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Entrevista aos Hideous Divinity


"Adveniens" foi extraordinário, mas os Hideous Divinity, mais uma vez, aprimoraram o seu próprio jogo com "Simulacrum", lançado pela Century Media. A banda está a ficar cada vez maior e, finalmente, a receber a atenção mundial que merece. Atualmente, estão numa tournée norte-americana ao lado dos Vader, Abysmal Dawn e Vitriol. Em abril e maio, andarão em tournée pela Europa como suporte dos Terrorizer... Portugal também está nos seus planos já que estarão presentes na edição deste ano do SWR em Barroselas, o festival português mais extremo, e estão ansiosos por isso. A Metal Imperium esteve à conversa com a banda para descobrir mais sobre o novo álbum, as tournées e outros tópicos interessantes.

M.I. - No comunicado de imprensa, a Century Media escreveu que os extremos do Death Metal são atingidos pelo formidável “Simulacrum” dos Hideous Divinity. Esta é uma afirmação bastante ousada! Concordas?

[Risos] no futuro, espero merecer sempre o apoio incrível da Century Media. O que posso dizer é que o significado de "extremo" em death metal tem múltiplos significados e camadas: pode parecer uma música limitada do lado de fora, mas, na verdade, existem muitas maneiras de alcançar diferentes estados de espírito. Acredito que a nossa música é extrema, mas com um significado, como um caleidoscópio de imagens assustadoras recorrentes, todas conectadas. Como num filme de Ari Aster, em que não ficas "assustado", mas lentamente cais numa teia de horror e desespero. Não há final feliz no death metal.


M.I. - O guitarrista Enrico Schettino afirmou que o 'Exercises in Futility V' dos Mgła, o som dos Aosoth e os riffs de abertura dos Hate Eternal são alguns exemplos dos fantasmas que assombram a música dos Hideous Divinity. O que é que isso significa exatamente? Quais são as vossas principais influências musicais?

Eu tenho uma imagem moderna da música, com sabor de horror, que visita os meus sonhos como um espírito assustador. Sou um ouvinte voraz, obcecado na minha busca por algo novo e original, algo que restaure a minha fé na criatividade. O que mencionaste acima, são apenas alguns dos melhores exemplos das influências que tive nestes anos mais recentes. A música que inspirou "Obeisance Rising" é muito diferente da que inspirou "Simulacrum". Eu acho que tudo faz parte de uma jornada. De momento, ando a ouvir Adversarial e Wolves in the Throne Room: não podes dizer facilmente que a nossa música te lembra qualquer um deles, mas posso garantir que estão lá.


M.I. - “Adveniens” marcou uma clara mudança em direção a uma perspectiva de Death Metal mais escura e fortemente influenciada pelo Black Metal. "Simulacrum" pegou neste conceito musical e levou-o a um novo nível. Por que sentiste a necessidade de fazer essa mudança?

Não lhe chamaria mudança, é mais como uma progressão para mim. A continuação de um caminho que começou talvez com “Cobra Verde”, que eu acredito que foi o primeiro álbum com o que poderíamos chamar de "personalidade". Por outro lado, realmente sinto que é uma "necessidade": necessidade de algo novo e fresco... para a evolução.


M.I. - O álbum foi lançado no dia 8 de novembro. Como foram as reações?

As reações foram boas no geral, talvez os fãs obstinados da banda sentissem que este novo contrato de gravação influenciou a nossa música... muitas pessoas obviamente não nos conheciam, e a nossa base de fãs cresceu exponencialmente, e isso é ótimo. Se as pessoas viram neste álbum um passo à frente na mesma direção de "Adveniens", essa é uma razão suficiente para eu estar feliz.


M.I. - "Simulacrum" foi escrito na íntegra por Schettino... não é muita responsabilidade para uma pessoa só? É assim que preferes trabalhar ou é assim por necessidade?

Eu trato do processo de composição, mas cada música passa por um processo maciço de reorganização / reescrita, no qual todos estão mais ou menos envolvidos. É verdade, eu gosto de apresentar aos outros algo com um começo e um fim, completados com camadas de guitarra e partes de bateria: é apenas porque não se pode discutir sobre algo que não tem forma. Quanto à responsabilidade, todo o compromisso sério na vida traz um certo grau de responsabilidade. O meu é oferecer música de qualidade, primeiro aos meus colegas de banda, e depois ao nosso público. Se eu não assumisse essa responsabilidade, provavelmente deveria largar a guitarra e usar o meu tempo a fazer outra coisa.


M.I. - Todos os vossos álbuns foram inspirados em filmes e "Simulacrum" é inspirado no "Lost Highway", de David Lynch, com conceitos do filósofo francês Gilles Deleuze. Por quê esse filme e filósofo em particular?

Fiquei fascinado por um artigo que analisava a ligação entre Lynch, Hitchcock e Deleuze. A ideia principal de uma história estranha de ciclos distorcidos da vida em que o ator se torna espetador realmente ressoou em mim. Deu-me a sensação de que também pode ser referida à nossa música: o mesmo núcleo, mas podes “perceber as diferenças graças às repetições”. Por outras palavras, a nossa música regressa sempre, sempre com uma forma mais distorcida e obscura.


