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Entrevista aos Painted Black



«Raging Light» é o segundo longa-duração dos lisbonenses Painted Black, que subirão ao palco do HARD Club, no próximo dia 16 de Junho, para apresentar este mesmo disco. Será na primeira parte de Desire, banda mítica da cena nacional que assim assinala a reedição do seu primeiro trabalho. Tudo bons argumentos, para uma conversa com Daniel Lucas e Luís Fazendeiro, membros fundadores do quinteto.

M.I. - Quase quatro anos para a génese de «Raging Light», o que se passou?

Daniel: Houve ali um período de saídas e entradas de músicos, isto ainda antes de se começar o processo de captação do álbum. Felizmente, não foi nada de muito dramático. Mas foram situações que acabaram por atrasar, um bom bocado, os planos. Depois, o processo de gravação foi dividido entre Pinhal Novo e Braga, com parte dos instrumentos a serem captados nos UltraSound Studios e outra parte ser tratada nos “Fazendeiro Estúdios”, aka, o apartamento do Luís. Mesmo a minha parte, a voz, foi gravada por duas vezes, metade em Braga, metade em Pinhal Novo. Também aconteceram uma série de peripécias que não vale muito a pena aprofundar, mas que levaram a que o Luís tomasse as rédeas da mistura do álbum. Como ele nunca tinha feito tal coisa de uma forma tão aprofundada, acabou por ser um exercício de estudo e aprendizagem para que tudo resultasse pelo melhor, e diga-se de passagem que o resultado ficou excelente. Eu sei que sou suspeito na minha opinião, mas se ele não tivesse feito um bom trabalho também era o primeiro a dizê-lo. Já nos conhecemos há muito tempo. Estes foram os principais factores. A parte de encontrar uma editora acabou por ser mais rápido do que antecipávamos. Não foi imediato, claro. Houve ponderação. Mas assim que chegamos a um acordo até foi a parte que menos demorou neste processo todo. 


M.I. - Há sempre temas que já estavam na gaveta, outros que se escreveram quase no final. Quais os mais antigos?

Luis: Todos os temas que estão no «Raging Light»  foram compostos depois das gravações do «cold Comfort», o nosso primeiro álbum. Há sempre coisas que ficam na gaveta mas pessoalmente gosto de começar de “fresco” quando acabo um álbum, até para sentir que há uma evolução mais natural a nível musical, e que a nível criativo represente melhor o “presente” da banda. Claro que ninguém nos proíbe de ir buscar coisas ao passado, o que até aconteceu no nosso EP «Quarto Vazio». Voltando à pergunta, “I Am Providence”, “Absolution Denied” e a “Chamber” foram dos primeiros temas a aparecer, penso que depois dessa fase surgiram as primeiras ideias para a “Dead Time”. O primeiro esboço da música que dá nome ao álbum também surgiu ao início, mas a versão final é muito diferente e quase que voltei a começar de raiz. Foi com certeza o tema mais difícil de completar e chegar a uma versão que nos satisfizesse no que toca à intensidade que queríamos transmitir. Mas de uma forma global, fomos polindo todos os temas até entrarmos em estúdio.


M.I. - Quem são os músicos que hoje compõe Painted Black? Qual o seu percurso.

Daniel: Da formação original estou eu e o Luís Fazendeiro (guitarra, compositor, maestro, “producer extraordinaire”), que somos os membros fundadores. Embora eu viva em Vila Nova de Gaia o núcleo da banda reside na área da Grande Lisboa. Aquilo a que comummente referimos como “a vida real” assim o quis. A força de vontade em levar a banda para a frente, faz com que a distância não seja um factor impeditivo. Estamos em comunicação constante e desta forma também não enjoamos um do outro. Aproveitamos também para outras venturas para não estagnarmos. O Luís tem Sleeping Pulse e eu tenho Anifernyen. Logo temos sempre com que nos ocupar. No baixo temos o António Durães que já faz parte da família desde a altura em que a banda se centrou em Lisboa. O Tó tem um historial enorme de bandas, facto com qual nós costumamos brincar dizendo que ele é centenário e, por exemplo, foi o primeiro baixista “dos Mozart”. Na outra guitarra está o Gonçalo Sousa, que começou como nosso engenheiro de som nas actuações ao vivo. O Gonçalo também tem um historial enorme de bandas, em distintos géneros, antes de assentar com Painted Black. Foi papá recentemente e nós já estamos a contar que o Vasco, filho do Gonçalo, venha a ocupar o posto de engenheiro de som, que entretanto foi deixado vago pelo pai. Last but never least, temos o Filipe Ferreira na bateria, também ele com um vasto currículo de bandas, sendo uma das mais notórias os “Banda de Black Metal de Palmela”. Mas brincadeiras à parte, todos na banda viemos de backgrounds musicais diferentes. Quer em conhecimentos sobre música, quer em gostos musicais. Também temos muitos pontos em comum, e tudo aquilo de positivo que fomos adquirindo nos nossos diferentes percursos, fazemos com que funcione quando estamos juntos como Painted Black. No fim do dia somos cinco gajos que gostam de “rock n’ roll”. O que interessa é ser “punk”. E não existem “pregos”, mas sim “jazz alternativo”. Divaguei um bocado?


