado o assunto a fundo… a depressão só é “curável” pela medicina ou existem formas mais saudáveis de fazê-lo, como meditação, ioga, alimentação?
Opa, viste que acabaste de usar a frase “formas mais saudáveis”? Os medicamentos para a depressão não são o tipo de produtos químicos que afetam o corpo, produtos químicos maus de que todos temos medo. Este é mais um equívoco. Meditação, ioga, comida, religião ou o que quer que seja, nada tem a ver com uma desordem cientificamente comprovada. Depressão não é melancolia, tédio ou tristeza. É uma doença.
M.I. - Achas que a saúde mental ainda não é valorizada?
Absolutamente. E devemos mudar isso. Coletivamente. Não é um assunto pessoal. Refere-se a todos. Uma pessoa doente pode levar a uma sociedade potencialmente doente.
M.I. - “Darkness Forever” é uma faixa empolgante sobre a depressão e os seus efeitos terríveis numa pessoa. Escrever sobre algo tão pessoal funciona como uma terapia? Escrever sobre os teus sentimentos é terapia suficiente ou estás a ser acompanhado por um profissional?
É, porque de alguma forma cuspes o veneno e sentes-te melhor. É um processo de alívio. Transcendência. Eu recomendo-o a todos. Se fores verdadeiro contigo mesmo ao escrever as coisas, ficarás surpreendido com aspetos teus que provavelmente ainda não tinhas notado, mas depois compreendes-te melhor, ao leres as coisas passado um tempo.
M.I. - O vídeo de “Darkness Forever” começa com uma citação de Judas 1:13 e tem muitas imagens em flash, principalmente a vermelho e preto... Por quê? Qual é a sua relação com a música? É uma espécie de versão de inferno pessoal?
Também podes dizer isso, sim. Não consegui pensar em nenhuma outra cor para esse propósito.
M.I. - A capa do novo álbum tem uma figura feminina a matar-se por dentro... por que associas a depressão a uma figura feminina?
A palavra “depressão” é de natureza feminina na língua grega. Isso ajudou-me a personificá-la numa forma feminina e imaginá-la. Além disso, a natureza feminina é a fonte da vida. E isso torna a analogia, entre a desordem e a destruição que ela cria, ainda mais trágica. A fonte da vida volta-se contra a vida. Eu não queria ter uma capa bonita para este álbum. Deveria ser feia e desagradável como a depressão é. O Travis fez um bom trabalho.
M.I. - Além do Efthimis, este novo álbum tem uma formação totalmente nova, embora o Kostas e o Michalis já tenham tocado na banda antes. Como é a química entre os membros da banda?
É ótima. Esta formação está dedicada a tocar ao vivo. Nós concordamos que é hora de o fazer. A política de não tocar ao vivo, que eu tive durante quase duas décadas, acabou. Assim que o Covid acalmar, entraremos em ação.
M.I. - Sendo este um álbum que lida com os teus próprios problemas, como é que os novos membros se relacionam com eles? Como transmitem sentimento para a música? Eles passaram pelo mesmo ou conhecem alguém que passou?
O conceito pode surgir da minha experiência pessoal, mas isso não significa que outras pessoas não sofram com este estado de espírito, ou nunca tenham ouvido falar dele. Eu posso ser o motivo, mas não sou o único ferido por isso. Todas as pessoas que conheço têm experiência pessoal ou conhecem pessoas que sofrem com isso.
M.I. - Afirmas que as pessoas precisam de falar abertamente sobre os seus demónios, senão isso vai acabar por “comê-los vivos”. Quão importante é a sanidade mental? A pandemia e os bloqueios afetaram ainda mais a tua depressão ou ajudaram-te de alguma forma?
O bloqueio é desafiador, mas eu comecei a lutar muito antes disto. Já estou acostumado. A saúde mental é tão importante quanto a nossa civilização. Apenas recentemente é que a ciência está a tentar lidar com o problema. Eu acho que é devido ao avanço tecnológico que as pessoas agora entendem que não é o fim do mundo. As gerações anteriores preferiam manter o silêncio e fingir que estava tudo bem. Ou se as coisas saíssem do controle, usavam nomes como louco, lunático etc. Isso tem de parar.
M.I. - Falaste sobre os teus demónios... quão complicado / fácil será fazer uma tournée a fim de promover o álbum e revisitar esses tempos sombrios repetidamente? Ou a dor diminui com o passar do tempo?
Não funciona assim. Não é uma ferida aberta que coças de cada vez que falas sobre isso. Muito pelo contrário. É uma parte real de ti, só precisas de a aceitar e seguir em frente.
M.I. - Qual é o impacto que os pensamentos e ações positivas têm na tua vida? São “salva-vidas” ou nem por isso?
A felicidade é o Santo Graal de todos. Positivismo obrigatório, porém, é uma parvoíce. As pessoas não são máquinas programadas. E como vivemos em sociedade, devemos entender ou pelo menos tentar colocarmo-nos no lugar dos outros, antes de tirarmos conclusões.
M.I. – A Season of Mist é agora a vossa editora. Como foi começar um novo “relacionamento” depois de tantos anos com a Metal Blade? O que vos separou? Como estão as coisas com a nova editora?
As mentalidades francesa e grega têm muito em comum. Isso é evidente quando as entidades dos dois países se reúnem. Foi uma honra fazer parte da lista da Metal Blade, mas agora sinto-me em casa. A Season of Mist lembra-me a Holy Records nos anos 90, quando a equipa da editora era fã da música e dos membros da banda que assinavam.
M.I. - A banda fará uma tournée pela Europa com os Draconian no final de 2021... quais são as expectativas? Honestamente acreditas que vai acontecer? Eu espero que sim!
A tournée já mudou para março de 2022. Daqui a um ano. Estamos muito ansiosos por isso.
M.I. - A banda planeia tocar ao vivo algumas faixas que nunca tocou. Porquê?
Principalmente porque não tocamos assim tanto ao vivo e muitas músicas nunca foram tocadas em palco.
M.I. - A banda conseguiu manter a sua popularidade, embora vocês não tenham estado muito ativos ultimamente... qual é o segredo?
Sempre fomos fiéis a nós mesmos e aos nossos fãs. Nunca lançamos algo por ser necessário. Sempre produzimos álbuns que têm algo a dizer e isso é muito importante. É uma decisão que tem custo comercial para a banda. Mas, cada vez, mais e mais pessoas parecem apreciar isso.
M.I. - A cena do metal e do rock n 'roll tem sido frequentemente associada a drogas e álcool. Sendo ambos negativos para as pessoas, o quanto é que isso te afetou ao longo da carreira? Quer dizer, provavelmente foste tentado muitas vezes... rodeias-te apenas de vibrações positivas hoje em dia?
Os Nightfall nunca estiveram lá para a festa, mas sim para a tragédia. Positivismo e negativismo caminham como um casal. Manter o equilíbrio na vida é tudo.
M.I. - Alguma mensagem final que gostarias de partilhar com os leitores da Metal Imperium?
Cuidem das vossas mentes e mantenham o espírito vivo. Esperamos ver-vos quando esta pandemia acabar. À noite, nós “atacamos”! Obrigado, Sónia, pelo teu tempo.
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Entrevista por Sónia Fonseca