Quando eu era um jovem apreciador de metal, nos finais da década de 80, Portugal era um deserto no que toca a concertos de sons mais pesados, e quando havia algum, por exemplo no mítico Pavilhão do Dramático de Cascais, enquanto se aguardava a entrada era muito comum passar em revista as bandas que cada um de nós sonhava ver ao vivo diante de nós. Para mim, para além de Metallica ou Megadeth, Possessed estava invariavelmente na lista, fruto da escuta do disco de estreia "Seven Churches", comprado numa ocasional viagem a Madrid de férias. Foi o primeiro contacto com o death metal e que fez com que os meus gostos mudassem um pouco, com o acrescento de mais "peso" ao que já ouvia. Dito isto, foi preciso esperar até ao dia 18 de Junho de 2019 para ver com os próprios olhos Jeff Becerra e a sua banda por cá, pela mão da Hell Xis Agency.
Algumas horas antes do evento foi transmitida a notícia que os Nordjevel tinham tido problemas com o autocarro e não viriam tocar ao RCA, pelo que ficava "apenas" entregue aos lisboetas Burn Damage a tarefa de abrir as festividades. E escrevo apenas entre aspas porque a honra para o quarteto foi tal que isso transpareceu na entrega com que tocaram durante aqueles 50 e poucos minutos, e proporcionaram a uma sala quase cheia uma performance brilhante. Inês Freitas sem parar por um momento que seja, brindou os presentes com uma grande interpretação dos temas mais reconhecidos de "Age of Vultures", como “Total Chaos” ou “Refugee”, e tivemos oportunidade de olhar um pouco para o disco que aí vem, com "Vortex", parte de uma trilogia de EPs que a banda tem gravado desde Abril último, e que merece atenção especial.
Finda a performance dos lisboetas era altura de preparar o palco para a chegada dos norte-americanos, especialmente com a montagem de uma rampa para que Jeff Becerra conseguisse subir, ele que está paralisado da cintura para baixo devido a uma tentativa de assalto falhada em 1989, quando recebeu dois tiros à queima roupa. Impaciente, o público que enchia a sala do RCA ia apupando e assobiando, obrigando Inês Freitas por duas vezes a pedir mais calma e respeito para com a condição física do líder dos Possessed. Finalmente foi dada ordem para que uma clareira se abrisse junto ao palco e Jeff foi levado para a frente de palco, arrancando a celebração logo de início com o estonteante “No More Room In Hell”. A banda trazia disco novo na bagagem, “Revelations of Oblivion”, de onde foram tocados com enorme mestria faixas como "Abandoned" ou "Graven", mas o que o público queria mesmo eram os clássicos. Jeff não se fez rogado, e entre muitos cumprimentos a quem estava na frente da plateia e largos sorrisos estampados no rosto, foi debitando “The Heretic”, "Swing of the Axe", “The Exorcist” ou “The Eyes Of Horror”, com aquela voz tão característica e reconhecível para quem ouvia os discos no final da década de 80. A plateia foi também demonstrando o carinho que nutre pelo carismático Becerra e pelo seu enorme exemplo de vida, que o faz percorrer o mundo fisicamente incapacitado mas a dar 120% em cima do palco. Até mesmo quem foi ensaiando algum stage diving teve um carinho especial para com ele, que retribuiu sempre com um aperto de mão e um sorriso.
O final não poderia ter sido com outra faixa senão "Death Metal", o clássico dos clássicos, que deu nome à demo de estreia e consequentemente a um novo estilo de metal. Incrivelmente (ou talvez não, para quem esteve ali naqueles 90 minutos), Jeff Becerra não quis deixar Lisboa sem uma música mais, já completamente fora do alinhamento. E foi mesmo a sua vontade, contrariando a inércia e até alguma recusa por parte da sua banda, que o RCA teve direito a um fenomenal “My Belief”. Mas acredito que se o deixassem, ele ainda estava lá em cima do palco hoje a sorrir e a ensinarnos a todos que os sonhos não são passíveis de desistência!!
Quanto a mim, cheguei a casa, tirei o pó ao vinil e fui relembrar a minha adolescência!!
Texto e Fotos: Vasco Rodrigues
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Agradecimentos Hell Xis