M.I. - Compôr “Almagest” foi um trabalho hercúleo ou tudo aconteceu rápido?

Luis: Realmente foi um esforço hercúleo. Lembro-me que desde as primeiras notas até à letra deve ter sido quase um ano. Ao contrário da “Raging Light” em que tivemos dificuldade na direcção e nos arranjos, com a “Almagest” eu tinha uma ideia clara do sentimento que queria transmitir e nunca parti com a intenção de fazer um tema longo. Mas é bastante curioso que sempre senti que teria de ter o tempo que fosse preciso para “respirar” e evoluir de forma o mais orgânica possível, por isso não houve qualquer intenção de forçar um limite ou uma estrutura base. De certa forma, apesar de parecer um clichê, a música quase que se foi escrevendo a si própria. Muito do meu esforço mais racional foi colocado na forma como as diferentes partes se ligavam umas às outras e na forma como a música como um todo fluía de forma natural. Para nós a música representa a viagem de uma vida, contada usando o paralelo com a criação do universo, condensada em dezassete minutos. Tem uma temática transcendental e é dessa forma que nos sentimos quando a tocamos e apenas podemos esperar que chegue às outras pessoas da mesma forma. 


M.I. - No próximo concerto do Hard Club, com Desire, o que podemos esperar?

Daniel: Podia dizer coisas como “um concerto intenso”, “o espectáculo de uma vida, com cuspidores de fogo, cavalos, e dançarinas”, mas não consigo. A minha esperança é que corra mesmo tudo bem. Já andamos há algum tempo com vontade de um concerto, e esta oportunidade no Hard Club é algo que não tomamos de ânimo leve. E sem querer parecer muito “fanboy”, ainda por cima vamos fazer a primeira parte para uma banda que não só admiramos mas com a qual criamos laços de amizade ao longo destes anos. As coisas mudam muito dos ensaios para o palco. A adrenalina é outra. E há muita emoção contida que explode quando estamos a tocar os temas. Eu acabo por “zone out” quando estou a, vá, cantar, e só acordo entre os temas. E depois só digo parvoíces. Serve para quebrar o gelo. Temos 45 minutos para mostrar o que é Painted Black e vamos aproveitar todos os segundos. Depois vem o verdadeiro talento, com Desire. 


M.I. - Ainda é cedo para fazer o balanço do trabalho da italiana, Wormhole Death, ou já se podem contar coisas?

Daniel: De certa forma, ainda é cedo para fazer um balanço. Não temos bem a noção dos números deles. Recentemente tivemos mais uma parte do acordo cumprida, que foi a edição japonesa do nosso álbum. É algo positivo e estamos à espera que dê frutos a longo prazo. É muito importante uma boa distribuição, de forma a espalhar a nossa música pelo mundo e acreditamos que de uma forma ou outra a Wormhole Death conseguirá isso. Mas nós temos de nos preocupar com a nossa exposição mais doméstica. Infelizmente, desde que o álbum saiu não tivemos muita oportunidade de o mostrar ao público. Houve situações, um bocado fora do nosso controlo que levaram a isso. Mas, as coisas ainda estão frescas e todos nós temos vontade de fazer mais concertos, para podermos mostrar o potencial do «Raging Light»  no seu todo.


M.I. - Em que ponto está Sleeping Pulse? Mantém-se vivo?

Luis: Neste momento, com o processo todo do «Raging Light»  terminado, as minhas energias criativas estão viradas para Sleeping Pulse e já começamos timidamente a construir alguma coisa para um segundo álbum. De qualquer forma ainda é muito cedo para falar de planos específicos de lançamentos e neste momento estamos apenas focados em fazer música que tenha um significado pessoal para os dois e que seja feita com alma e coração. Só avançaremos para estúdio quando tivermos algo que sentimos que vale a pena e nos possa orgulhar.

Entrevista por Emanuel Ferreira