Noite de Halloween, véspera do Dia de Todos os Santos, em que celebramos aqueles que já não se encontram entre nós. Conjugação perfeita para a segunda data de apresentação do mais recente disco da banda mais internacional de Portugal, os Moonspell. E se nas redes sociais os ecos da noite anterior ecoavam como se de uma tempestade épica se tivesse tratado, pairava no ar a sensação, quase promessa, de esta segunda data ser ainda melhor, ou não fosse o dia 31 de Outubro tão especial para a banda de Lisboa.
O novo disco, “1755”, já o sabíamos de antemão pela própria mão da banda, era um enorme passo no sentido do desconhecido, um tiro no escuro da aceitação global, um desafio só ao alcance dos muito grandes. Trata-se de um disco integralmente cantado na língua de Camões, com um único convidado e logo do mundo do fado, um álbum concetual que retrata algo que muito diz aos lisboetas versados na história da sua cidade mas pouco a um público mais alheio a histórias de tempos idos ou a jovens lobos que continuamente engrossam a alcateia dos Moonspell. Nesta noite de Halloween, no entanto, todos acudiram ao chamado, esgotando a sala do Poço do Bispo com a ansiedade e a alegria de quem vem para participar numa celebração memorável.
O palco retrata as ruínas de edifícios que não subsistiram a um cataclismo de força extrema, e pouco passa das 22 horas quando as luzes se apagam e das colunas ecoa o início de “Em Nome do Medo”, faixa que abre o disco, enquanto duas figuras femininas trajadas de negro e vestidas ao estilo de nobres do século XVIII ocupam o seu lugar nas duas extremidades do palco, detrás de um púlpito, acrescentando a sua voz à trilha sonora. No alto, por cima do kit de bateria de Mike Gaspar, surgem meia dezena de personagens. Vestidos de corvos negros, o símbolo da capital portuguesa mas também tanto do azar e infortúnio como da magia e metamorfose, teatralizam igualmente o som que enche a sala repleta. À entrada da banda, verificamos que Fernando Ribeiro personifica ele também um desses humanos mascarados de corvos. Agradecendo ao público presente, o líder dos Moonspell anuncia aquilo que já se antecipava: o concerto irá seguir exactamente o alinhamento do disco, com alguns clássicos reservados para a meia hora final do espectáculo. O tema título do novo disco “1755” é o que se segue, já com um Fernando Ribeiro em trajes “normais”, despida a persona do início. Vamos apenas na segunda música e já se percebe que o público fez o seu trabalho de casa: cada verso é cantado em coro, com um entusiasmo que faz sorrir o líder dos Moonspell. “In Tremor Dei” é o único dos novos temas que conta com a participação de alguém extra-banda e aos primeiros acordes entra em palco o fadista Paulo Bragança, em versão “cardeal alucinado”. Descalço, nota-se no rosto alguma apreensão por se encontrar fora da sua zona de conforto, mas rapidamente o público faz com que perceba que ali também é o seu lugar, emprestando um talento vocal ao alcance de muito poucos. Fernando Ribeiro está bastante comunicativo e vai apresentando os temas à plateia.
“Desastre” e “Abanão” surgem de rajada, a parte do concerto onde a trilha sonora retrata a catástofre que assolou Lisboa, com um trabalho fabuloso de Ricardo Amorim na guitarra. “Evento” é tocado de forma irrepreensível, com a cavalgada de guitarra a marcar o ritmo e também o headbanging, com Don Aires possuído no baixo. “1 de Novembro” usa e abusa da utilização das vozes femininas que permaneciam nas extremidades do palco, ganhando protagonismo os teclados de Pedro Paixão e “Ruínas” é tocado enquanto cai do teto da sala uma chuva de “cinzas” que cobre as cabeças de todos os presentes. “Todos os Santos” é uma das favoritas do público, talvez por ter sido a escolhida para apresentação do disco e rodado bastante nos ouvidos. Tal como no disco, “Lanterna dos Afogados”, um original dos brasileiros Paralamas do Sucesso, foi a versão surpresa que os Moonspell escolheram para encerrar “1755” mas ao vivo ganha toda uma teatralidade e imponência que dificilmente poderia ser colocada em disco. Fernando Ribeiro surge de capa negra num palco completamente escuro, trazendo uma lanterna com luz avermelhada, que abana de um lado para o outro enquanto vocifera a letra que conta a história das mulheres dos pescadores que esperam na praia em constante sobressalto, com lanternas para iluminar o caminho e os ajudar a regressar sãos e salvos.
Finda a apresentação do novo disco, e depois de alguns minutos de espera, os Moonspell regressam ao palco do Lisboa ao Vivo para brindar o público com os hinos da sua já longa carreira. “Everything Invaded”, “Night Eternal”, “Em nome do Medo” (com a habitual participação de Rui Sidónio, dos Bizarra Locomotiva, que aparece completamente disfarçado com um macacão branco e máscara na cara, parecemdo vir fiscalizar um derrame tóxico), e as habituais “Vampiria”, “Mephisto” e “Alma Mater”, cantadas em uníssono e perfeito êxtase por uma plateia que ficou a desejar mais e na esperança de um regresso rápido dos seus heróis a um palco perto deles. A tour de “1755” segue para terras espanholas, ficando para perceber como este novo disco, tão lusitano, funcionará fora de portas.
Texto por Vasco Rodrigues
Fotografia por João Moura