Marko Hietala quase dispensa apresentações. Em 1984 formou uma banda com o seu irmão, os Tarot, e em 2001 juntou-se aos Nightwish, como baixista e vocalista em algumas músicas. Conta também com a participação em vários projetos tais como Delain, Northern Kings e Sinergy. Lançou este ano o álbum “Pyre of the Black Heart” e estivemos à conversa com ele para nos falar um pouco mais sobre o seu primeiro álbum a solo.
M.I. - O novo álbum “Pyre Of The Black Heart” saiu a 24 de Janeiro. Fala-me um pouco sobre ele.
Bem, tudo começou quando os Nightwish decidiram tirar um ano sabático. Eu pensei, tenho material, tenho música, tenho letras em Inglês e Finlandês, e pensei que agora era uma boa altura para fazer algo a solo. Tinha andado a pensar nisto há cerca de um ano, e achei que ainda não tinha encontrado a oportunidade e a altura certa... eu tinha material, tinha sido bastante produtivo ao longo destes anos e tinha material suficiente para lançar um álbum e talvez mais. Então, falei com alguns amigos, Tuomas Wäinölä na guitarra e Vili Ollila nos teclados, e perguntei se estavam interessados em vir a minha casa, em ficar algumas noites para ouvirmos as demos que tinha e ver se gostavam de alguma coisa e se queriam fazer alguns arranjos comigo. Eu já os conheço há algum tempo, sei que são músicos muito dedicados e têm uma mente aberta, são muito perfecionistas e sabia que, se eles gostassem das músicas, iriam dedicar-se e foi o que aconteceu.
M.I. - Deixa-me dizer-te que ouvi o álbum e gostei bastante.
Muito obrigado! Estamos contentes com o álbum e quisemos fazer um álbum que tivesse uma variedade atmosférica de sentimentos e histórias. Pelo que tenho ouvido, e acabaste de confirmar, também várias pessoas estão bastante contentes por encontrar um álbum assim, porque sai fora dos padrões normais e é algo que fica e é agradável de ouvir.
M.I. - Como é que os fãs têm reagido ao álbum?
Muito bem, têm gostado bastante! Gradualmente desde que o álbum saiu, mas pelo que tenho ouvido, tenho-me sentido cada vez mais confiante e confortável com tudo.
M.I. - O que inspirou o título “Pyre of the Black Heart”?
Tive alguma escuridão na minha vida anteriormente. Tenho uma depressão crónica e é uma espécie de símbolo desta escuridão. É difícil mas é forte, mas há também uma vontade de a esmagar e colocar para trás, então acho que é isso que simboliza.
M.I. - Podes falar-me um pouco sobre as músicas. Sobre o que são. Como por exemplo a música “Stones”.
Stones tem um estilo blues e uma letra rock. Tinha uma guitarra acústica com um som mediterrâneo que combinava bastante bem com uma melodia de blues e, depois de ter a melodia, comecei a escrever uma letra que também tivesse esse estilo blues, aquele som repetitivo de uma linha para outra e isso fez a música. E acabou por soar a uma mistura de Black Sabath com o folk tradicional finlandês. Tornou-se nesta música rock do álbum com a combinação de todos estes elementos.
Depois temos a música “The Voice Of My Father”, que tem um significado mais pessoal. De uma geração para a outra transferimos algo, intencionalmente e não intencionalmente. Há coisas que não queremos passar. Eu e o meu pai sofremos de alcoolismo, mas sobrevivemos os dois. E quando éramos novos, o meu pai cantava músicas para me adormecer a mim e ao meu irmão e eu fiz o mesmo com os meus filhos e são estas pequenas coisas que ficam.
M.I. - Falaste um pouco sobre o processo de escrita, mas podes falar um pouco mais?
Bem, “Star, Sand and Shadow” é uma espécie de história de amor, mas um amor muito possessivo. Depois temos a música “Dead God’s Son”, que é uma espécie de crise existencial e fantasia ao mesmo tempo, mas se quisermos relacioná-la com algo real, talvez seja acerca da perda de tudo o que é “fantástico” à medida que crescemos.
