Os M.E.D.O são uma banda de hardcore oriunda de Faro e preparam-se para lançar o seu terceiro álbum, intitulado “Monopólio da Violência”. Estivemos à conversa com o Rafael Rodrigues (RR) e com o Ricardo Catarro (RC) – baterista e vocalista da banda, respetivamente - para falar um pouco sobre este álbum e quais as expectativas para este novo ano.
M.I. - 2020 era o ano previsto para o lançamento do álbum, mas acabou por não acontecer. Em que é que isto teve influência na composição do mesmo?
R.R.: Tudo o que aconteceu teve impacto direto no rumo que as coisas tomaram. Por um lado, ficámos fechados em casa quando nem metade do disco tínhamos e isso foi um bocado chato porque estávamos a cerca de 2 meses de entrar em estúdio para um disco que seria lançado em setembro. Ao atrasar tudo acabamos por, incrivelmente, conseguir ganhar tempo porque tivemos de compor cada um na sua casa e acabamos por deixar as coisas fluir naturalmente. O Pinela e o Raul estavam-me sempre a mandar riffs (ou mesmo malhas completas!) e isso motivou-nos a todos. O Pedro também contribuiu com ideias e eu fui o elo entre todos pois estive sempre a acompanhar o processo de como tudo se desenrolou de forma prática. O Catarro ia escrevendo em casa e eis que o 1º ensaio (convém relembrar que a paragem foi no início de março) acontece apenas em maio!! Por um lado, foi estranho porque a pandemia separou-nos, mas ao mesmo tempo sentimo-nos como se nunca nos tivéssemos afastado e a composição veio ao de cima. Acabámos por aperfeiçoar mais os temas através de ensaios, remarcámos datas de estúdio e acabou por correr tudo de uma forma natural.
R.C.: A grande diferença foi essa: metade do disco foi composto à distância. As músicas foram ganhando forma com as contribuições de cada um. Nem sempre o processo e a tomada de decisão foram fáceis. Mas fez-se. Convenhamos que foi tudo uma experiência nova. As novas tecnologias (que muitas vezes criticamos...) também têm coisas boas...
M.I. - Consideram que esse adiamento acabou por trazer alguma vantagem?
R.R.: Sim, na realidade houve coisas boas e coisas más a tirar disso. Mas, adiando o estúdio fomos forçados a ter de adiar a nossa previsão para lançamento do disco para fevereiro de 2021. Desta forma acabámos por pensar melhor em toda a estratégia em torno do mesmo (imagem, merch, agendamento, promoção, etc.) e conseguimos fazer tudo com bastante mais calma e menos pressão do que iria acontecer se o disco tivesse saído em setembro.
R.C.: No fundo a pressão foi também adiada... E nestes meses tivemos a oportunidade de gravar dois videoclipes. Assim, quando o disco sair, pelo menos dois singles já estão cá fora.
M.I. - Enquanto banda, como lidaram com este hiato forçado?
R.R.: União e atitude. Tínhamos uma mensagem para passar, acima de tudo quando vivemos numa era em que a extrema-direita ganha força e sabemos que a música é uma das armas mais fortes para combater o fascismo, e isso deu-nos força para não desistir e conformar com todo este 'novo normal' com o qual não nos identificamos minimamente. Estivemos sempre em contacto. Eu diria que não houve um único dia da pandemia em que não tivesse falado com pelo menos um deles ao telemóvel. Isso aproximou-nos ainda mais, a vontade de estarmos juntos triplicou e quando nos reencontramos (até esse reencontro foi surreal!) parecíamos putos de 14 anos a tocar pela 1ª vez numa banda. Sério, mano. Senti-me mesmo adolescente por um dia! Young 'til I die!
R.C.: Acho que o “distanciamento” até acabou por nos unir ainda mais. Nunca perdemos o contacto, íamos sempre partilhando ideias, e a vontade de tocar nunca foi abalada. E, é verdade - o reencontro foi brutal! Há por aí quem diga que 2020 foi o ano em que as pessoas perceberam o que era realmente importante. A nós mostrou-nos que esta banda e o hardcore são mesmo importantes para nós.
M.I. - Do “Medocracia” para “O Produto Somos Nós” foi possível notar algumas diferenças na vossa sonoridade e na composição musical. Acham que isto se deveu à evolução natural da banda ou esteve relacionado com as mudanças de membros que a banda sofreu de um álbum para o outro?
R.R.: Isto tem pano para mangas bro! Por um lado, sim, as alterações na formação ajudaram bastante a encontrarmos realmente o rumo que pretendíamos porque no 'Medocracia' sinto que há temas que realmente fazem parte da nossa evolução e ao mesmo tempo já não me revejo tanto neles sonoramente, mas no 'Produto somos nós' já senti que estávamos a caminhar na direção correta. As alterações de formação foram todas positivas, cada uma à sua maneira. E falo mesmo de quem já passou e da marca que deixou. Isto sem o Fábio e a Tatiana era impensável, até mesmo o regresso do Pedro para o baixo pareceu tão natural, como se nunca tivesse tocado outro instrumento na banda... foi mágico! Todos tiveram o seu quê de importância no nosso percurso que influenciaram bastante quer na sonoridade quer na composição musical.
