Fazer um
concerto a uma segunda-feira à noite pode ter um gosto agridoce. Por um lado, é
o primeiro dia de trabalho e a vontade de regressar a casa é maior que o desejo
de sair até às tantas; por outro lado, nada melhor que prolongar o fim de
semana por mais uma noite, especialmente se o programa é de qualidade.
Lisboa
tem vindo a ganhar mais e mais notoriedade no panorama turístico e é inegável
que as notícias de sermos um destino agradável também chegam às bandas e
promotoras internacionais. Além disso, a qualidade das salas de espectáculos da
capital e a quantidade de público que adere aos eventos é quase garantia de se
poder apostar mais. E quando uma banda internacional marca uma tournée, haverá
sempre uma cidade a quem calha a fava da segunda ou terça-feira...
E na passada
segunda-feira dia 27 de Novembro calhou à sala do RCA a “fava” de receber os
norte-americanos The Atomic Bitchwax, um dos expoentes máximos do stoner rock,
e que incluiu Lisboa (e o Porto no dia seguinte) na tour europeia que iniciaram
a 22 de Novembro e que se irá prolongar até 16 de Dezembro.
Com o
público a chegar à sala quase a conta-gotas – estava praticamente deserta vinte
minutos antes da hora de início do concerto –, somos saudados de cima do palco
com um “Boa noite, somos os It Was The Elf e vimos da Serra da Estrela”.
Confesso
que abanei a cabeça algumas vezes na tentativa de perceber que teria ouvido
mal, dúvida que ainda mais se intensificou quando o quinteto nacional arrancou
para uma prestação a todos os níveis notável. Será possível haver música de
tanta qualidade num local tão inóspito e insólito para tal como Gouveia? A
verdade é que as minhas dúvidas foram completamente estilhaçadas com um som
poderoso a habitar na fronteira do stoner mais psicadélico, com muito fuzz,
muita distorção, muitos efeitos de voz, uso e abuso de pedais Wah-Wah Cry Baby,
marcas registadas do que nasceu pelo deserto de Palm Springs. Mas a banda
serrana tem um som muito seu, talvez um “mountain rock” que vai beber às
paisagens geladas do ponto mais alto de Portugal Continental, e que em faixas
como “Words Of Wisdom”, “One Eyed King” ou “Witchburn”, nos transportam numa
viagem vertiginosa cheia de curvas perigosas e emoção até final. O público do
RCA também pareceu gostar da viagem, pois ao longo da actuação foi aumentando
de número junto do palco, dando hipótese à banda de beber também dessa energia.
O disco de estreia “Fire Green” vem já do distante ano de 2016 e foi bom ouvir
algo de novo como “Nature’s Son”, sinal que há um futuro muito próximo para
novidades dos It Was The Elf.
De um outro planeta
chegam os The Atomic Bitchwax. A banda de Chris Kosnik anda há 25 anos a
reavivar a memória de quem os quer ouvir do que era o psicadelismo dos anos 60,
misturado com riffs do heavy metal clássico dos anos 70, passados pela peneira
de qualidade do rock progressivo moderno. O resultado é um stoner rock muito
mais experimentalista do que a corrente que os Kyuss e os QOTSA criaram, com o
elemento Doom Metal muito mais presente. Com o próprio Kosnik, bem como o
baterista Bob Pantella, a pertencerem há alguns anos aos Monster Magnet, não é
de admirar que haja alguns pózinhos de space-rock pelo meio. A pisar novamente
palcos nacionais, depois da passagem pelo Sonic Blast Moledo em 2014, foram os
clássicos que aqueceram mais a plateia, que entoava na íntegra canções como “45”,
“Giant” e o inevitável “So Come On”. Visivelmente feliz, o guitarrista Finn
Ryan não se cansou de elogiar o público presente a uma segunda-feira, tendo
imenso prazer em declarar que iriam tocar pela primeira vez ali faixas do novíssimo álbum “Force Field”, que será editado a 8 de Dezembro pela TeePee Records. “Houndstooth”
e “Shocker” mostram que a banda fez bem o trabalho de casa, mostrando
uniformidade com o material anterior. O melhor estava ainda para vir, com a
banda de New Jersey a brindar a sala com “Shit Kicker”, já no encore, e que
abanou o RCA até aos alicerces, e um regresso ao palco a pedido do público para
duas versões dos Pink Floyd, “Pigs on The Wing” e “Pigs, Three Different Ones”,
ambos do álbum conceptual “Animals” da banda liderada por Roger Waters, e o
encerramento com chave de ouro com o tema título do novo disco, em exclusivo
para Lisboa.
Se as
segunda-feiras são para ser assim, então que hajam mais concertos nesse dia da
semana!!
Texto por Vasco Rodrigues
Fotografias por Rui Oliveira
Agradecimentos: Garboyl Lives