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Entrevista aos Lamb of God


A implacável e bem oleada máquina Lamb of God está viva, de boa saúde e não vai a lado algum. Nem mesmo este vírus a pode parar e não há sinais de abrandamento. Numa animada conversa com Art Cruz, abordámos a situação atual em que vivemos, o novo álbum “Lamb of God”, polémicas religiosas, problemas legais e outros tópicos. Toda a agressividade habitual, as letras altamente detalhadas, os riffs imponentes e as batidas sólidas na bateria estão melhores do que nunca e é o próprio Art a confirmá-lo em primeira mão. Eis o que nos disse:

M.I. ­- Olá, Art, muito obrigado por nos concederes esta entrevista. É ótimo podermos contar contigo. Como estás, tendo em conta as circunstâncias relativamente à situação da COVID-19?

Olá! É obviamente um pouco deprimente quando, ocasionalmente, acordo e percebo que não posso ir em digressão nos próximos tempos. No entanto, tenho aproveitado a possibilidade de passar muito mais tempo com a minha família, tenho estado concentrado nas minhas capacidades na bateria e tenho tentado manter-me mentalmente ocupado e ficar um pouco mais saudável. Tento que a mente esteja ocupada e ter um pensamento positivo, independentemente da situação. Estou a tentar manter a atitude mental mais positiva. É difícil, mas há uma luz ao fundo do túnel. Seja quando for que tal aconteça, iremos voltar ao normal.


M.I. ­- Muitas bandas têm adiado o lançamento dos seus álbuns e atuações ao vivo devido a toda esta confusão. Existem alguns planos para adiar o mais recente álbum de Lamb of God também?

Continuamos com a data de 19 de junho. Tivemos uma altura na qual surgiram vários problemas de fabrico devido ao encerramento de vários locais e coisas do género. Mas com a abertura gradual das instalações no país, foi possível dar a volta à situação. Portanto, neste momento, estamos definitivamente a manter a data de 19 de junho. É uma altura empolgante e queria muito atuar em espetáculos para promover o álbum, mas é também uma altura importante para cuidar dos fãs e trabalhar em algumas das coisas em que temos trabalhado arduamente em segundo plano para podermos retribuir o apoio tanto quanto possível. Tentamos manter uma ligação com os fãs tanto quanto nos é possível, por isso temos estado a pensar em formas muito originais de manter essa ligação e temos algumas coisas planeadas que esperamos que seja do agrado de todos. 


M.I. ­- Gostarias de partilhar e de falar sobre algumas dessas coisas em que têm trabalhado?

Por enquanto, não (risos). Estamos a tentar perceber o que podemos fazer. E é muito difícil atualmente… 
Sinto que toda a gente precisa de atenção, e compreendo isso. Todos têm feito diretos no Instagram, diretos no Facebook, diretos no YouTube e penso que isso é algo fantástico porque, com isso, foi possível que as bandas se dessem a conhecer e continuassem ocupadas, mas é também algo extremamente saturante. Assim, creio que a parte problemática é tentar encontrar algo que seja muito original e algo que faça sentido para todos. É ainda um trabalho em curso para que nos possamos ligar aos fãs.
Posto isto, é uma altura empolgante para se lançar um álbum, para ver todo o entusiamo à volta desse álbum e para desfrutar dele como uma grande família no Metal. É esse o nosso objetivo: queremos lançá-lo e ouvi-lo todos em conjunto.


M.I. ­- Depois de “VII: Sturm und Drang”, até agora este será o 8.º álbum da banda em estúdio. Vimos alguns vídeos, em particular para “Memento Mori” e “Checkmate”. Que reações têm recebido por parte dos fãs a estes vídeos?

Na generalidade foram todas positivas, exceto as dos “guerreiros da Internet” que só cá estão para falar mal, mas essa é apenas uma parte do que é o mundo. “Checkmate” foi a primeira música em que trabalhámos todos juntos, porque este é o meu primeiro álbum com a banda e foi, portanto, algo positivo e estávamos empolgados com isso. Isto é, ficamos sempre ligados à primeira música. Já para não falar que essa primeira música tem um pouco de tudo o que é o clássico Lamb of God e as reações foram ótimas. Simplesmente ficámos com uma boa sensação e pensámos que era uma boa música. Senti que houve muitos fãs que não ficaram deslumbrados com algo drasticamente novo, mas também não ficaram desiludidos. Por isso, penso que foi uma boa música que foi aceite por todos de igual forma. Claro que depois arrasar com a “Memento Mori” como próximo single foi algo muito importante para nós. Sabíamos que tínhamos de lançar um vídeo para ela, com atores reais e tudo o mais, e todo o conceito foi muito bem criado com as letras escritas pelo Randy. E o timing, penso que foi incrível, porque estamos a falar de uma música que aborda exatamente aquilo que está agora a acontecer.


