Dentro do Death Metal, os Abysmal Dawn dispensam apresentações. Depois de um hiato de 6 anos, voltaram com o seu último álbum, Phylogenesis, talvez o álbum mais técnico do grupo até ao momento. O vocalista/guitarrista Charles Elliott falou-nos sobre o álbum, a nova editora, os novos elementos da banda e o que anda a fazer no meio desta pandemia.
M.I - Olá! Como estás? Obrigado pelo tempo dispendido e parabéns por um ótimo novo álbum. Está demais!
Obrigado! Definitivamente, dedicamos muito esforço a este.
M.I - Ok... Então 6 anos, foi quanto tempo se passou desde o vosso último álbum. Porquê? O que andaram a fazer?
Fizemos muitas digressões pelo álbum anterior. Acho que fizemos algo como 4 ou 5 tours na América do Norte, uma europeia e outra pela América do Sul. Também abri um pequeno estúdio de gravação durante esse período. Também passamos por uma mudança de formação e algumas coisas aconteceram em nossas vidas pessoais que precisavam ser tratadas.
M.I - Os comentários e críticas a este novo álbum foram muito boas. É o vosso melhor trabalho? É um verdadeiro álbum à Abysmal Dawn? Ou, ouvindo agora, fariam algo diferente?
Definitivamente, sinto que é o nosso melhor álbum até agora. Poderia ter feito pequenas coisas diferentes aqui e ali mas, no geral, foi o melhor registo possível que podíamos fazer naquele momento e o que queríamos fazer. Acho que não faria nada diferente, mas sei como abordaria as coisas de maneira um pouco diferente da próxima vez. Ainda estou extremamente orgulhoso da Phylogenesis.
M.I - Este é o primeiro álbum com dois novos membros (James e Vito). O que trouxeram eles para o vosso som e que faltava à banda?
Acho que a bateria do James abriu muitas possibilidades para nós. Desta vez, fomos capazes de explorar diferentes ritmos, sensações e tempos. Vito é o virtuoso da banda. Sinto-me como um guitarrista decente, mas ele está muito à frente com as suas técnicas. Eu sempre quis um guitarrista mais dedicado e isso é algo que temos pela primeira vez.
M.I - Com os novos elementos, houve alguma mudança na maneira de escrever as canções ou seguiram o vosso processo natural?
Desta vez, conseguimos reunir-nos mais. No último álbum, acho que conseguimos isso, talvez, três vezes para escrever. Isso levou-me a escrever muito sozinho com uma caixa de ritmos. O nosso baterista morava tão longe que era a única maneira de o fazer. Agora, todos nós vivemos relativamente próximos e pudemos elaborar ideias frente-a-frente. Eu acho que ajudou com a energia do disco e manteve os sumos inspiradores a fluir, por assim dizer.
M.I - Phylogenesis também é o vosso álbum mais técnico. Foi algo conscientemente pensado ou apenas o resultado natural do vosso crescimento, não apenas como músicos, mas como instrumentistas?
Acho que queríamos esforçar-nos um pouco nessa área, por isso, houve um esforço consciente. Obsolescence foi um pouco mais direto e acho que queríamos voltar um pouco ao estilo de Leveling The Plane Of Existence. Mas acho que o nosso crescimento como músicos e química coletiva trouxe algo mais naturalmente.
M.I - Técnica... é algo que desejam explorar mais ou vão voltar aos sons mais melodiosos com os quais construíram a vossa carreira?
A técnica é uma ferramenta para nós e para o que estamos a tentar dizer. Isso leva-nos ao nosso objetivo, mas não é o objetivo em si. A melodia sempre fará parte do que fazemos. “Ganchos” e riffs memoráveis são o que mais gosto.
M.I - O álbum inteiro é uma crítica à sociedade e à maneira como vivemos hoje... Hedonistic, a música que escolheram para o single de apresentação, é uma crítica à maneira como procuramos a felicidade. Para ti, qual deve ser o propósito da vida?
Toda a gente precisa do seu próprio propósito. Uma vez que tenhas um propósito, alguma forma de felicidade virá. Eu acho que é por isso que muitos artistas e músicos escolhem esse estilo de vida difícil. Há mais satisfação em tentar criar algo duradouro no mundo do que ganhar dinheiro com um emprego em que não acreditas.
M.I - Grande parte do álbum fala, direta ou indiretamente, dos efeitos das redes sociais nas nossas vidas... consideras que essas redes trouxeram mais desvantagens do que vantagens? São elas que moldam a maneira como pensamos e agimos e dificilmente fazemos isso por nós mesmos?
É difícil dizer. Como músico, as redes sociais, por exemplo, possibilitam divulgar a nossa música a mais pessoas e, potencialmente, obter mais fãs. Mas cada vez menos bandas podem realmente ganhar a vida a fazer isso. Acho que somos moldados pelas coisas que vemos e interagimos, quer saibamos ou não. A internet e as redes sociais ainda são relativamente novas, nas formas que existem hoje. Estamos agora apenas a aprender que tipo de efeito essas coisas podem ter sobre nós mentalmente e como elas moldam as nossas vidas e políticas. Por isso, no final, sim, sinto que essas coisas nos trouxeram mais mal do que bem, até ao momento.
M.I - Phylogenesis tem uma faixa escondida dos Death que são uma das grandes referências dentro do género, mas por que quiseram adicioná-la ao álbum?
Acabámos por ter um tempo extra no estúdio e decidimos gravar uma cover. Escolhemos essa, já que os Death são uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos, e o James é um grande fã da bateria do Sean Reinert. Quando estávamos a montar a lista final de faixas, ela parecia encaixar-se perfeitamente com a sensação geral e o conteúdo lírico do álbum.
