Os Lonewolf são uma das bandas veteranas no metal francês. Lançaram a primeira demo, The Dark Throne, em 1992, no entanto, o primeiro longa-duração apenas apareceu em 2001, com March Into the Arenas. Sempre fiéis às suas origens, é uma daquelas bandas que sabemos sempre o que esperar – metal duro, rápido e tradicional.
Este ano, lançaram Division Hades, o seu 10º álbum, um duplo CD composto por 10 originais e 10 canções antigas remasterizadas. Falámos com Jens Borner (vocais e guitarra), o sempre bem-disposto fundador da banda, sobre este novo trabalho que considera um dos melhores da banda.
M.I. - Olá! Obrigado pelo teu tempo para responder às nossas perguntas! E parabéns pelo novo álbum!
Olá! De nada! Muito obrigado, ainda bem que gostaste!
M.I. - Falando deste álbum... Qual foi a reação ao Division Hades?
Até agora tem sido boa, estou até surpreso porque não estou acostumado a ver tantas críticas boas quando lançamos um álbum, (risos). Claro que também há críticas não tão boas, mas até agora são uma minoria. Claro, estou muito feliz com isso, mas o mais importante de tudo, para mim, é a receção calorosa que os fãs dão ao Division Hades. Se a maioria dos fãs está feliz, eu estou feliz. Os fãs são o porquê de ainda estarmos aqui depois de todos estes anos, lançando o décimo álbum. Por isso, o foco é sempre dar aos fãs o que eles esperam.
M.I. - Este é um álbum comemorativo? Por que escolheram um álbum duplo com uma parte composta por canções antigas (remasterizado)?
De alguma forma, sim, podes dizer que é um álbum comemorativo, porque dez álbuns é bastante simbólico e queríamos que fosse especial para os fãs. Dez álbuns significam muitos anos no underground e, se ainda estamos “vivos” hoje, lançámos todos esses álbuns e viajámos pela Europa, devemos isso aos fãs que nos apoiam tanto. Como eu disse, os nossos fãs são muito importantes para nós. E, de certa forma, estás certo. Este décimo álbum é um pouco como uma comemoração com os fãs, desde os primeiros dias até agora. O círculo está fechado, por assim dizer. A pergunta era: “O que podemos fazer para tornar o novo álbum especial para nossos fãs?“. Escolhemos regravar essas músicas antigas e tenho certeza de que os nossos fãs estão realmente felizes com isso, a julgar pelas reações que vi até agora. Algumas das músicas no CD bónus são tão antigas e raras (nem as encontras no Youtube) que muitos não conheciam essas coisas antigas. Por isso, é muito interessante para eles descobrirem a nossa "era pré-histórica" em boas condições, com o som real. As músicas mais antigas que regravámos são, originalmente, da nossa primeira demo lançada em 1992, gravada num Fostex de quatro faixas numa época em que nem mesmo podíamos tocar os nossos instrumentos, (risos)... Podes imaginar como foi horrível. Mas Into the Past We Ride, o CD bónus, dá-lhes uma segunda juventude e estou feliz com isso... como um fã, (risos).
M.I. - Qual é o significado do nome do álbum? Levando em conta a sua estrutura (dez músicas novas e dez antigas remasterizadas), é uma divisão que fazem entre duas eras?
Ah, consegues ver isso. Claro, porque não? Para mim, é um título muito forte que se encaixa perfeitamente no álbum. O título é poderoso e isso é muito bom para um verdadeiro álbum de metal.
As letras falam sobre o que penso da nossa sociedade atual, o que acho que está errado e o facto de que estamos a perder cada vez mais liberdade, apesar do que nos dizem.
M.I. - Sobre o que são as letras? Este álbum realmente parece uma rutura com o passado e uma mudança que está a acontecer (“The Last Goodbye“, “The Fallen Angel“, “Division Hades“…).