M.I. - Qual é a principal mensagem deste álbum?

Na verdade, não pensei numa mensagem clara. O que poderia ser?... Talvez, como no “Lost Highway” de Lynch, a ideia central seria a incapacidade, a impossibilidade de controlar a vida de alguém. Nós simplesmente nos tornamos atores num teatro de horrores, e os Hideous Divinity tocam a banda sonora deste ciclo de angústia.


M.I. - A besta na capa de "Adveniens" é a mesma da capa de "Simulacrum"... por quê manter esse vínculo entre os dois álbuns?

Existe um link com a arte da capa anterior mostrada na nova com certeza, mas os dois assuntos não são os mesmos. Adorei a ideia do Vladimir Chebakov de manter a chama na mão direita da figura principal. Falar sobre “carregar a tocha” de maneira literal... o Angelus Novus em “Adveniens”, no entanto, é uma personagem que carrega conhecimento e um sentido de sabedoria triste, quase resignado. O “espetador” apresentado na capa do “Simulacrum”, por outro lado, é uma imagem grosseira de ciclos distorcidos da realidade. Ele tira a sua máscara enquanto deixa de lado o seu papel de ator para se tornar uma mera testemunha.


M.I. - “Anamorphia Atto III” é minha faixa favorita do álbum e também é a mais longa e mais bem escrita. Qual é a tua favorita? Por quê?

Eu também gosto muito dessa faixa. Devo dizer que muitos ouvintes partilham a tua preferência. Talvez porque eles veem uma espécie de microcosmos nela. Escrevi-a há muito tempo, e a sua aura permeava todas as músicas que se seguiram. Acredito que “The Embalmer” ainda é a minha faixa favorita: acho que é por causa da busca por momentos épicos e, é claro, pelo videoclip com o Olivier de Sagazan.


M.I. - Os últimos 3 álbuns incluem músicas cover. Como surgiu essa ideia? Como é feita a seleção da cover?

Eu sou obcecado por covers. Vejo-as como uma maneira poderosa de mostrar personalidade na adaptação, juntamente com sincera admiração por uma determinada banda. Uma espécie de declaração de amor. Cada música gravada pelos HD é uma experiência de estilo e um ato de amor. Pensa no tema "Media Blitz", dos The Germs, reinterpretada pelos Brutal Truth, ou no álbum inteiro "Future of The Past", dos Vader. Quando pensei em Machine Head e Mayhem, sabia que estava a entrar num território perigoso, mas também sabia exatamente o que fazer. Acredito que todos possam ver a interpretação pessoal dos HD desses dois clássicos, mesmo sendo bom para uns e mau para outros.


M.I. - A banda tem gravado com o Stefano Morabito no 16th Cellar Studios desde 2007. Ele é como o sexto membro da banda e tem evoluindo com vocês ao longo dos anos. Já consideraram a ideia dele se juntar à banda? Quão importante é ter alguém como o Stefano? Quão importante é ter uma banda coesa? Os Hideous Divinity são coesos?

[Risos] na verdade, pedimos-lhe para participar em mais de uma ocasião (como guitarrista) nos últimos anos. O Stefano realmente é o sexto membro, cada álbum é um desafio para ele, assim como para nós. Quando é hora de fazer um novo álbum, ele diz sempre “Este é o nosso álbum mais importante. Devemos superar-nos”. "Nós". É assim que um verdadeiro membro da banda fala. Ele conhece-nos como o conhecemos e, obviamente, as suas obsessões e manias. Há muitas brigas e discussões, apenas porque todos consideramos esta banda como uma prioridade. Esta é, para mim, a definição perfeita de coesão.


M.I. - O novo álbum foi lançado pela vossa nova editora, a Century Media... isso acrescentou pressão extra?

Seria um mentiroso se dissesse não. É claro que sentimos pressão adicional. Por causa da nova editora, por ser este o nosso quarto álbum e por termos estabelecido uma fasquia alta com o álbum anterior “Adveniens”. O desafio era converter essa pressão extra em motivação e precisão adicionais. Por outras palavras, sabíamos que nada poderia ter sido deixado ao acaso em “Simulacrum”.


M.I. - Agora que assinaram contrato com uma editora maior, acreditas que as coisas vão funcionar melhor / mais rápido para os Hideous Divinity?

Melhor e mais rápido são termos relativos. De qualquer forma, acredito que “melhor” é um advérbio correto quando nos tornamos parte de uma editora como a Century Media. Tudo é tratado por eles com profissionalismo e dedicação... e é claro que o mesmo é esperado do artista, o que é ótimo (e justo). Quanto à parte "mais rápida", devo dizer que nunca nos apressamos nas coisas. Como banda, preferimos escolher uma abordagem mais cuidadosa de cada vez que enfrentamos uma decisão que envolve o nosso tempo, compromissos ou investimentos. Nunca paramos de trabalhar duro, porque a estrada ainda é muito longa - ou talvez, devo dizer, sinto que "o verdadeiro jogo acabou de começar".


