Corria a noite quente de 3 de Junho de 2011, quando os norte-americanos Anti-Flag desembarcavam na sala TMN ao Vivo para, pela primeira vez em Portugal, mostrar como ainda é mais que necessário fazer punk rock de contestação política e social, face ao continuar dos desequilíbrios mundiais. Por essa altura traziam debaixo do braço o álbum “The People or the Gun”, e a banda de abertura da estreia no nosso país era os nacionais Fitacola.
Nove anos passaram sem termos Justin Sane e Chris#2 novamente em Portugal, mas esse dia chegou no passado dia 8 de Janeiro, com a banda a escolher a sala lisboeta do RCA Club, para dar o pontapé de saída da digressão europeia de apresentação do novo disco “20/20 Vision”. Desta feita, porém, a banda de Pittsburgh trouxe consigo as suas próprias escolhas de suporte, com a inclusão no cartaz de The Homeless Gospel Choir e Dream Nails, ambos os projetos em estreia absoluta por cá.
Com o relógio a marcar pontualmente as 20h45, The Homeless Gospel Choir (aka Derek Zanetti) entrou em palco munido apenas de uma guitarra semi-acústica, dedilhando “With God On Our Side”, uma canção plena de crítica ao estilo de vida norte-americano. Com uma sala já a mostrar um bom número de presentes, Zanetti desliga a guitarra da amplificação e decide que, a partir daquele momento, o palco é no meio da plateia do RCA, com o público imediatamente a efetuar uma rodinha improvisada, acompanhando o cantautor com palmas e arriscando nos coros. A partir daí tivemos um concerto completamente acústico e de carácter intimista, sempre com a intervenção política como pedra de toque, como o artista fazia questão de explicar, aquando da introdução de cada nova música. “Seasonal Depression” e “Blind Faith” ficaram mais no ouvido nesta estreia auspiciosa.
Completamente diferente foi a atuação das londrinas Dream Nails. Assumindo-se desde logo como um grupo de “queer rock”, o quarteto feminino liderado por Janey Starling tomou o palco de assalto, com o seu pop punk e uma vocalista bastante irrequieta. Com temáticas ligadas ao racismo, xenofobia e preconceito, e muito interventivas entre músicas alertando para diversas situações de violência de género, foram percorrendo a sua ainda curta discografia, da faixa título do EP de estreia de 2016 "DIY" às mais recentes "Text Me Back (Chirpse Degree Burns)" e "Jillian". Pelo meio o quarteto de ativistas alertou para os problemas de intolerância que afectam os dias de hoje, um deles a violência doméstica, com a guitarrista e fundadora da banda, Anya Pearson, a relatar a morte de duas mulheres às mãos dos seus parceiros, a cada semana, no Reino Unido, antes de iniciarem "Kiss my Fists", dedicado a duas raparigas selvaticamente agredidas recentemente, no autocarro, apenas por serem lésbicas. Trinta minutos de uma energia contagiante, por parte de um coletivo que não escondeu a alegria, por estar a pisar solo português pela primeira vez.
Altura de receber os Anti-Flag para o início da digressão europeia, de promoção a "20/20 Vision", e nada melhor que arrancar com a faixa que serviu de aperitivo ao disco, a editar na próxima semana. "Christian Nationalist” mostrou desde logo que a banda não iria guardar energias para as datas seguintes, com Chris#2 a brindar a sala cheia com os seus habituais saltos. A plateia mostrou também que tinha a lição estudada, cantando de ponta a ponta a nova faixa, mas foi quando "Press Corpse" arrancou logo de seguida que a festa realmente começou. Formaram-se os primeiros circle pits junto ao palco e um ou outro fã mais afoito mergulhou para o meio do público.
Sempre preocupados com deixar a sua mensagem contestatária e de luta por um mundo mais igual, o que é facto é que os temas iam sendo encadeados uns nos outros, deixando pouco tempo para respirar. Nove anos é muito tempo para estar fora de contacto dos fãs nacionais e foi com muito agrado da plateia que Justin Sane comunicou que sabia que Lisboa era o melhor sítio para arrancar com esta digressão. De coração ou palavras de circunstância, o que é facto é que, quando vi a banda em 2018 no Resurrection Fest, o empenho e a reciprocidade foram muito inferiores. Somos mesmo um público fabuloso quando queremos, e fizemos questão de mostrar isso mesmo em faixas como "Stars and Stripes", "Turncoat" ou "American Attraction".
É interessante ver como ao vivo, a banda joga com as personalidades tão diferentes entre o fundador Justin, mais recatado (se é que isso é possível numa banda punk) e o carismático e sempre irreverente Chris#2, o baixista que toma sempre as rédeas quando é para denunciar algo que de errado acontece. E com o seu baixo com um autocolante a dizer "NO WAR IN IRAN" e o enorme pano com Trump desfocado a olhar de alto sobre a banda, da autoria de Doug Dean, era óbvio qual o tema em agenda para esta noite. "Das ruas de Lisboa para as ruas do Irão" antecedeu "The Smartest Bomb", para logo de seguida atacarem um bloco de clássicos como "Fuck Police Brutality", "Mind the G.A.T.T." ou "1 Trillion Dollar$**", logo seguida da nova "Hate Conquers All", novamente bem sabida pela plateia, e a terminar com "The End" cantada em uníssono.
Já se sabia que o final de um concerto dos Anti-Flag é sempre com “Die For The Government” mas a meio Chris decidiu que a plateia merecia fazer parte da despedida, e com metade da bateria instalada no meio da sala e ele próprio em cima do bombo, terminou a celebração com um até já. Antes, Justin tinha prometido nunca mais ficarem nove anos sem nos visitar. Todos esperamos que cumpram...
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Texto e fotos: Vasco Rodrigues
Agradecimentos: Hell Xis