Uma pergunta interessante porque eu não via dessa forma, mas pensando nisso, podes interpretar dessa forma, é verdade. As três músicas que nomeaste são, eventualmente, sobre um passado e um depois. "The Last Goodbye" é sobre a perda da minha mãe, "The Fallen Angel" é sobre o facto de que chegas a um ponto, tens o direito de dizer "não", que tens que aprender que às vezes não é fácil dizer “não”, para os amigos, no dia-a-dia, etc... E quando aprendes que as coisas podem mudar para melhor. E a “Division Hades” é para onde, na minha opinião, a nossa sociedade está a caminhar, os valores que perdemos, a “boa vida” que costumávamos ter agora é regida por padrões, fomos empurrados de modo que agora nos dizem o que é certo e o que é errado. Na verdade, perdemos muita liberdade nos últimos 15 ou 20 anos, a meu ver. Essas três canções são, como dizes, sobre as mudanças que estão a ocorrer e nunca percebi isso até à tua pergunta. É engraçado como cada um pode interpretar letras e música à sua maneira e isso também é uma das coisas porreiras sobre a música! Também podias colocar nesta secção “Manilla Shark“, uma homenagem a Mark Shelton, já que a cena nunca mais será a mesma sem ele e Manilla Road. Assim como “Silent Rage“ (letra escrita pelo nosso novo guitarrista Damien, que trata como virar a página de um passado que te assombra) e “Drowned in Black“, outra música sobre a perda da minha mãe e como cada um pode entender facilmente o antes e o depois.
M.I. - Qual foi o critério de escolha das músicas remasterizadas? Houve muita luta pela seleção?
Como escolhi todas as músicas, só tive que lutar comigo mesmo, (risos). Mas não foi tão fácil, é claro. O critério era que pelo menos 50% do CD tivesse de ser das nossas duas demo de 1992 e 1994, porque essas faixas são muito antigas e raras, o que significa que poderiam ser muito interessantes para os fãs. E essa é toda a história por trás do CD bónus. Queríamos algo especial para os fãs, porque um décimo álbum é bastante simbólico e se ainda estamos aqui depois de todos estes anos, devemos isso aos nossos fãs leais. Então, este CD bónus é como um “obrigado” para eles. O resto do CD são quatro canções dos nossos dois primeiros álbuns. Aqui, também é interessante, porque ouvi-lo com sons reais e habilidades musicais reais dá-lhes muita força. Para escolher essas quatro canções, simplesmente peguei nalgumas favoritas dos fãs. Claro, é impossível agradar a todos e alguns fãs antigos teriam preferido esta ou aquela música - o que eu entendo, é uma questão de gosto. Mas, no geral, acho que esse CD bónus é muito bem-vindo e é isso que importa.
M.I. - Olhando para os dois CDs que compõem o Division Hades, qual achas que é o melhor trabalho da banda - o mais antigo ou o que fazem agora?
É difícil de dizer. Acho que Division Hades é um dos três melhores álbuns que já lançámos, por isso direi que o álbum oficial é talvez o melhor trabalho. Mas Into the Past We Ride, realmente não está longe e mostra que, já na primeira metade dos anos 90, tínhamos as mesmas influências e isso é algo de que estou muito orgulhoso. É também por isso que essas duas obras são tão homogéneas - é porque nunca saímos de nosso caminho, nunca esquecemos as nossas raízes. Há cerca de 25 anos entre as músicas dos dois CDs, mas funcionam perfeitamente juntos. Sempre fomos fiéis a nós mesmos.
M.I. - Com o estado do mundo devido à pandemia, como vão divulgar o álbum?
Esperamos, é claro, poder defendê-lo ao vivo no próximo ano. Esperamos que os concertos e festivais cancelados ocorram em 2021, conforme planeado. Caso contrário, tentaremos promovê-lo da melhor maneira possível através da Internet, etc. Mas continuo otimista e espero que, em breve, possamos defender a nossa fé ao vivo!
M.I. - Lonewolf teve várias formações ao longo dos anos. Mas a música, estilo e características têm sido consistentes. Isso significa que a banda é maior do que as partes que a somam? Ou, noutras palavras, cada elemento tem a oportunidade de se expressar e dar o seu cunho à música?
Eu sou o último “sobrevivente” da primeira formação e sei onde quero chegar com Lonewolf. Eu fundei esta banda com as minhas ideias (teutónicas) e marquei a banda com meu horror em experimentações fúteis e o facto de que Lonewolf nunca deveria ir muito longe além das suas raízes originais. Quando um novo membro se junta a Lonewolf, ele sabe disso. Quando isso é dito, cada membro tem a possibilidade de se expressar sem problemas. Se for um ótimo riff de metal verdadeiro, vamos trabalhar nisso. Se for um ótimo riff, mas por exemplo, muito thrashy, irei "lonewolfinizá-lo" antes de trabalhar nele. Acho que a melhor prova para mostrar como os outros se podem expressar sem problemas, é o Division Hades e como o Damien escreveu - com apenas uma exceção - todo o álbum comigo. Não sou um tirano, só sei o que cabe em Lonewolf e o que não cabe. E essas coisas ficam imediatamente claras na banda. Depois disso, somos uma verdadeira democracia, (risos).
