Os poucos mas assíduos e fiéis admiradores da prolífica cena nacional de Black Metal, reuniram-se mais uma vez no RCA Club, desta vez para testemunhar a apresentação dos novos álbuns de Black Howling e Irae, muito bem recebidos internacionalmente dentro deste nicho musical.
Os Black Howling entram, para uma plateia ainda muito reduzida (e que provavelmente não chegou a ultrapassar metade da capacidade do RCA). Iniciam o set com uma música que não faz parte do novo LP mas que não é de todo menos potente. Com o seu som monolítico e melancólico de Black/Doom rastejante e angustiante, a banda envolve a plateia na escuridão e misticismo, debaixo do peso enorme da atmosfera que evocam. Logo desde início podemos notar um problema sonoro que nos acompanha, infelizmente, durante toda a atuação, pois o som proveniente da guitarra de um dos membros, que toca a maioria dos solos da banda, estava inaudível debaixo de toda a avalanche de som protagonizada pelos Black Howling, e muito abafado pelo baixo que fazia tremer todo o RCA com as suas revibrações abismais.
O primeiro acorde dissonante, da faixa de introdução ao álbum, como um vendaval, começa a ressoar e os Black Howling iniciam assim a apresentação do “Return of Primordial Stillness”, brilhante álbum que tinham tocado já uma vez este ano no concerto de despedida de Inverno Eterno. De seguida, entra o riff mais pesado e rastejante deste registo que cativa logo o ouvinte. Logo nesta faixa podemos testemunhar os pontos mais fortes da banda durante esta atuação, são eles o monolítico som do baixo, os excelentes e arrepiantes growls dos backing vocals e a excelente, dramática e sofrida prestação em palco do vocalista, que se parece com um guerreiro solitário, perdido e enlouquecido pelas chagas dos seus atos, coberto pelo “sangue” da sua pintura e com um colar ao peito com vértebras daqueles que caíram perante ele. A prestação vocal do frontman é também de destacar, em especial os brilhantes e cerimoniais vocais limpos que tanto enriqueceram este álbum. E foi esta a sonoridade que nos foi acompanhando ao longo de todo o concerto, com o senão de, devido aos problemas sonoros, os riffs mais rápidos em tremolo picking e acompanhados pelos blast beats primitivos do baterista serem dificilmente distinguíveis debaixo de toda a barragem sonora (assim como os brilhantes melódicos solos de um dos guitarristas) mas que criaram, mesmo assim, momentos esmagadores de Black Metal no seu estado mais despido e primitivo.
Os Black Howling terminam o set com a faixa que encerra o álbum, “Cosmic Oblivion”, a bela e catártica instrumental e ao cessar, tendo cumprido o seu papel, retiram-se do palco solenemente, sem se dirigirem ao publico, tão cripticamente como já nos habituaram.
De seguida entram nas contas Irae, a banda encabeçada por Vulturius, um veterano do underground nacional, para apresentar o explosivo “Crimes Against the Humanity”, lançado no passado ano de 2017 e que já passou por vários palcos desde então. E presenteiam-nos com aquilo que fazem melhor, um som explosivo e veloz de Black Metal puro, sem rodeios, repleto de riffs tremendos, excelentes hooks e momentos de headbanging incessante.
Abrem as hostilidades com a frenética “In the Name of Satan” e prosseguem pela ordem do álbum até à terceira faixa. Aqui, tal como prometido, tocam a primeira música de material antigo, a primitiva e não menos demoníaca “Fátima em Chamas”, da split com Velório. Retornam mais uma vez ao álbum que apresentam com a “The Tongue of Fire” para de seguida nos presentearem novamente com quatro musicas anteriores no catalogo da banda: a gelada “Order of the Black Goat” do álbum de estreia “Terror 666”, a “Ira Nasce nas Noites de Sintra” da split com Inthyflesh e do terceiro álbum da banda, que Vulturius introduz gritando ferozmente e cheio de desdém, “Morte ao homem e viva a Serra de Sintra”; o tributo às bandas da primeira vaga de Black Metal, “Prime Evil Black Metal” repleta de contagiantes riffs do mais primitivo que Black Metal pode ser; e, por fim, a faixa “Death to Humanity”, das primeiras compostas por Vulturius, do demo de estreia da banda, proporcionando um momento único à plateia com os seus riffs negros e hipnotizantes e a sua bassline afiada.
Após esta viagem pelo passado a banda retornou ao álbum, cheia de energia, particularmente Vulturius, que manda um berro de raiva ensurdecedor no final da punk-ish “Da Brandoa com Ódio”. Para finalizar, a banda toca “Mastergoat”, a faixa mais rápida e pesada do álbum de um Black Death caótico, um blitzkrieg sonoro, seguida da faixa de encerramento do álbum, não menos agressiva e veloz. Foi de facto uma prestação brilhante de Irae, sem os problemas que presenciamos, infelizmente, com Black Howling, e com uma tremenda proficiência por parte, principalmente, de Vulturius e do baterista que regalava todos com fills tremendas e ótimos pormenores que acrescentava aos blast beats sem nunca errar uma batida.
Texto por Filipe Mendes
Agradecimentos: Notredame Productions