M.I. ­- É como se quisesses “acordar deste sonho”, não é?

Quero muito mesmo. E, neste momento, estou mais do que preparado para acordar de toda esta porcaria (risos).
Mas a música saiu-se lindamente e os fãs gostaram mesmo muito, porque consegui dar um pouco do meu toque na bateria. Mas, isto é Lamb of God, toco para os Lamb of God, com os Lamb of God. Não estou a tentar deliberadamente ultrapassar o último baterista ou a banda. Somos uma unidade, é um som de Lamb of God e penso que fizemos um bom trabalho. Continuamos a ter o habitual de Lamb of God, mas com um toque moderno, se lhe quisermos chamar assim.


M.I. ­- Portanto, para o resto do álbum, podemos esperar mais músicas como “Memento Mori” e “Checkmate”?

Claro que sim. Vejo este álbum como uma espécie de coletânea de todos os outros álbuns num só. Por isso, há um pouco de tudo. Há músicas muito intensas que não foram ouvidas, muito muito rápidas e implacáveis, há também material de Lamb of God clássico ainda por ouvir, há material com muito mais Groove na onda do “Wrath”… É simplesmente um álbum extremamente ousado em termos líricos com as letras do Randy e do Mark. Neste aspeto, é um álbum muito forte, muito intenso e direto, não há linguagem em código. É um pouco “isto é assim e é isto que estamos a dizer”. É um álbum muito completo de modo geral e é o meu favorito até agora.


M.I. ­-  O que vos inspirou para dar ao álbum o nome de “Lamb of God”?

Penso que o momento em que a banda se encontra, porque quando estamos numa banda durante tanto tempo, temos de ultrapassar várias dificuldades e vários obstáculos diferentes. Honestamente, com a saída do Chris Adler e com a minha entrada como novo membro, sentimos uma grande energia no grupo e este é um nome verdadeiramente adequado para esta era. Não diria que é o fim de uma era, mas o início de uma nova, e definitivamente só queremos mostrar em que estado se encontra a banda como um todo.


M.I. ­- Além disso, este será o 1.º álbum da banda com a formação atual. Sendo que és uma adição recente, como é que te estás a adaptar à banda, principalmente tendo em conta que o Chris já estava na banda há tanto tempo?

Felizmente, já éramos todos muito bons amigos há mais de dez anos e esta amizade tem raízes profundas. Acho que foi definitivamente um ponto a favor o facto de já ser amigo da banda, porque existem muitos tipos de situações, em várias bandas, em que entra um novo membro que nem sequer era próximo da banda ou que tinha de se submeter a audições. E, neste caso, eu tinha uma relação muito boa com todos os membros. Era amigo deles há anos e isso ajudou à química, principalmente ao entrarmos no processo de criação, em que me permitiram ter as minhas próprias opiniões. Foram muito acolhedores e isso ajuda sempre. Damo-nos muito bem, embora sejamos extremamente diferentes; na verdade, a banda sempre foi extremamente diferente. Penso que temos uma grande ligação como amigos… Sinto que estive na banda, sem estar verdadeiramente na banda. Ia em digressão com eles e andava por perto. Num Halloween, eles deram um espetáculo em Los Angeles e, depois, entrei literalmente no autocarro e acabei por ir em digressão durante as duas semanas seguintes. Isso mostra o tipo de relação que temos como amigos. Diria que isso tornou as coisas definitivamente mais fáceis e temos estado bem, temos estado muito, muito bem.


M.I. ­- Apesar do teu pouco tempo na banda, tenho a certeza de que estás familiarizado com a história de Lamb of God, uma vez que até eras amigo da banda há algum tempo. Estando numa banda com uma história tão incrível, como descreves o percurso percorrido desde 2000, quando o “New American Gospel” foi lançado, até 2020?

De amadurecimento, diria. Mas isso é um dado adquirido para a maioria das pessoas à medida que ficam mais velhas. É como tenho dito: todos têm passado por muitas coisas a nível pessoal, à sua própria maneira, e sinto que a banda foi alvo de desafios desde o primeiro dia. Surgiu numa altura em que os álbuns vendiam e apanhou aquela reta final de uma altura na música em que as pessoas ainda compravam álbuns. Surgiu também numa altura de evolução na tecnologia, com a Internet, as transmissões, etc. Penso que deixaram mesmo uma afirmação: passaram por tudo nesta era, realisticamente falando. Passaram por muitas coisas como pessoas e como banda. Mesmo o problema legal do Randy no passado, entre outros, são grandes desafios para um grupo de pessoas numa banda. Penso que as adaptações na vida pessoal de cada um acaba por ter um grande peso na situação da banda na sua fase inicial e agora.