M.I. - A maioria das bandas acaba sempre por experimentar novos sons, misturando estilos diferentes e saindo um pouco da zona de conforto. Lonewolf nunca está muito longe das suas raízes. Às vezes aventuram-se um pouco no doom (influências de Bathory?). Esse som consistente mantiveram ao longo dos anos ... É uma regra vossa? Não querem mudar? Ou tem a ver com o fato de serem uma banda underground?
Sim, como disse na resposta anterior, permanecer fiel a nós mesmos, foi SEMPRE uma citação, uma regra que eu queria seguir. Como disse antes, o CD bónus, “Into the Past We Ride” contém canções que têm cerca de 25 anos. No entanto, elas encaixam-se perfeitamente com a Division Hades e isso mostra-me que estava certo todos esses anos. Não quero deixar as minhas raízes porque os fãs devem receber o que esperam e merecem - o verdadeiro heavy metal. E isso é muito importante porque se os fãs não estiverem aqui, a banda morre rapidamente. Então, não quero que Lonewolf os engane. Afinal, eles estão lá por nós - ir aos concertos, apoiar a banda, comprar os nossos produtos... Acho que nunca vamos mudar. Claro, às vezes, um novo lançamento será mais rápido, outra vez será mais épico, o outro poderá ser mais obscuro e assim por diante. Ou, por exemplo, como disseste, alguns riffs podem ser inspirados em Bathory (sou um fã incondicional dos cinco primeiros álbuns). Nunca será o mesmo álbum, mas também nunca estará longe das nossas raízes.
M.I. - Há 10 anos, o Damien saiu porque era um pouco “menos metal” e tinha um estilo diferente do resto dos membros da banda. Mas ele está de volta. Ele sentiu saudades vossas? Ou adaptou-se às bases do metal do resto da banda?
Estás certo. Tínhamos algumas diferenças musicais, com certeza. Mas o Damien também tinha problemas pessoais que precisava de resolver. Durante todos estes anos, o Damien e eu sempre fomos muito próximos. Acho que, nos primeiros anos após a separação, ele não sentiu falta da música e de Lonewolf. Mas há alguns anos, a paixão pela música voltou. Ele lançou um álbum solo muito bom, Burning the Past, há um ano e meio e isso deu-lhe uma nova paixão pela música - o resto é história, (risos). Não tenho certeza se ele “se adaptou” a Lonewolf. Ele ainda tem o seu próprio estilo, mas o que eu acho é que hoje ele entende Lonewolf ainda mais do que antigamente. Ele sabe muito mais o que cabe em Lonewolf, o que deve ser "lonewolfinizado" e o que não caberia de modo algum. Ele fez um trabalho monstruoso no álbum, trouxe alguns riffs realmente incríveis que nunca poderiam ter sido trazidos por meio da “adaptação”, mas apenas através do seu coração.
M.I. - Quem é o maior contribuidor na composição das canções de Lonewolf?
Eu sou o principal compositor e contribuidor, mas, por exemplo, no último álbum, só existe uma música que escrevi totalmente sozinho (“Underground warriors“). Tudo o resto foi feito em conjunto com o Damien. Claro, fica mais fácil quando te entendes tão bem com o outro guitarrista.
M.I. - Os vossos primeiros álbuns foram distribuídos por uma editora espanhola. Foi por falta de apoio das editoras francesas, ou mesmo alemãs, que apostam mais neste estilo e essa até seria a escolha mais natural?
March into the Arena era um CD de demonstração. Enviámos para as editoras, claro, e para muitas fanzines. Um tipo que dirigia uma fanzine espanhola deu a demo a uma editora espanhola e esta mostrou interesse. Não pesquisámos mais, nem tínhamos nenhum contacto com outras editoras, e assinámos. Então eles lançaram March into the Arena, que se tornou o nosso primeiro álbum, com uma faixa bónus. De resto foi exatamente igual à demo, incluindo a capa.
M.I. - Como o metal francês se compara ao do resto da Europa, principalmente, o alemão, o escandinavo ou o inglês?
