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Entrevista aos Benthik Zone


O duo do Porto, Benthik Zone, constituído por Artur Neto e Francisco Braga, regressou no passado mês de setembro com o álbum "Omni Quantum Univers". Um trabalho plurdisciplinar de dimensões cósmicas, que promete entranhar o ouvinte no seu próprio subconsciente, redescobrindo-se, a si, e ao pêndulo cósmico de toda a existência.

M.I. – Com “Omni Quantum Univers”, o vosso quinto lançamento, quebraram a maior pausa entre lançamentos até à data. Por que razão, na vossa perspetiva, foi este lançamento mais demorado?


Bem, naturalmente demorou mais tempo que os anteriores lançamentos, dada a complexidade que apresenta, a diversos níveis: compositivo, conceptual, estético e técnico. Durante o processo da criação muito foi alterado e repensado, quase ao ponto da loucura, pois enfrentamo-nos com o desafio de exprimir algo que tivesse como origem a totalidade das realidades intrínsecas e extrínsecas do cosmos e da criação. Tal esmiuçar da realidade não é feito de ânimo leve e a nossa atenção e concentração foi imensa. Se assim não fosse, aquilo de que vive o "Omni" (todas as transições que lhe dão o cariz de viagem, já antes experimentadas, mas agora maturadas) afundar-se-ia como fôlego afogado na mera incompreensão.

No fim, passados 21 meses desde o começo das gravações, e já com um atraso de 5 meses, tivemos de o publicar. Estava eu completamente alucinado na busca da perfeição, que se não fosse pelo Artur, ter-me-ia perdido nisso. Foi ele estar farto de esperar por algo que era inalcançável, dizendo que a busca pela perfeição total é uma utopia e de cada vez que se altera algo para atingir esse ideal perde-se informação possivelmente importante e relevante, portanto era altura de aceitar o que havia sido feito, com os seus defeitos e virtudes.

Um outro fator que contribuiu para a decisão de adiar o lançamento e para este ter este tempo suplementar foi o de me terem sido ensinadas técnicas de produção e masterização essenciais para a audibilidade do álbum mas que, por conseguinte, me puseram a repensar tudo o que até então tinha gravado.

M.I. – Já têm planos para o futuro, acerca de quais os caminhos que pretendem seguir com os Benthik Zone, agora que o ciclo conceptual dos vossos lançamentos até à data foi concluído?


Sem dúvida que sim. Costumamos dizer entre nós que este foi acima de tudo um reconhecimento do território em volta do universo musical, através da experimentação e sem compromisso. Quase como um nadar de baixo de águas profundas e obscuras, que requereu um adaptar dos sentidos de modo a poder apreciar as belezas escondidas nessa penumbra. Já temos previstos dois lançamentos.


M.I. – No “Omni…” referiram um conceito que me despertou intriga, porém, não sei ao certo se descortinei por completo o seu significado e na minha posição poderão estar outros ouvintes. Qual a vossa interpretação acerca do “Fio” a que se referem nas faixas “I ~ Fio treme o Electrão” e “I ~ Universo tece o Fio”?

Este conceito parte do nosso interesse encontrado no aliar das temáticas mecânica quântica com a da relatividade geral. Um êxtase na interpretação da contradição entre ambos estes pontos de vista quando confrontados um com o outro, mas que quando testados em si mesmos se comprovam sem a menor sombra de dúvida. A nosso ver, este paradigma da física moderna merece um novo olhar, uma “Fuga à ciência dos nossos dias”, tão iludida pela vontade de se comprovar tudo com as mesmas ferramentas de sempre, tratadas com o mesmo julgamento empírico de sempre, constantemente à procura de chão onde se assentar a “verdade absoluta”, para por fim se poder dormir descansado. Isto é naturalmente discutível, porque a ciência contemporânea tem cada vez menos certezas porque os seus métodos e conhecimentos são cada vez mais complexos. Não procuramos respostas estanques, não nos contentamos com verdades idílicas e absolutas.

Cabe-nos o papel de interpretação do Ser, em paz com as suas fases de despojo do sentido como regra, para depois abrir os braços ao seu oposto - o momento de sentido pleno. Ainda que tudo uma ilusão, que bela ilusão o é. O Fio de que falamos é, portanto, a unidade mais elementar com que estes ramos da física se deparam nas suas equações. A representação mais clara do momento presente. O fim das divisibilidades, até que, ao se passar para além deste, encontramos o começo das divisibilidades.

