Já lá vai bem mais de uma semana e a verdade é que ainda não conseguimos descer à Terra para digerir tudo o que se passou em Moledo nos dias 10, 11 e 12 de Agosto. Já com algumas edições deste festival às costas, continua a ser um prazer assistir à evolução do SonicBlast, de ano para ano. Um cartaz destes só se consegue com muito amor e dedicação e, mesmo com os Kadavar a saltarem do barco à última da hora (por motivos pessoais), o festival não podia ter corrido melhor.
Chegávamos a Moledo ainda no dia 10 pela hora do lusco-fusco e o facto
de nos ter sido difícil encontrar um sítio para arrumar uma catrefada de tendas
fazia prever uma enchente não só no campismo, mas também no recinto. Essa
enchente ficou confirmada quando dia 11 bastante cedo nos deparámos com a
notícia de que os passes de dois dias se encontravam esgotados, quando há
qualidade a malta adere.
Depois de lidar com todo o processo de arrumação lá nos conseguimos
sentar no meio do mato e ficar naquele compasso agradável de convívio no meio
da natureza, que continua a ser das melhores coisas que a localização deste
festival tem para oferecer. Lá nos dirigimos para a praia e sentámo-nos numa
esplanada a apreciar a brisa fresca que o mar nos trazia… o SonicBlast é sobre
isso mesmo: sol, mar e boa música.
Quando chegamos ao local do warm-up,
a confirmar a tendência de anos anteriores, encontramos o Ruivo’s Bar já cheio
e é durante a atuação dos Desert Mammooth
que lá encontramos uma mesa para nos sentar e desfrutar dos primeiros momentos de
heavy psych rock do festival, tão bem
complementados pela atuação tardia dos Mr.
Mojo.
Dia 1
Neste primeiro dia e já junto ao palco da piscina vê-se aumentar gradualmente
o número de toalhas e pessoas dispostas a passar uma agradável tarde com muito
sol e boa música. Chegámos com o concerto dos nuestros hermanos Holy Mushroom já a terminar e ficámos
com a certeza que estes foram um excelente ponto de partida para qualquer
iniciado ou repetente que peregrinou até Moledo naqueles dias.
O resto da tarde ficaria então a cargo de três nomes portugueses,
deixando também a certeza de que a maior parte deles são já bastante familiares
às almas que dedicam os seus dias a sonoridades destas. Os It Was The Elf chegam de Viseu e continuam a ser mais do que
suficiente para encher e fazer vibrar o palco da piscina. Com uma atitude
simpática e o seu stoner rock bem
esgalhado fizeram as delícias dos presentes e depois de nos apresentarem um
novo tema, deixam ainda a promessa de um novo álbum e a mensagem “curtam muito,
porque isto é espetacular!”
Depois disto foi vez de revermos os Stone Dead que continuam a fazer abanar a carola de tantos “Good
Boys” pelo país fora. Uma atitude inquieta, ligeiramente caótica, fez com que o
movimento fosse constante em palco… e fora dele. O seu rock puro com um aroma
intenso a garage revival pode não ter
propriamente causado um tumulto, mas fez com que se gerasse alguma entropia nos
corpos à volta da piscina.
Para encerrar esta tríade chegavam a nós os Black Bombaim, mestres na criação de sons, texturas e cores que
compõem alguns dos mais interessantes labirintos psicadélicos lusitanos. Mesmo
sabendo que um dos seus mais recentes trabalhos contou com a participação do
saxofonista Peter Brötzmann, foi surpreendente vê-los acompanhados por outro
saxofonista nesta atuação. Foi com mestria e descontração que deixaram todos
os presentes rendidos ao seu som tribal, meio calmante, meio caótico, naquele
final de tarde.
Mudámos de palco, mas a vibe
manteve-se. O sol já se começava a pôr nas nossas costas quando este trio
estadunidense se apresentou em palco, com faixas dos seus dois álbuns lançados
e a confissão de que se sentiam bastante felizes por estar longe de casa. Os
riffs orelhudos destes The Well, tão
bem posicionados entre o psych e o doom, fazem instantaneamente lembrar
Black Sabbath e o duo dinâmico de vozes entre Ian Graham e Lisa Alley torna
tudo ainda mais interessante. Contámos com temas dos dois álbuns lançados,
terminando a actuação com a cover da conhecida “Lucifer Sam” dos Pink Floyd.