Sempre estivemos atrás da Alemanha ou da Grécia, por exemplo. O metal nunca foi aceite pelas massas e ainda, às vezes, é visto como algo bizarro. Mas, honestamente, as coisas estão muito melhores nos últimos 10 ou 15 anos (depois de estar totalmente morto nos anos 90 e após uma ótima década de 80). Temos mais promotores, organizações, grandes festivais, um público de verdade que vai aos concertos, talvez bandas melhores, também. Tudo isso junto faz com que nossa cena esteja a crescer e não tenhamos que nos esconder atrás de outros países. Claro, o metal não é tão grande aqui como noutros países mas, pelo menos, a cena está viva e luta - o que é um bom sinal!!
M.I. - Quando não estão a trabalhar na banda, o que fazem? Como estão este ano, com todas as restrições?
Todos nós temos empregos. As coisas não foram tão más para nós, já que ainda trabalhamos e ganhamos dinheiro suficiente para comprar comida e cerveja, (risos). Podia ser pior. Tenho amigos com bares e restaurantes ou que trabalham em espetáculos (promotores e organizadores, etc ...) e, para eles, torna-se difícil sobreviver. É muito triste porque eles não vão passar por isto ilesos.
M.I. - Nestes 20 anos, qual foi o maior nome com quem já dividiram o palco?
Eu diria WASP. Também houve Blind Guardian ou Megadeth, mas é sempre uma questão de perceção. Entendo o que queres dizer, é claro, mas se meu coração falasse, os maiores nomes seriam Grave Digger, Manilla Road, Pretty Maids, Sodom e assim por diante... Bandas com as quais cresci e partilhei o palco, foi sempre algo muito forte para mim. Ou dividir o palco com bandas mais jovens das quais sou um grande fã, como Paragon, Stormwarrior ou Wizard. A maioria, hoje, são amigos e, isso é grande para mim. Magia como só a música pode trazer!
M.I. - Nestes 20 anos, qual foi a maior lição que o mundo da música te deu?
Não aceitar críticas negativas, mesmo que o jornalista tenha o prazer em te "atacar" pessoalmente. Deixá-los dizer o que quiserem. Se estás aqui, isso significa que outras pessoas gostam do que fazes e te apoiam. É isso que importa. O resto deve entrar por um ouvido e sair pelo outro. Claro que não falo de críticas negativas construtivas e respeitosas - o que pode ser muito útil. Falo daqueles jornalistas com quem ficas com a impressão de que eles te querem magoar e têm o prazer de dizer sempre a mesma merda - pensam que a caneta ou o computador lhes dão um pouco de poder. Frequentemente, são músicos frustrados que nada realizaram.
M.I. - Estás muito ligado aos nomes que te influenciam - Running Wild, Grave Digger, Helloween... Mas ouves / gostas do metal de hoje? Quais as bandas atuais que achas mais interessantes?
Sim, ouço as coisas douradas dos anos 80, bem como bandas atuais como Visigoth, Attic, Electric Shock (hard rock'n’roll da minha cidade natal, Grenoble), Elvenpath e bandas intermédias, como o mencionado Paragon, Wizard, Stormwarrior.
M.I. - Fazem muitos concertos fora de França? Quando podemos esperar um concerto em Portugal?
Maioritariamente, tocamos fora de França (risos). Alemanha, Grécia, Espanha são, por exemplo, países onde tocámos quase todos os nossos álbuns - a Alemanha é o país onde tocamos mais.
Adoraríamos ir a Portugal!! Tenho um bom amigo português que me fala bastante do país, dos bares, da comida, das cidades, etc... Adoraria descobrir tudo isso!!
M.I. - Conheces alguma banda de metal portuguesa?
Eu sou um fã ferrenho de Ironsword! Gosto de Tarantula e Alkateya e, claro, conheço Moonspell. E na minha coleção 7“, tenho um single antigo de Decayed, que também é português, se não me engano.
Conheço mais, mas de momento não me lembro, desculpa.
M.I. - Quase a acabar... Últimas palavras para os nossos leitores?
Obrigado por reservarem um tempo para ler esta entrevista e gostaria de dar um grande grito e saudações aos nossos fãs portugueses! Para os outros, se gostam de metal verdadeiro como Running Wild and Grave Digger, experimentem Lonewolf... Talvez gostem, Hellbent for the division
M.I. - Mais uma vez, obrigado pelas respostas e espero vê-los num palco em breve! De preferência, em Portugal!
Sou eu quem tem de agradecer por esta entrevista. Diverti-me a responder!!
E diabos, sim... espero que possamos voltar logo a Portugal e fazer um inferno lá!!
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Entrevista por Ivan Santos