M.I. - Receberam ofertas de outras editoras? Por que acabaram por assinar com a Century Media?

Sim, e não seria justo nomeá-las agora. Digamos que a oferta da CM foi de longe a melhor para a carreira e os planos dos HD. Sabíamos que isso exigiria muito compromisso e sacrifício de várias maneiras, mas aceitamos sem hesitar. Afinal, esta é a nossa vida e a vida não espera.


M.I. - A performance do baterista em "Simulacrum" foi classificada entre as melhores do ano passado pela Sick Drummer Magazine. Como se sentem quando recebem esse tipo de reconhecimento?

O baterista é o pulso implacável de uma banda extrema de death metal. Se o baterista falhar, não importa quão boa seja a música, todo o conjunto falhará. É ótimo que o Giulio seja reconhecido pelos seus pares, especialmente se a sua criatividade for valorizada tanto - se não mais que – a sua velocidade e intensidade.


M.I. - Com a atenção que a banda está a receber por ser mais amplamente promovida, quais são os vossos planos / expectativas para o futuro próximo?

Os Hideous Divinity embarcarão num movimentado itinerário de tournée em 2020 para expor "Simulacrum" aos fãs de todo o mundo. 


M.I. - Quão complicado é conseguir uma tournée planeada quando alguns membros da banda também estão envolvidos noutras bandas ativas?

Estamos nos EUA, onde a nossa tournée norte-americana com os Vader, Abysmal Dawn e Vitriol vai a meio. Uma tournée europeia em abril e maio, a apoiar diretamente outra lenda do death metal chamada Terrorizer, acaba de ser anunciada. Então, sim, 2020 está a ser, até agora, um ano muito movimentado! Estamos extremamente felizes e agradecidos. Ao mesmo tempo, o Stefano estará ocupado com os Aborted, portanto, provavelmente haverá sobreposição. Já estamos a pensar numa solução temporária.


M.I. - Existem planos para vir a Portugal?

Este ano, finalmente, iremos ao SWR Barroselas, e mal posso esperar. Sem mencionar que tocaremos no mesmo dia de Mgla, então será em grande o dia 1 de maio de 2020. A vida é boa.


M.I. – O Schettino disse que “não pode ser apenas música. É um reflexo de quem somos e para onde vamos. " É vossa intenção continuar a inventar músicas até que sejam velhos?

Desde que eu tenha ideias decentes na minha cabeça e tendões funcionais, tudo será sobre música extrema. Vou parar antes de me tornar uma paródia de mim mesmo e pensar noutra coisa.


M.I. - Quantos anos tinhas quando sentiste a necessidade / desejo de criar uma banda? A banda correspondeu às tuas expectativas até ao momento?

Levei alguns segundos do “Fucking Hostile” dos Pantera para perceber que era o que eu queria seguir. Não sabia como, não sabia com quem, mas não importava naquele momento. Eu tinha 15 anos. 25 anos depois ainda estou aqui, a atravessar o continente americano a apoiar uma das bandas com as quais cresci. Então, acho que sim, os HD corresponderam às minhas expectativas até agora.


M.I. – Os vossos álbuns são reflexos das vossas experiências pessoais e da vossa vida naquele momento específico?

É um tópico muito amplo, mas mesmo a tentativa artística mais discutível é um espelho que reflete as tuas experiências passadas e presentes, os teus sonhos e frustrações. Eu já disse, no passado, que os H.D. são um espelho de todas as influências musicais que me cercam num determinado espaço de tempo. Eu acho que isso se aplica também ao que chamamos "vida real".


M.I. – Há algum filme que te tenha impressionado (positiva ou negativamente) recentemente? Se sim, qual?

Recentemente, tornei-me fã de Ari Aster. "Hereditary" é ótimo, e talvez "Midsommar" seja ainda melhor. Enlouqueci totalmente. As suas histórias são sobre cordeiros sacrificiais que vão ao matadouro numa procissão sem esperança. O verdadeiro horror, para mim, não é a filosofia hollywoodiana "assustadora": trata-se do sentimento iminente de angústia, do destino sem esperança de "bonecas numa casa de bonecas enquanto são manipuladas por forças externas".


M.I. - Li uma entrevista em que disseste que, numa determinada altura, eras um italiano que fingia ser norueguês. Achas que a comunidade metal ainda tem uma mente fechada e só aceita pessoas que realmente se parecem com metaleiros? E a Noruega tinha uma mente mais fechada do que a Itália no que a isso diz respeito? Já mudou desde então?

Costumo contar isso como piada, mas talvez na época isso fosse verdade na Noruega. Eu não os culpo totalmente. A Noruega deu origem a alguns dos mais importantes atos extremos de metal dos últimos 30 anos, e isso pode ter gerado algum tipo de arrogância congénita. A cena do black metal é considerada parte do património nacional, o que é totalmente justo. Eu vejo algumas bandas incrivelmente talentosas da Noruega, mas muitas delas não são a minha onda. De qualquer forma, estou feliz que outros países se tenham estabelecido como novos berços de metal extremo. Penso na Islândia, Grécia, na Polónia... e na Itália também.

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Entrevista por Sónia Fonseca