M.I. - Foi lançada a versão em finlandês do álbum em Maio de 2019. O primeiro single foi Isäni Äani (The Voice Of My Father). Porquê?
Foi só para destruir as expectativas (risos), porque estava tudo à espera que lançasse algo metal ou rock e eu decidi lançar algo um pouco mais sensível.
M.I. - A versão em finlandês foi lançada em Maio de 2019… Porque decidiste lançar o álbum em inglês?
Eu tinha músicas escritas em inglês e finlandês e esse foi o ponto de partida. E tinha de tomar a decisão de traduzir uma para a outra e depois percebi que tinha a oportunidade de fazer as duas e traduzir as músicas de finlandês para inglês e de inglês para finlandês, ambas para um álbum. E era suposto terem sido lançados ao mesmo tempo mas deparámo-nos com prazos e o trabalho foi andando lentamente. Tínhamos que terminar alguns concertos, festivais que tivemos no verão e tivemos de terminar o álbum em finlandês primeiro para podermos ir ter com os promotores de festivais, para garantir que tínhamos as músicas a passar na rádio e só terminámos de gravar as vozes em inglês depois do verão, depois de todos os concertos. Mas é falso pensarem que fizemos tudo em finlandês primeiro.
M.I. - Qual o significado da capa do álbum. O porquê da mão a segurar um coração preto?
Bem, claro que se relaciona com o coração preto, essa pedra obsidiana dura em forma de coração, brilhante e impenetrável e depois temos a mão em chamas que tenta esmagar e queimar ao mesmo tempo. Uma simples metáfora do anjo e do demónio. Talvez não tanto, mas um sentimento de impureza a lutar contra a escuridão.
M.I. - Quem pensou na capa do álbum? Foste tu?
Sim, eu tinha uma ideia da capa ideal, como a fazer e sobre a imagem em si e vi um póster que alguém fez para os Nightwish, uma espécie de póster da tournée, muito old school, com linhas a lápis, para desenhar uma figura e as sombras e eu fiquei, hum, gosto bastante, é quase aquele tipo de acabamento old school que eu queria dar, uma espécie de grego clássico mas com um twist do norte. E perguntei ao Remo Pohl, que é alemão, se podia fazer um desenho ou pintura a partir desta ideia e ele fê-lo e aqui está.
M.I. - Podes falar-me um pouco sobre os músicos que tocam contigo no álbum?
Somos velhos amigos. O baterista conheço-o desde que tinha quinze anos e ele dezasseis. Foi quando nos conhecemos, numa espécie de acampamento musical de rock, pop e jazz no verão. E ele tem tocado bastante bateria com vários artistas, em vários álbuns e nos concertos deles ao vivo e programas de televisão, por isso é um profissional há bastante tempo. O guitarrista e o baixista, conheci-os através de um projeto de Natal que temos aqui na Finlândia todos os anos e que já dura há 15 anos. E sei que são músicos com uma mente aberta, já tocaram com várias bandas e em vários álbuns e têm aquela visão de roqueiros de coração. Então pedi-lhes que me ajudassem e foram os primeiros a virem ter comigo e a começar com as músicas e sabia que se eles gostassem do material que se iam dedicar e envolver-se e foi o que aconteceu. O Tuomas dedicou-se tanto que, durante o processo, se tornou o engenheiro de gravação, produtor e foi quem fez a mistura do álbum. Eles também contribuíram com muitos arranjos e sons para a músicas, que as complementaram bastante. Por isso, a contribuição deles é bastante visível no álbum. Trouxeram algumas ideias para a composição, por exemplo, foram eles que desenvolveram toda a ideia do som do mar na música “Voice of My Father”.
M.I. - Tens trabalhado com várias bandas ao longo dos anos e estás atualmente nos Nightwish. Como é que todas essas experiências contribuíram, para este álbum?
Bem, claro que quanto mais fazes, quanto mais tocas com diferentes pessoas e ouves diferentes atuações, acabas por manter os olhos e os ouvidos abertos e ver que há várias formas de fazer as coisas e é algo que também te ensina a ter uma mente aberta para a música.