O redefinir do indefinido. Onde então se via a mais pequena porção de tempo e espaço manifestados em pura energia efémera, agora se compreende o modo como este alberga o eterno, o tudo o que foi, é, e virá; assim como o tudo o que poderia ter sido, estar a ser, e vir a ser. Tudo compilado no momento em que escrevemos isto, e em ti ao nos leres.


M.I. – Este projeto é sem dúvida o mais ambicioso que fizeram até à data. O que vos levou à decisão de um filme para acompanhar todo este álbum? Falem um pouco de como foi o processo criativo e de realização deste filme, assim como o que quiseram transmitir com ele que não conseguiam apenas com a música.

Em primeiro lugar, gostaríamos de referir que o lançamento do álbum em conjunto com o filme serviu como mais uma afirmação do caracter interdisciplinar da nossa prática, da nossa vontade de procurar novos meios, novas formas de traduzir as nossas ideias, as nossas frustrações e as nossas dúvidas em relação à existência. Em segundo lugar, interessa-nos falar um pouco daquilo que são os princípios e objetivos nucleares do nosso projeto, que naturalmente se ligam ao conteúdo que mais nos importa transmitir: Benthik Zone procura sempre que o seu trabalho seja denso e forte, que faça parte da vida dos seus membros de uma forma integral e demonstre o delírio das suas existência. Benthik Zone é um projeto que ignora ou vai contra as “modas”, pois estas refletem de certa forma a perda de identidade, porque são quase sempre o resultado da adopção de um”estilo” por parte de uma maioria que o “compra” de forma acrítica e, em resultado disso, são também sempre muito passageiras: são apenas espetaculares, superficiais no sentido pejorativo, enfeitiçam, mas o feitiço não dura muito, perdendo rapidamente o significado porque é algo que acontece ao nível da forma e não do conteúdo.

O nosso trabalho mais recente navega numa ficção maravilhosa de um futuro distante e, por vezes, em instâncias e momentos do passado. Através dele o espectador pode intuir a complexidade e o infinito do real a partir de um espectro de imagens/representações que vão do micro ao macro-cosmos das partículas, passando pela escala humana e terminando com a imensidão do Apeiron. O espectador viaja através de uma realidade imaginada, dificilmente palpável. A partir da visualização dos diferentes vídeos pertencentes ao filme, criam-se múltiplas relações de simbiose, metamorfose e hibridismo. É nosso desejo que este projecto nos deixe curiosos e nos faça perguntar, a partir de uma representação imaginária, sobre a relação do oculto e do visível, do caos e da criação, conceitos que se inserem numa ideia de ciclo sem fim, de um transformação constante. Nas representações em que o desenho é utilizado, sobressai a necessidade de ficcionar a realidade “objectiva”, que é uma estratégia que nos permite ter uma atitude menos tensa e mais descontraída para com a realidade e assim conseguimos fugir de uma matriz apenas objectiva e alcançar uma maior liberdade e profundidade na forma como se reflete e percepciona as diversas realidades da vida. Por outro lado, o olhar a realidade atentamente faz com que encontremos sempre pistas “biográficas” que permitem conhecermo-nos de forma mais profunda. Quando utilizamos o vídeo como meio de expressão e registo, não procuramos a objetividade nem uma forma de expressão fria (desapegada) de retratar e documentar um determinado espaço, procuramos sim criar imagens que possuem uma energia essencial, uma beleza cabal, uma emoção e um mistério.

Revemo-nos muito na frase de Emmelene Landon “Quero fazer o meu trabalho como um guerreiro. Tudo tem de vir de dentro de mim e confrontar-se comigo.” No nosso projeto existe sempre a verdade do que é ser humano: tristeza, alienação…, mas a força de vontade e a ambição é tal que não há descanso na análise e na recriação ou questionamento do mesmo. Somos obsessivos e resilientes quando trabalhamos, mas não sabemos parar e quando paramos não nos sentimos bem em o fazer. Há uma insatisfação contínua relativamente ao resultado final que alcançamos. Algo que só nos torna mais fortes.




M.I. – Quais são algumas bandas atuais no campo da música experimental que vos despertam particular interesse e são uma fonte de inspiração para a vossa música? Que outros aspetos vos cativam para realizar o vosso projeto, sejam outras artes, aspetos do quotidiano, natureza, etc.?