M.I - Este também é o primeiro álbum com uma nova editora... Foi uma mudança necessária? Ou apenas queriam algo diferente?
Acho que era necessário crescermos na Europa. A Season Of Mist parece ter um conjunto muito mais forte aí. Aprecio o que a Relapse fez por nós no passado, mas eles não pareciam estar tão interessados em nós, mais para o final. Conversámos com algumas editoras, mas a Season Of Mist parecia a mais entusiasmada e apreciei a forma honesta de falarem.
M.I - Depois de 15 anos, qual foi o vosso maior desafio até hoje? Pelo que tiveram de lutar mais?
Honestamente, apenas por manter uma banda unida e continuar a lançar discos. Definitivamente, foi um desafio levar-nos à Europa pela primeira vez, em 2015, e à América do Sul, em 2018. Mas, no final, apenas continuar sendo uma banda que faz música, hoje em dia, já se torna uma enorme realização. Não foi uma viagem fácil ao longo dos anos, mas estou feliz por ainda estarmos aqui e tenho orgulho do que fizémos.
M.I - Durante o vosso crescimento como banda, fizeram digressões com alguns grandes nomes… Com quem mais gostaste de tocar? E com quem aprenderam mais?
Provavelmente, Cannibal Corpse. Eles sempre foram super bons para nós e humildes por serem a maior banda de death metal do mundo. E sempre tiveram uma atitude sem altivez e joguinhos, que eu admiro. Lembro-me do Alex me dizer uma vez, de como ele viu muitos músicos com personas começarem de uma maneira ao longo dos anos e acabarem sendo eles próprios no final. Isso ficou comigo. Sempre mantivemos isso em relação à música e não a imagens idiotas ou algo que nos impede de ser nós mesmos. Ao mesmo tempo, entendo bandas que têm uns artifícios. Provavelmente, teríamos muito mais sucesso se tivéssemos um, mas não somos nós.
M.I - Com quem gostariam de partilhar o palco e ainda não tiveram a oportunidade?
Carcass, The Black Dahlia Murder, At The Gates, Amon Amarth e King Diamond. Não tenho a certeza de como abordaríamos os fãs do King Diamond, mas sou um grande fã. Seria porreiro conhecê-los e fazer uma tour com esses tipos.
M.I - Qual foi o episódio mais absurdo e WTF que tiveram nos vossos concertos?
Houve alguns ao longo dos anos. A primeira digressão que fizémos, tocámos na noite seguinte aos Insane Clown Posse. O palco ainda estava pegajoso porque estava coberto daquele refrigerante de merda que eles pulverizam por todo o lado. Numa altura, pisei o meu set list e ele ficou preso à minha bota o resto do concerto. Outra, foi na última digressão que fizémos com Vader, Hideous Divinity e Vitriol, em Los Angeles. Foi o último concerto da digressão e tudo acabou por avariar naquela noite. Os pedais do James partiram-se na primeira música, e a guitarra do Vito, por qualquer motivo, cortava o som constantemente, até morrer completamente nas últimas músicas. Foi um pesadelo, mas as pessoas ainda pareciam gostar. Felizmente, o nosso homem do som, o Daniel, sabia o que estava a fazer e salvou-nos.
M.I - É quase impossível não abordar esse tópico ... Devido ao Covid-19, o mundo mudou. Eventos foram cancelados, as regras sociais mudaram... Mas, com isso, vimos o surgimento de novas formas de comunicação, novas iniciativas, bandas e artistas apostando em outras ferramentas - que não usavam antes - para estar com o público. A música / músicos continuarão a apostar nessa crescente onda digital ou, quando a pandemia passar, tudo voltará ao mesmo? Achas que haverá mudanças definitivas?
Não acho que as coisas voltem ao normal. Acho que veremos mudanças nos hábitos de compra de música. Os fãs começarão a consumir através de streaming e a comprar músicas diretamente às editoras, lojas das bandas e outros retalhistas online. As lojas de música já estavam com problemas e é difícil vê-las a sair disso com vida. E, dependendo de quanto tempo isto durar, os hábitos de compra das pessoas mudarão.
M.I – E tu? Como ocupas a tua vida agora? Que mudanças, o Covid-19 trouxe ao teu dia-a-dia?
Atualmente trabalho em casa e faço mixes e masterização para outras bandas. Fora isso, provavelmente, as mesmas mudanças que a maioria de nós. Cozinho muito mais e faço lotes gigantes de comida para congelar. Isso torna as minhas viagens ao mercado menos frequentes. Tento exercitar-me em casa e faço caminhadas para manter a sanidade. Tentei manter-me um pouco mais em contacto com os amigos, para ver como eles estão.
M.I - Se neste momento olhássemos para o teu historial no Youtube, que bandas, músicas e vídeos veríamos lá?
Sinceramente, não vou muito ao YouTube por música. Provavelmente, encontrarás vários tutoriais de videojogos, principalmente, para God Of War, e análises de equipamentos musicais. Tutoriais aleatórios e coisas assim.
M.I - O que se segue para Abysmal Dawn, nos próximos meses? Algum plano para uma tour pela Europa?
Se tudo correr bem, esperamos voltar em dezembro em digressão. Espero ver-vos lá quando o fizermos.
M.I - Ok, novamente, obrigado pelo teu tempo. Algumas últimas palavras para os nossos leitores e fãs em Portugal?
Cuidem-se, apoiem as bandas que amam, durante este tempo e espero ver-vos num futuro próximo quando esta loucura acabar!
Obrigado e continuem fortes como sempre!
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Entrevista por Ivan Santos