Quando em 1986 os irmãos Pete e Lou Koller fundaram a banda de hardcore Sick of it All, dificilmente teriam imaginado o fenómeno de culto que, em pleno século XXI, a banda de Queens atingiu. Os SOIA são presença habitual no nosso país a cada novo álbum editado (relembro passagem em 2015 e 2016), mas o cancelamento da data de 2018 no Lisbon Tattoo Fest veio levantar dúvidas sobre a apresentação em Portugal do novo disco "Wake The Sleeping Dragon". Quem nunca desanimou foi a Hell Xis Agency, que rapidamente sossegou as hostes com o anúncio da data de 21 de Abril de 2019 para o regresso dos nova-iorquinos, ainda para mais com o bombom adicional de voltar a ver em terras lusas os californianos Good Riddance, adfastados das nossas costas desde 2001 (quem se lembra do concerto no Paradise Garage?). Além disso, na semana que antecedeu o concerto, foi também anunciado que os catalães Blowfuse iriam fazer a primeira parte da tour europeia dos GD, juntando-se assim ao cartaz de Lisboa.
Pouco passava das 20 horas quando a Hell Xis colou na porta do RCA o tão ansiado papel a anunciar "Lotação Esgotada", mais um carimbo de qualidade no evento da promotora nacional, ela que tem sido incansável no trabalho de divulgação do punk, hardcore e metal extremo no nosso país. Uma sala muito bem composta recebeu calorosamente o regresso a Portugal do quarteto espanhol Blowfuse, que ainda umas semanas antes tinha feito uma mini digressão por terras lusitanas, e que a cada prestação vai ganhando adeptos por estas bandas. Com "Daily Ritual" como pedra de toque, Oscar Puig e seus muchachos não fugiram muito ao alinhamento que tinham apresentado nas datas anteriores (ver a nossa reportagem do concerto no Popular Alvalade), agora com uma sala bem maior para os ouvir e apoiar, e um pouco menos de tempo para o fazer.
"Dreams" iniciou a festa, com um público ainda pouco interventivo, algo que se seguiu com "Behind the Wall" e "Bad Thoughts", mas depois de Puig pedir a todos que dessem um "passito" em frente, quando arrancaram os acordes de "Ripping Out", pareceu que a plateia percebeu realmente que a festa era para ser feita ali e agora. Até final de um concertaço, destaque para a tripla final "Angry John", "Outta My Head" e "Radioland", sem esquecer a energia do jovem vocalista, que descalço em palco ia saltando como se tivesse molas nos pés. Um aquecimento bastante eficaz para o que viria a seguir.
E a seguir vieram os californianos Good Riddance, que brindaram Lisboa com um alinhamento de temas que passa em revista toda a sua discografia, arrancando o caos na plateia com "Weight of the World", uma das seis faixas retiradas do disco "A Comprehensive Guide to Modern Rebellion" que a banda de Santa Cruz trouxe para esta digressão. "Half Measures", a unica retirada de "Peace in our Time", o disco que saiu da reunião da banda depois de um hiato entre 2007 e 2012, rapidamente mostrou a qualidade do publico portugues, a ajudar Russ Rankin, enquanto se formavam enormes mosh pits e muitos experimentavam voar do palco para a plateia, algo que não tinha ainda acontecido. Embora Russ seja o unico membro original da banda, o guitarrista Luke Pabich, o baixista Chuck Platt e o aniversariante baterista Sean Sellers tocam juntos o reportorio dos GR desde meados dos anos 90 ou antes, estando perfeitamente capacitados para tocar "Mother Superior" do disco de estreia "For God and Country" de 1995, por exemplo.
No meio de um alinhamento com tantos classicos entoados a plenos pulmoes pela plateia, como "Last Believer", "Salt", "Letters Home" ou "Libertine", fica dificil escolher um ou outro tema que tenha sobressaido, mas ficou mais na retina "Up and Away" e "No Greater Fight".
Demorou um piscar de olhos a colocar o pano de fundo com a capa do ultimo disco de originais dos Sick of it All e a consequente entrada em palco dos irmaos Koller, secundados pelo baixista Craig Setari e o baterista Armand Majidi. Uma actuacao ao vivo dos SOIA vive e muito da exuberancia do guitarrista Pete Koller, endiabrado em palco, enquanto Lou assume o papel de frontman e instigador do publico, sempre a comunicar com a plateia.
"Take the Night Off" arrancou a data portuguesa da digressão deste ano, e o tema retirado de "Death to the Tyrants" (o unico disco editado para a Abacus antes desta abrir falencia) iniciou a festa na plateia, algo que se manteve constante ao longo dos 90 minutos de actuacão, com mosh e crowd surfing em doses industriais. O alinhamento escolhido para esta digressão foca, obviamente, no novo material, com grande parte de "Wake The Sleeping Dragon" a ser apresentado ao vivo, com destaques para "Inner Vision", "That Crazy White Boy Shit" ou o hiper rapido "Self Important Shithead".
Mas quem já viu esta banda ao vivo sabe que a sua discografia esta repletea de temas fortes e iconicos do panorama hardcore internacional, como "Sanctuary" (o publico em delirio a ajudar a cantar a faixa por completo), "Us vs. Them" ou o fabuloso "Clobberin' Time", que a par de "Friends Like You" fazem regressar ao inicio de vida do quarteto de Queens. Para o final, os dois classicos do disco de 1994, "Scratch the Surface", o primeiro para uma major, com o tema titulo do disco logo seguido de "Step Down" a esgotar qualquer restia de energia que ainda estivesse armazenada.
Texto e fotos: Vasco Rodrigues
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Agradecimento: Hell Xis Agency