O lançamento de “We’re Here Because We’re Here” foi um virar de página na carreira dos Anathema e por vezes custa a acreditar que já se passou uma década.
Foi em 2010 que a vocalista Lee Douglas se juntou aos Anathema, permanecendo até aos dias de hoje, e que a banda se reinventou. E se esta mudança não agradou a gregos e a troianos, o facto é que
o concerto no Capitólio teve lotação esgotada, como já é apanágio da banda quando regressam a terras lusas.
Paul Masvidal, líder dos Cynic, teve como missão fazer as honras da casa, numa altura em que a sala ainda não estava sequer a meio gás. O músico veio apresentar o seu
trabalho a solo. Tivemos um Masvidal, uma guitarra, um ecrã humilde por detrás e pouco mais. Despretensioso, apresentou-nos os seus temas com um sorriso nos
lábios e, por vezes, sentado no chão. Nem quando anunciou “I’ve lost the power”, a meio de “No Other Words” (a propósito de alguns problemas técnicos que teimaram a
ocorrer nesta noite), foi impedimento para continuar a atuação. Por momentos, só ouvimos a sua voz e a guitarra, num momento intimista. Terminou com “Wheels Within Wheels”, dos Cynic.
Os noruegueses Rendezvous Point vieram dar um abanão e acordar parte da plateia. A banda aproveitou cada segundo que teve disponível para mostrar a sua garra, dando especial ênfase
à presença em palco e voz irrepreensível de Geirmund Hansen. Dos temas apresentados, destacaram-se “Resurrection” e “Wasteland”. Para quem tenha ficado fã dos nórdicos,
Hansen recordou que a banda regressa a Portugal já no próximo mês de junho, atuando no Comendatio Fest.
Por esta altura, a sala já estava bem mais composta mas longe da lotação esgotada. É certo que o tema do momento, o Covid-19, afastou muitos fãs que optaram por não comparecer ao evento.
Os problemas técnicos ocorridos na primeira atuação voltaram para assombrar a noite. Com os primeiros acordes de “Thin Air”, percebeu-se que
algo não estava bem com as guitarras. A banda persistiu mas rapidamente percebeu que era necessário o apoio dos técnicos (“não vamos começar assim, pois não?”, mencionou
Vincent). Danny ainda entreteve o público com uma parte de “Crestfallen”, “Are You There?” e “Wish You Were Here”, dos Pink Floyd, todas em versão acústica, mas os problemas
continuavam a persistir. Um fã gritou que a culpa era do vírus e a banda, apesar de sorridente, lamentou a situação atual que estamos a viver. Vincent comentou que muito provavelmente teria impacto
nas próximas atuações da banda e que havia uma grande hipótese desta noite ser a última atuação da tour. E quando volta a tentar retomar o concerto, Vincent larga um “For
f*ck’s sake!”, porque claramente ainda não tinha os problemas técnicos resolvidos e a frustração já se acumulava. Como se não bastasse, a banda de Liverpool ainda fez
um comentário, entre risos, a propósito do jogo de futebol entre o Liverpool e o Atlético de Madrid (estes últimos ganharam a partida). Parece que nada estava a correr bem para os britânicos!
O público começava a ficar impaciente e já se pensava que a atuação podia mesmo não ocorrer. Porém, desistir não fazia parte dos
planos dos Anathema, que pretendiam aproveitar ao máximo esta noite. E assim foi. Já estávamos perto das 22:30 quando voltámos a ouvir “Thin Air”, desta vez com muito melhor figura.
Depois de alguns acidentes de percurso, estavam repostas as condições para mais uma noite memorável.
“Are you with us?”, perguntaram. O público assentiu em uníssono. “Dreaming Light” foi o primeiro grande momento da noite, que levou a plateia ao
rubro. Era percetível que a banda pretendia garantir que a sua setlist não seria afectada pelo atraso ocorrido, então “We’re Here Because We’re Here” foi tocado de uma assentada.
“Angels Walk Among Us” foi verdadeiramente arrepiante e recordou-nos o porquê de Lee Douglas já ser um membro imprescindível da banda. Seguiu-se “Presence”, com a respetiva letra
a surgir num ecrã gigante. A frase “only you can heal you life, only you can heal inside” volta a surgir neste tema, desta vez de uma forma falada (contrastando com a voz poderosa, mas doce, de Lee). Até
os mais desatentos conseguem compreender que os temas neste álbum têm uma forte ligação entre si.
Depois de “Get Off, Get Out”, Danny acende um cigarro, como que a dizer “foi difícil, mas está a acontecer”. “Universal” foi maravilhosamente
aplaudido por toda a plateia, destacando-se a prestação do “nosso” Daniel Cardoso e do momento em que Danny abraça calorosamente a sua guitarra. “Hindsight” marca o fecho do álbum
e Vicent só conseguiu largar um longo suspiro. “Obrigado. Thank you so much everybody!”. E ficámos por aqui. Ou talvez não...É que Vincent ganha um novo fôlego e diz “agora
é até nos expulsarem”. Desafio aceite!
Assim, a banda ainda conseguiu revisitar temas de outros registos. Começam com “Can’t Let Go”, chegam a “The Lost Song Part 3” (que foi escrita em
Lisboa por Danny, como nos confessou) e aqui apenas conseguíamos contemplar um grupo de amigos a divertir-se em palco. Danny pergunta “Are you ok?”, um fã retribui a questão e o músico comenta,
entre risos “No, that’s why I write this shit”. Seguem-se “Springfield” e “Closer”, que colocou o público a saltar e a ecoar “the dream world is a very scary place”.
“Distant Satellites” veio provar que Vincent também tem talento com as baquetas e que Danny estava tão entusiasmado que quase caiu no meio do palco! “Natural Disaster”, um dos temas mais
antigos da noite, foi iluminado pelos telemóveis da plateia, já que a sala ficou completamente às escuras, como já é habitual. É nestas alturas que nos dá uma vontade incontrolável
de ouvir todos os álbuns mais antigos dos Anathema (ao vivo, seria a cereja no topo do bolo). A noite termina com “Untouchable Part 1” e “Untouchable Part 2”, com o público a cantar em
uníssono, por vezes sem o apoio da banda (que, verdade seja dita, mostra-se sempre comovida com o público português).
E é assim que Vincent festeja o facto de terem conseguido tocar a setlist na íntegra. Tocaram e, mais uma vez, encantaram. We had to let them go, to the setting sun.
Agradecimentos: Prime Artists