M.I. ­- Ao longo do caminho, a banda sofreu… digamos, algumas dores de crescimento. Entre elas, vimos o Randy preso na República Checa, em 2012. Independentemente de não teres tido de lidar com isto na altura, esta situação é algo que, de certa forma, pode assombrar a banda? É algo que deixou marcas em todos os membros a algum nível?

Não, de todo. Não, isto é definitivamente uma das coisas que gostaria de dizer que é fácil, mas algo assim é muito intenso, sabes? Lembro-me de quando tudo aconteceu, e eu já era amigo da banda nessa altura. Obviamente que quando o Randy decidiu voltar e fazer o que estava certo, ser submetido às acusações e ser presente a tribunal, o facto de não ser considerado culpado foi um grande peso que foi retirado. Por isso, penso que o assunto está enterrado. É definitivamente algo do passado, independentemente da sua seriedade. Conheço o Randy e, bem, não posso falar por ele, mas sei que enquanto ser humano, não é possível esquecer isso. Sei, no entanto, que esta situação foi uma motivação e uma inspiração para mudar a sua vida e fazer as coisas de forma diferente. Todos estão agora numa fase melhor e isto não é, de todo, uma marca que ficou na banda. Houve desafios desde o primeiro dia e este foi apenas mais um desses desafios.


M.I. ­- Sei que isso, inclusivamente, serviu de inspiração para algumas músicas, nomeadamente a “512”.

Sim, acho que “512” era o número da sua cela ou algo do género. Sei que esse álbum não se resume só a isso, é antes sobre um conjunto de situações, mas essa música em particular tem que ver com isso e tem um som tão incrível… Pessoalmente, adoro tocá-la, é uma música muito boa. Mas sim, essa é a beleza das coisas más: podemos ser inspirados por elas e dar asas à criatividade. Imagino que existam muitas bandas a criar material fantástico, o qual deveremos ver no próximo ano ou mais tarde neste ano - quem sabe - mas esta é a altura para esse tipo de momento e simplesmente… criar.


M.I. ­- Esta não foi a única situação que surgiu em território internacional. Em 2013, a banda viu-se envolvida numa polémica na qual os oficiais da Malásia rotularam a banda de “satânica” e “maligna”. Esta tem sido uma batalha constante para as bandas de Heavy Metal em todo o mundo. Como reages a isto e em que medida é que estas situações podem afetar uma banda a um nível geral?

Sinto que é injusto para as pessoas que gostam verdadeiramente da música e que querem desfrutar dela, mas é algo que está fora do nosso controlo. Não há nada que possamos fazer. Não podemos mudar isso e estas situações são mais frequentes do que se pensa. Esta refere-se apenas à Malásia, mas tenho a certeza de que existem muitos outros países onde isto é um grande problema e penso que é aborrecido. É um momento desagradável, mesmo que até nem se esteja a incitar à adoração de Satanás. Acho que a parte mais difícil é aquela em que vemos esses termos rotulados na banda. É aí que as pessoas mostram uma mente mais fechada e não consigo perceber por que motivo é que se deve assumir a agressividade como “satânico” ou “maligno”, mas quem sabe? Quem me dera poder saber mais e gostaria que fosse mais fácil fazer as pessoas perceber o nosso ponto de vista. Mesmo que lhes pedíssemos para lerem as letras para ver que nada têm de satânico, as pessoas não iriam querer saber. Isto só mostra que, culturalmente, são diferentes de nós.
Felizmente, a maioria do mundo não entra muito nisto em detalhe. Mas sim, ocasionalmente temos destas situações. É chato… porque agora teremos de visitar a Malásia como turistas (risos).


M.I. ­- E como se lida com isto a nível pessoal?

Quem me dera poder fazer mais, mas sou apenas uma pessoa. Até mesmo na banda não há muito que possamos fazer. Não podemos derrubar um país devido às suas crenças. Todos têm o direito às suas próprias crenças e é assim o modo de vida do mundo. Portanto, temos algum respeito por isso ao mesmo tempo. Sou um homem da humanidade antes de qualquer outra coisa. Onde quer que seja, se tiver de ouvir as opiniões de um ser humano, é isso que farei. É a única forma que tenho de tolerar estas situações.

M.I. ­- Passaste por alguma situação curiosa ou peculiar da última vez que atuaste aqui em Portugal?

Não, sempre que estive em Portugal foi fantástico, fosse com Lamb of God ou com as minhas bandas antigas. O festival no qual atuámos (Vagos Open Air) foi dos últimos espetáculos da digressão e foi incrível. Não senti nada de estranho. É habitual haver algo de estranho aí? (risos)


M.I. ­- Não, não de todo, apenas perguntei… (risos)

Não, as únicas experiências estranhas que tenho devem-se ao facto de ser um membro novo na banda. Ultimamente, só tenho recebido comentários relacionados com isso.


M.I. ­- Que comentários recebes por seres um membro novo?

