Parece que foi ontem que, neste mesmo espaço, os Hourswill e os Innerblast deram um concerto conjunto que visava a apresentação dos seus últimos trabalhos “Dawn of the Same Flesh” e “Figment of the Imagination”, concerto esse que, pela sua qualidade, deixou boas recordações a quem esteve presente. Pois é, menos de dois meses depois e para comemorar o aniversário da Ethereal Sound Works, tivemos oportunidade de rever estas duas bandas. Mas não é tudo, fazendo parte deste mesmo cartaz, estavam também os Uivo Bastardo, que surpreenderam tudo e todos no ano passado com o lançamento do seu aclamado álbum de estreia “Clepsydra” e também os R.A.I.V.A, projeto que conta entre os seus membros com Fernando Girão e Ricardo Mendonça.
Os Hourswill, com a sua sonoridade progressiva, foram a primeira banda a subir ao palco do RCA nesta noite.
Com um setlist a incidir no seu último álbum, iniciaram a sua atuação às 21h10, curiosamente com o tema “Abyss Syndrome”, do anterior “Harm Full Embrace”, que foi tudo no que a temas anteriores a “Dawn of the Same Flesh” diz respeito. Daí para a frente, toda a sua atuação se alimentou exclusivamente no seu mais recente trabalho. Seguiram-se: “Corrupted Soul”, “Enlightenment”, com a pausa entre as duas a ser aproveitada por Leonel Silva para desejar um bom ano a todos e pedir aos presentes que continuem a apoiar a música em Portugal e todos os que a tornam possível: músicos, editoras, promotores. Continuaram com “Now That I Feel” e “We Are the Same Flesh”, tema em que o baixo de Pedro Costa não quis colaborar. Resolvido esse pequeno problema, que resultou num momento de boa disposição devido aos comentários feitos pelo vocalista.
Retomaram o concerto com “Innocence”, que seria também a última música da noite para eles, pedindo o apoio do público, que correspondeu efusivamente.
Às 22h15 foi a vez dos Inner Blast darem início ao seu concerto e também ele incidiu no seu material “mais fresquinho”. A introdução de “There´s No Pride in This War” começou a fazer-se ouvir, enquanto a banda tomava o seu lugar no palco. Este tema explora em muito as capacidades vocais de Liliana, deixando-a logo apresentada para os poucos presentes que ainda não conhecessem Inner Blast. “Throne of Lilith” e “No Strings” antecederam a grande malha que é “O Teu Veneno”, que muito possivelmente será para sempre obrigatória nos seus concertos. Liliana fez os respetivos agradecimentos enquanto o baterista Nuno tentava remediar uma situação com o seu kit de bateria. “Feel the Storm” levou-nos a visitar o anterior álbum “Prophecy”, antes de mais dois temas de “Figment of the Imagination”, precisamente a faixa que dá nome ao álbum e “Mankind”. Este novo trabalho está realmente muito bom, oferecendo uma quantidade muito significativa de temas para serem tocados ao vivo, o que dificulta a escolha. Só assim se compreende que um tema como “Can I Believe” tenha ficado de fora. Este concerto de heavy metal terminou de grande forma com “Insane”, o segundo tema retirado de “Prophecy”.
Havia uma certa expetativa em torno do concerto dos Uivo Bastardo. O metal industrial do seu álbum de estreia conquistou muitos adeptos. A qualidade dos seus temas, quer instrumentalmente, quer pela qualidade das letras, todas em português, conduziu a isso. O alinhamento parecia estar a querer respeitar a ordem do álbum “Clepsydra”. Depois da intro “De Profundis”, “Tormentório”, “Ignífero” e “Fuga Mundi” foram descarregadas de forma bruta, captando a atenção de todos os presentes, quer dos que já os conheciam, quer daqueles que foram surpreendidos pela sua música. O vocalista Hélder Raposo tirou algum tempo para dar os parabéns à Ethereal Sound Works e para informar que, por motivos pessoais, o guitarrista João Tiago não pode estar presente, sendo substituído neste concerto por Paulo Basílio, dos Deserto. O alinhamento seguiu com “Eterno Retorno” e a grande malha “Miasma”. “Refugio” e “De Muito Longe Vem o Eco do Teu Uivo” foram os últimos temas apresentados numa atuação de quarenta minutos rica em poesia, que encerrou da melhor forma ao som de mais um poema, este retirado de “Clepsidra”, um livro do poeta Camilo Pessanha.
A noite iria continuar com música cantada em português e logo por um senhor muito respeitado dentro do panorama musical do nosso país. Pode parecer improvável, mas aconteceu. Fernando Girão, filho de músicos, com uma vida toda ela também ligada à música, abraçou no final de 2018 este projeto que é, de certeza, o mais pesado na sua vasta carreira. Os concertos dos R.A.I.V.A não são numerosos (a estreia ao vivo aconteceu já no segundo semestre do ano passado), o que os torna ainda mais apetecíveis e um autêntico privilégio presenciá-los. O metal agressivo deste quinteto começou a ser tocado às 00h30, para uma quantidade de resistentes que queriam comprovar, ao vivo e a cores, a qualidade destes temas, todos eles com letra de Fernando Girão. “A Vida é dos Que Acreditam” marcou o início deste concerto e foi o suficiente para comprovar a qualidade musical destes senhores. Para alem do vocalista, também a guitarra solo de Ricardo Mendonça e o trabalho de bateria de Ricardo Pinto se destacam. A entrega dos restantes membros da banda é também ela enorme, é notório que disfrutam cada minuto em palco. As letras das músicas dos R.A.I.V.A apelam ao inconformismo e à revolta: “Eu Não Vivo Eu Sobrevivo”, “Partidos & Quebrados” e “Filho da Maldade” são apenas alguns dos exemplos dos temas que podem ser encontrados no seu disco de estreia “Raiva”, que foi tocado na integra nesta noite. Treze temas descarregados em uma hora de atuação, o que prova que, apesar de Fernando Girão afirmar estar velho e ter pedido ajuda ao público para cantar com ele “Herdeiro da Parada”, continua aí para as curvas.
Mais uma daquelas noites que quem presenciou, não vai decerto esquecer. Quatro bandas portuguesas, diferentes gerações de músicos e diferentes estilos musicais, num concerto proporcionado pela Ethereal Sound Works que procurou desta forma assinalar os seus dezassete anos de existência e que merecia mais público. Venham muitos mais, acompanhados de mais eventos com esta qualidade.
Texto por António Rodrigues
Fotografias por Vasco Rodrigues
Agradecimentos: Ethereal Sound Works