O caminho para Vagos tem vindo a ser feito mensalmente com romaria à sala do RCA Club em Lisboa, muito por “culpa” (no óptimo sentido) da Amazing Events e da sua decisão de ir aguçando a expectativa da comunidade metálica para com o mega evento de Agosto, com saborosos bombons estrategicamente distribuídos, apostando em bandas que não fazem parte do cartaz final mas que, de alguma maneira, estão ligados ao festival.
E enquanto meio país se preparava para as “palhaçadas” do fim de semana alargado de Carnaval, os amantes do punk/crust tinham a sua oportunidade, o seu bombom, com o regresso a Portugal dos britânicos Discharge, eles que tinham dado um dos melhores concertos da edição do Vagos Metal Fest em 2016. Como suporte, os representantes máximos do crust nacional, os incontornáveis Simbiose, também eles com memorável prestação na Quinta do Ega o ano passado.
A banda liderada por Jonhie arrancou com “Total Descontrolo”, mas isso ficou mesmo pelo nome do tema. A plateia do RCA, que mostrava já boa afluência, permaneceu bastante morna, reagindo pouco aos constantes apelos do frontman dos Simbiose para que alguém mostrasse alguma energia. Só aos primeiros acordes de “Ignorância colectiva”, seguido de “Acabou a Crise...”, se notou alguma movimentação, apesar da brilhante e incansável prestação dos músicos em palco.
“Será que há Vida depois da Morte” foi dedicada a quatro grandes perdas para a comunidade punk rock nacional – João Ribas (Tara Perdida, Censurados), Fernando Serpa (Kú De Judas), Rui Rocker (Crise Total) e o “seu” Sérgio “Bifes”, e “Pointless Tests” contou com a presença do primeiro vocalista da banda, Hugo “Mosgo”, pontos mais altos da prestação da banda lisboeta, mas a passividade da plateia acabou mesmo por arrancar alguns comentários mais corrosivos por parte de Johnie, a criticar quem passou o concerto “dedicado a tirar selfies” em frente ao palco. Uma pena, realmente, pois a banda merecia mais respeito. Para o final, a dedicatória ao público com “Parados, Humilhados, Calados”...
Um check-sound que durou uma eternidade foi aumentando a impaciência de um público que parecia estar a guardar energia para a banda de Stoke-on-Trent, e assim que arrancou “River Runs Red”, o RCA explodiu em tumulto, de tal maneira que nem o gradeamento que separava plateia e palco durou muito tempo. Com a sala bem composta e o mosh constante, os Discharge percorreram a sua discografia de quase 40 anos, com os membros fundadores Royston "Rainy" Wainwright no baixo e os guitarristas Anthony "Bones" Roberts e Terence "Tezz" Roberts a mostrar que velhos são os trapos, apesar do protagonismo ir sem sombra de dúvida para a prestação do vocalista Jeff "J.J." Janiak.
As músicas do início da carreira da banda, nomeadamente dos primeiros Eps ou do primeiro disco da banda, o influente “Hear Nothing, See Nothing, Say Nothing” de 1982, como "The Nightmare Continues”, foram recebidas em êxtase, assim como “Hype Overload”, “Corpse of Decadence” ou "Accessories by Molotov”, do auto-intitulado disco de 2002, enquanto que o alinhamento deixou de fora os discos que mais se afastaram do hardcore punk característico.
Não houve encore nem “Free Speech For The Dumb”, mas que importa quando a nossa roupa está colada ao corpo e temos um sorriso de orelha a orelha quando saímos da sala? O caminho para Vagos vai sendo cada vez mais curto, mas vamos percorrendo-o alegremente, graças a noites como estas...
Texto e fotos: Vasco Rodrigues
Mais fotos aqui
Agradecimento: Amazing Events