Chamem-lhe coincidência se quiserem, mas assistir ao concerto dos Yuri Gagarin com um céu que se nos
apresentava numa palete de cores entre o rosa e o azul foi mesmo a cereja no
topo do bolo. Tal como o nome do cosmonauta russo indica este quinteto
trouxe-nos um space rock intenso que
nos levou numa viagem maior do que esperávamos. Para além da atitude simpática
dos suecos, marcada pela sua alegre circulação entre o público, ficou-nos
também na memória o autocolante com a mensagem “this synth kills fascists.”
Os japoneses Kikagaku Moyo
regressaram a Portugal para nos relembrar a que soa um passeio por entre campos
e campos de flores… em ácidos. O estilo retro deste quinteto relembra um pouco
de tudo e ainda assim conseguem deixá-los num espaço só deles. Sem fugir às
origens, conseguimos reconhecer apontamentos de Sabbath e de Floyd, mas agora
juntem a isso um sitar. O som tão tradicional e ao mesmo tempo avant-garde
conjugaram-se na perfeição com o cair da noite, o jogo de luzes cuidado e os
padrões das camisas de cada um dos elementos.
Com o avançar da noite chegou mais uma descarga sueca e os Monolord subiram a palco em representação
do doom metal, já há muito desejado
naquele recinto. Abriram hostilidades com o single
de lançamento “Rust” do seu novo álbum com o mesmo nome, a sair em breve. O
peso vestiu um hábito vermelho e manteve-se de costas voltadas na projecção,
tal como na capa do seu álbum “Vaenir”, a atmosfera ficou mais densa e viram-se
numerosas gadelhas em movimento sincronizado com os acordes de “Empress
Rising.”
Para descontrair um pouco, chegou a hora de vermos os tão aguardados Elder, que se demonstraram igualmente
ansiosos por tocarem para nós, tendo em conta que o vocalista mencionou várias
vezes o quão feliz se sentia por estar “em Portugal, finalmente.” Era um dos
concertos com maior destaque nesta edição e a banda norte-americana fez jus à
reputação que mantém por cá. Vinham para apresentar o seu mais recente
“Reflections of a Floating World”, mas trouxeram bem mais que isso. Entre
faixas como “Sanctuary”, “Lore” e “Gemini” houve ainda tempo para surgir um mosh tímido e ficámos a saber que,
segundo a banda, não haveria melhor maneira de terminar a sua tour europeia.
Os The Cosmic Dead chegaram
de Glasgow para encerrar a noite com o seu rock psicadélico experimental. Este
“psychonautal cosmodelic buckfaustian quartet” soube bem animar os resistentes,
mesmo depois de terem perdido uma considerável parte dos seus instrumentos na
viagem até Moledo. Contra todas as adversidades conseguiram instalar-se,
contando com a boa vontade dos nossos Black Bombaim, cujo nome fizeram ecoar
por toda a vila em tom de agradecimento. Poucos mas bons, fomos suficientes
para mostrar que o psych está tudo
menos morto.
Dia 2
O segundo dia de festival começava preguiçoso, com a malta que se
dividia numa demanda por um pequeno-almoço que incluísse café e aqueles que
aproveitaram a manhã para desfrutar da praia ali mesmo ao lado do campismo.
Chegámos à piscina mesmo a tempo de ver os portugueses Löbo, levando connosco aquela apreensão
de quem já conhece a banda e fica na dúvida de como soará aquele som no palco
da piscina sob o sol abrasador. Devo dizer que a coisa correu melhor do que
esperávamos e aquela monumental dose de doom
metal atmosférico veio mesmo a calhar para nos refrescar a tarde. Tanto
aquele tipo de sonoridade, como a hora a que se apresentou no cartaz resultou
uma excelente surpresa para todos os presentes.
Numa conjugação aparentemente mais harmoniosa com o horário e o local,
chegavam os Blaak Heat, metade
franceses, metade americanos, com o seu quente bafo oriental pejado de
pormenores e influências inesperadas. As influências árabes chegaram ao
psicadelismo também em tom acústico, com recurso a um oud que nos intrigava
desde o início do concerto. Tudo isto a contrastar com um dress code que assentava essencialmente
no preto, reforçando a ideia de que este festival não tem de todo espaço para
pressupostos ou rótulos.