Que não sou o Chris Adler. E na sua maioria, concordo com todos. Sabem que mais? Têm razão, não sou o Chris Adler. No final do dia, ele tem sido o meu baterista de metal favorito desde criança. Por isso, concordo e aceito que nunca serei o Chris Adler, porque não estou a tentar ser. O Chris inspira-me muito e sempre irá inspirar, mas não sou o Chris e não estou a tentar ser. Sou o Art Cruz e é isso que importa.


M.I. ­- Vi Lamb of God ao vivo em 2009, com o Chris na bateria, no Optimus Alive e, para mim, foi o espetáculo mais eletrizante que vi, juntamente com o vosso desempenho no Download Festival do Reino Unido no ano passado onde, muito francamente, tive de fazer uma grande escolha entre Lamb of God e Anthrax (porque ambas as bandas tocavam ao mesmo tempo). Acabei por optar por Lamb of God, porque é uma das minhas bandas preferidas de sempre. Conta-nos, quando podemos esperar novas atuações ao vivo?

Obrigado! Quem me dera poder dizer, nas não faço ideia. Quem me dera saber. Só espero que haja um sistema no qual possamos trabalhar todos em conjunto, o que é muito difícil… mas vai demorar algum tempo. Isto é o que fazemos, este é o nosso trabalho: reunir grandes grupos de pessoas, pelo que o facto de que temos de ser algo a evitar é um problema. É um momento devastador. Vai demorar algum tempo, mas espero que tudo se possa resolver e que possamos seguir em frente com as nossas vidas. A saúde de todos no recinto de um concerto é importante e não gostaríamos de ser responsáveis por quaisquer surtos devido a uma atuação de Lamb of God. Portanto, é difícil de dizer. Penso que daqui a um ano será a melhor previsão. É a minha única forma positiva de pensar nisso, tendo em conta a seriedade da situação.


M.I. ­- Estas atuações em palco estão sempre repletas de ação, força e agressividade. O que vos inspira para estas incríveis atuações?

Os fãs. Sempre os fãs! É por isso que é tão difícil não estar em digressão neste momento. É por eles que fazemos isto e esta é definitivamente uma lacuna nas nossas vidas. Não podemos fazer nada de momento e certamente que nos custa, mas quando entramos em palco e damos 110%, é pelos fãs. Só estamos a retribuir a energia eletrizante, simplesmente trabalhamos em conjunto e essa é a beleza por trás de tudo. Se deres o máximo de ti, não teremos outra escolha a não ser dar o máximo de nós. É assim que fazemos as coisas e adoramos isso, adoramos mesmo e… é simplesmente chato este momento (risos).


M.I. ­- Como vês os Lamb of God para os próximos 20 anos? O que esperas alcançar agora que a banda tem estado sob os holofotes há algum tempo?

Espero que a banda continue até deixar de conseguir. É basicamente isso. O nome, o pessoal, a música… isto é tudo o que sabemos fazer e adoramos fazê-lo. Por isso, pessoalmente, quero continuar até que este pessoal já não consiga mais. Bem, sou obviamente mais novo do que eles, mas sinto que podem usar isso para sua vantagem. Penso que acabar a carreira como os Slayer fizeram é algo extremamente icónico. Vão deixar saudades! Mas no fim do dia, foram uma banda durante tanto tempo, mudaram vidas e a sua era… penso que essa é a nossa inspiração. Participar na última digressão de Slayer foi uma grande inspiração para que todos continuemos até deixarmos de conseguir. Por isso, espero que assim seja. 20 anos parece-me ótimo!

M.I. ­- Esperemos que mais ainda!

Muito obrigado, espero que sim.


M.I. ­- Art, sei que temos uma legião de fãs cada vez maior em Portugal (e eu sou parte dela). Há algo que queiras dirigir aos fãs aqui?

Gostaria de pedir a todos que sejam pacientes e que mantenham o apoio a todas as bandas que estão a lidar com esta confusão. Penso que manter a paciência e o positivismo é a única forma de ultrapassarmos isto e voltarmos um milhão de vezes mais fortes. Ao mantermos um pensamento positivo, ao continuarmos unidos e criativos na comunidade do Metal, penso que iremos voltar 10 vezes mais fortes e tudo será melhor do que era antes.

M.I. ­- Mais uma vez obrigado por nos concederes esta entrevista. Foi uma grande honra para mim e para todos na equipa da Metal Imperium. Envia os nossos cumprimentos ao resto da banda. Desejamos que tenham toda a sorte e sucesso do mundo e estamos ansiosos por ouvir o novo álbum “Lamb of God”.

Oh, estou feliz por ter estado aqui. Muito obrigado, tenham um bom dia, mantenham-se em segurança e espero que possamos ouvir o novo álbum em conjunto após o lançamento!

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Entrevista por João Guevara