R.C.: As mudanças de formação influenciam sempre no que referiste na pergunta. O ‘Medocracia’ é um espelho disso mesmo. As músicas não foram todas compostas pela mesma formação, e isso nota-se. Foi também o nosso primeiro trabalho, e há membros da formação atual que nunca sequer tocaram algumas daquelas músicas. ‘O Produto Somos Nós’ já foi composto com outra “estabilidade”.
M.I. - “Monopólio da Violência” é o nome do vosso novo álbum. Qual o significado do mesmo?
R.R.: Esta deixo para o Ricardo Catarro. Mas acho que o nome diz tudo e tudo depende do que é para ti o monopólio. Mas o sistema está bastante viciado e a riqueza é sempre distribuída como lhes convém. E para se conseguir tudo isto há sempre bastante violência associada (quer física, quer verbal!) porque nenhuma guerra é travada sem ser por interesses económicos ou territoriais por trás.
R.C.: “Monopólio da Violência” é um conceito da filosofia de Marx com que eu me cruzei e achei interessante. Basicamente, o Estado tem o monopólio da violência. O Estado pode usar violência contra as pessoas (ou outros Estados até...) mas não permite outras formas de violência, que não a sua, e reprime-as, muitas vezes com recurso à violência (de várias formas). Esta expressão está na letra da ‘Música de Embalar” (1º single saído do álbum novo), num contexto em que, nos dias que correm, vemos as forças políticas mais retrógradas e reaccionárias ganhar força em Portugal e por toda a Europa, e até no mundo. Entregar este “monopólio” a essas forças é muito perigoso.
M.I. - No primeiro álbum lançaram 2 videoclipes e um live footage, no segundo mantiveram essa coerência. O terceiro álbum ainda não saiu e já lançaram 2 videoclipes. Os vossos seguidores poderão esperar mais clipes, um live footage ou ficam por aqui?
R.R.: Nunca pensamos bem nisso. Para te ser sincero, mesmo a escolha dos clips mudou quando o disco ficou gravado. Se te disser que muito provavelmente os dois primeiros clips seriam a 'Culpa' e a 'Olhos no chão’ e, entretanto, foram a 'Música de Embalar' e a 'Cadáver'... nem acreditas! Quando estamos perto do final dos temas do disco temos sempre tendência a imaginar qual será a melhor malha para se lançar antes. Fazemos este exercício, tiramos as nossas conclusões, entramos em estúdio e... muda tudo! Neste aspeto deixa-me dizer-te que o Carlos Rocha (onde fomos gravar mais uma vez) teve um papel bastante fulcral em tudo porque ele entra na onda, mete o dedo onde acha que podemos melhorar e acabou por ter um papel decisivo mesmo na escolha dos temas para clips. Os live footage surgiram quase por 'bora lá fazer isso!' (risos), nunca foram muito pensados. Mas, para te ser sincero, não nos vejo a fazer isso nos próximos tempos.R.C.: Não sei se vai ficar por aqui. Não pensámos muito nisso. O que queremos mesmo é tocar este álbum ao vivo!
R.C.: A mensagem mantém-se política, e tento sempre que seja atual. Desde logo, temas como o populismo e a demagogia não podiam ficar de fora. Vão poder encontrar neste disco abordagens a temas como o ambiente, guerra, religião, relações humanas, sempre aliadas a uma crítica à sociedade em que vivemos e ao sistema capitalista.
M.I. - Quais os desejos e projetos para 2021?
R.R.: Sinceramente, desfrutar a vida como ela é e derrubar o fascismo! Queremos tocar bastante mesmo sabendo que nem tão cedo e que muitas das salas que nos poderiam receber fecharam devido à pandemia, infelizmente. Queremos lançar o disco, chegar ao máximo número de pessoas (sobretudo através das letras) e temos ainda uma surpresa na manga mas que só poderemos anunciar daqui a umas semanas. Há várias coisas a acontecer e projetos em mente. Mas nem tudo depende de nós nos dias que correm, infelizmente.
R.C.: Lançar o disco, tocar muito ao vivo (este segundo não vai acontecer... Pelo menos “muito” ...), abrir olhos e mentes, combater o populismo, a demagogia e o fascismo.
M.I. - Já têm concertos agendados ou planeados?
R.R.: Temos supostamente o lançamento do disco no dia 5 de fevereiro na ARCM mas, segundo as notícias, parece que vamos entrar novamente em confinamento e isso poderá, mais uma vez, alterar os planos todos. Já temos tudo pensado para um plano B mas é sempre chato quando tens tudo pensado e 'alguma coisa' te impede de fazer tudo que previste. É dar tempo ao tempo. O ano passado é que tínhamos já umas 5 ou 6 datas confirmadas que iam ser brutais e foi tudo à vida devido ao 'novo corona-19 whatever'.
M.I. - Deixo este espaço para acrescentarem o que quiserem.
R.R.: Apoiem a cena local. Abaixo o fascismo!
R.C.: Apoiem as bandas locais. Leiam as letras. Procurem informação fidedigna e não vão na canção do bandido. Mantenham-se firmes, fortes, seguros e sãos! PMA!
Entrevista por Ricardo Moita