Como experimentais no seu tempo: Summoning, Blut Aus Nord, Darkspace, The Ruins of Beverast, Mysticum, Paysage D’Hiver, Urfaust, Deathspell Omega, Lustre, Windir, Drudkh, Negura Bunget, Ulver, Graveland, Grausamkeit… Metal actualmente: Turia, Lantlôs, Laster, Thy Catafalque, Esoctrilihum, Fluisteraars, Thantifaxath, Yellow Eyes, Darchon, Leviathan, ColdWorld, Sunn O))), Botanist, Almyrkvi, Abyssal, Oranssi Pazuzu, Ex Eye, Aevangelist, Misþyrming, Spectral Lore, Battle Dagorath, Lunar Aurora, Earth and Pillars, Mesarthim, Mare Cognitum, Heretoir, Sun Worship, Ustalost, Astarot,…

Livros, Poemas, Filmes, Fotografias, Pinturas, Esculturas, Arquitecturas,… Basicamente tudo a que somos sensíveis. Sonhos e Memórias.




M.I. – Vocês investem muito tempo na componente visual dos vossos álbuns, não só nas capas, como no merchandise e no produto físico dos vossos álbuns. O que pretendem transmitir vocês com estes aspetos e como querem que isto influencie aqueles que compram fisicamente os vossos álbuns? Quais são alguns artistas atuais que vocês admiram no que toca a artwork de música?


Alan Brown, Fursy Teyssier, Bruce Pennington, Moonroot, Glyn Smith, Wrest,… O nosso interesse novamente é de afirmar o caracter interdisciplinar da nossa prática, da nossa vontade de procurar novos meios, novas formas de traduzir as nossas ideias, as nossas frustrações e as nossas dúvidas em relação à existência e através disso conseguirmos cativar um público mais amplo.


M.I. – Nos últimos anos o tema das alterações climáticas, consciência ambiental e necessidade de sustentabilidade ecológica tem vindo a ganhar mais vozes. No entanto, fora algumas escassas e pontuais medidas políticas e o populismo presente nas declarações de “estado de emergência climática”, pouco tem vindo a mudar e acontecer, sendo que claramente o processo de mudança não está a ocorrer ao ritmo que deveria ser o ideal. Qual a vossa opinião acerca deste assunto. Acham que a mudança passa apenas pelos cidadãos e iniciativas individuais, ou são necessárias ações do lado dos órgãos de poder?

Vivemos numa sociedade contemporânea que por vezes cria um optimismo fútil nas pessoas, ou num lado oposto, um excessivo niilismo e descrença na possibilidade de mudança positiva das suas diversas instituições e dos seus respetivos interesses. Achamos que é necessário ultrapassar este otimismo fútil e trazer soluções reais para a causa ambiental, e para isso é necessário começar pelo estilo de vida individual de cada um, e através dessa atitude influenciar os governantes, ainda que pareça uma missão impossível.


M.I. – Vocês são um projeto que toca muito no tema de espiritualidade, da harmonia e do caos e na criação. Aos vossos olhos, como interpretam o caminho que leva o planeta e a sociedade face ao sistema de gradual degradação ambiental que ainda vemos hoje, aos climas de conflito que têm sido gerados nos últimos tempos (Bolivia, Chile, Brasil, França, etc) motivados por desigualdades sociais, crises raciais, etc. O mundo parece estar a caminhar para o caos. Que posição mantém vocês face a isto? O que acham que se segue?


Atentemos ao que nos diz Elena Pulcini [ Reaprendendo a temer: A Perceção dos riscos na era Global: “(...) aos dois riscos globais fundamentais: a ameaça nuclear e o aquecimento do planeta, que põem em situação de vulnerabilidade todos os seres humanos, toda a humanidade. O resultado de tudo isto é, evidente, um estado de insegurança geral, criador de uma generalizada sensação de medo que expõe todos os membros da sociedade mundial a um estonteante sentimento de impotência e desorientação, ao espectro da (perda de domínio) sobre os acontecimentos e as suas próprias vidas.” Estes riscos são uma preocupação pessoal e são fatores que afetam todos os organismos vivos na Terra. ] do livro: Humanidade Ameaçada: a Gestão dos Riscos Globais de Daniel Innerarity e Javier Solana


A partir desta citação compreendemos que as nossas ações e formas de intervir no mundo foram tantas e a uma velocidade tão alucinante, que é impossível prever ou encontrar uma solução fiável para o mal que causámos.


M.I. – Muito obrigado pela vossa disponibilidade e por terem aceitado a entrevista. Deixo-vos a última palavra para deixarem uma mensagem aos vossos ouvintes ou aos leitores, ou para falarem acerca dos Benthik Zone ou outros projetos vossos que possam querer partilhar.

Agradecemos o apoio de todas as pessoas que nos têm acompanhado nesta viagem.

Entrevista por Filipe Mendes