M.I. - Como é estar numa banda tão grande e ocupada como os Nightwish e ter tempo para lançar o teu próprio material? É complicado?
Sim, houve muitos prazos apertados, por exemplo, o ano passado, terminei 3 álbuns, filmar os vídeos, estive em sessões fotográficas, ensaiei com a banda e depois fiz alguns festivais de verão, aos fins de semana ensaiava com os Nightwish e gravava o álbum com eles enquanto fazia alguns concertos nessa semana. Então quando fiz a última sessão de fotos com os Nightwish em Outubro, decidi, ok, vou desligar e fui para o Brasil e fiquei lá. Depois regressei para a tour anual de Natal, durante 2 semanas e voltei para o Brasil. E estive ali basicamente a aproveitar o calor, o mar, o ar e o sol e só quis trancar as minhas memórias por alguns meses. Na verdade, nem pensei muito no álbum nessa altura, quis desligar-me um pouco do trabalho. Tinha tempo para isso quando regressasse e aqui estamos nós.
M.I. - Na tua opinião, qual a melhor palavra para descrever o som do Marko Hietala neste álbum?
Talvez aquilo que me apareceu por acidente e que considero hard prog. Tem elementos progressivos combinados com um som rock.
Temos falado sobre isso, por isso há planos. Não será em 2021, uma vez que os Nightwish irão começar a estar ativos, por isso, como disse, este é um projeto a solo que se tornou numa banda, todos estão a gostar de fazer isto e gostaríamos de terminar, fazer festivais e por aí. Por isso, se tivermos a oportunidade, faremos mais álbuns.
M.I. - Estando no mundo da música há bastante tempo, como vês todas as mudanças que têm acontecido na música?
Bem, é uma espada de dois gumes, porque é claro que como a música se espalha e chega a muitas pessoas é muito bom, mas depois temos os problemas de direitos de autor e a desigualdade de pagamentos que vêm associados a isso. Gosto da ideia da liberdade e da disponibilidade das músicas, mas também temos de ter em conta aqueles que compõem as músicas, os autores e os escritores e que eles têm de receber a sua parte. Devia ser legalizado e fiscalizado, mas até ver, a internet é uma selva.
M.I. - O que achas das plataformas online para promover os álbuns? Achas que é a evolução natural das coisas?
Sim, se usares grandes serviços para guardar os dados que podem ser partilhados sem aquela parte física, com todo o plástico que tínhamos com os CDs, sim, vejo como uma melhoria das coisas. Mas claro que depois que com o streaming dos MP3’s do Spotify, a qualidade é mais fraca do que a que tínhamos com os CDs. Isso é algo de que sinto falta, porque sou bastante entusiasta pelo som e a distorção digital daqueles ficheiros comprimidos acabar por esconder muita parte instrumental que é boa. Mas a transferência de dados acaba por estar a melhorar e cabe aos prestadores de serviços atualizarem as bases de dados e transformarem-nos em ficheiros com melhor qualidade e trabalhá-los nesse sentido. Mas claro que esta não é uma solução muito efetiva em termos de custos, por isso duvido um pouco do seu entusiasmo por isto. Mas claro que, para alguns, a qualidade também é algo competitivo, por exemplo, eu tenho uma subscrição no TIDAL, porque eles usam ficheiros FLAC e, quando quero ouvir alguma coisa, posso fazer download instantaneamente e tem melhor qualidade, soa melhor e, se não gostar, basta apagar do telefone.
M.I. - Queres deixar alguma mensagem aos teus fãs em Portugal?
Claro, se ainda não ouviram o álbum e se estiverem interessados em ouvir algo que tem um som bonito e uma composição estranha nos seus elementos, então experimentem ouvir e será agradável. Não me cabe bem a mim dizer se vão gostar ou não. Experimentem ouvir apenas.
Obrigada pelo teu tempo e esperamos ver-te em Portugal num concerto.
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Entrevista por Isabel Martins