Os belgas Toxic Shock foram
possivelmente uma das propostas mais arriscadas deste cartaz… e nós
agradecemos. Afinal no meio de tanto stoner,
psych e doom, o que esperar de uma banda de crossover entre o thrash
e hardcore? Certamente não nos
ocorria um vocalista imparável, numa atitude animalesca dentro de uns speedos e muito menos um concurso de stage diving. Os fãs de sonoridades mais
pesadas aproveitaram para sair das toalhas e chegar-se ao palco, acabando por
contribuir para a atuação mais espontânea e caótica do festival. Um vocalista
que jura saber tudo sobre a nossa cerveja agradeceu o facto do público
português “pegar nas toalhas, ficarem de pé e dançarem ao som de uma banda que
nunca ouviram.”
Entre idas à tenda e tentativas vãs de conjugar o horário de jantar
com o alinhamento de todas as bandas que queríamos ver, acabámos por ouvir um
pouco de Sasquatch à distância e
regressar ao recinto a tempo de apanhar parte do concerto dos The Machine. Uma banda com uma base de
fãs fiel, se tivermos em conta o seu conhecido trabalho “Solar Corona”. Sem
poderem deixar de parte o tema “Moons of Neptune” e uma vez mais a casar muito
bem com o pôr do sol, esta atuação revelou-se perfeita para embalar o jantar
de tanta gente dentro e fora do recinto.
Com o cair da noite estava tudo mais do que preparado para receber a acid queen Lori S. de braços abertos. Os
Acid King foram outra das principais
apostas do festival, equilibrando mais uma vez o cartaz no que à sonoridade de
peso diz respeito. Mais uma sonoridade que permitiu aos presentes momentos de
introspeção e viagens de olhos fechados. Aquela voz, a cadência repetitiva e o
tom monolítico dos instrumentos bem oleados demonstram bem o resultado de mais
de 20 anos de carreira. Mesmo com um álbum relativamente recente, foram temas
como “Electric Machine” e “Drive Fast, Take Chances” que fizeram as delícias
dos presentes.
Entretanto os Colour Haze
montavam tenda naquele jardim, enchendo o palco com o seu som e história. Este
trio é já uma lenda neste nicho de estilos musicais e relembra que nem tudo é
distorção. Numa atitude madura e simpática, brindaram-nos com cerca de uma hora
do rock psicadélico mais melódico que alguma vez ouvimos. Tal como se esperava,
foram um dos destaques do festival, guiando o público pelas mais incríveis
paisagens sonoras. Para além de tocarem temas do novo “In Her Garden”, não
deixaram escapar clássicos como “Aquamaria” e “Tempel.” Da parte dos germânicos
ficou também a promessa de regressarem ao nosso país mais cedo do que
esperamos.
Outra das grandes responsabilidades deste cartaz recaiu sobre os
ombros dos veteranos Orange Goblin.
Entre stoner, doom ou puro heavy metal,
Ben Ward não esteve com meias medidas e exigiu do público nada mais, nada menos
do que aquilo que esperávamos deste quarteto britânico: dedicação, energia e
amor à música. Transportaram-nos até 1997 para os acompanhar a plenos pulmões
em temas do seu primeiro “Frequencies from Planet Ten.” A primeira vez que
demos conta que o sing along do
público se sobrepunha à voz de Ben foi com o hino “We Are the Filthy and the
Few” e desde então a coisa só teve tendência para melhorar. Verdadeiros
senhores do rock na sua forma mais pura, não deixaram escapar a oportunidade de
homenagear Lemmy Kilmister com o tema “The Devil’s Whip.” Clássicos como “Time
Travelling Blues” e “Quincy The Pigboy” fecharam a atuação a chave de ouro.
Já com o recinto mais despido, o encerramento das festas ficou a cargo
dos Dead Witches. Um projecto
recente, que reuniu membros britânicos e italianos para lançar o seu álbum de
estreia “Ouija” no início deste ano. Sem presunções, reagiam muito bem ao
público que os abordava durante o dia, mesmo antes de atuarem. Embora com
algumas arestas para limar, apresentam um som promissor e sem dúvida que a
vocalista Virginia Monti marca a diferença pela forte presença em palco. Como
não podia deixar de ser, encerraram o festival com uma dedicatória a todas as
“evil women” presentes.
Não é fácil transmitir o que se vive neste festival por palavras. Mais
um ano em que a Garboyl Lives nos apresenta um cartaz de luxo e relembra que
todos os intervenientes de um festival são parte da experiência: bandas,
público, organizadores e staff.
Confesso que ficamos já a contar os dias até ao próximo SonicBlast Moledo.
Texto por Andreia Teixeira
Agradecimentos: Garboyl Lives
Texto por Andreia Teixeira
Agradecimentos: Garboyl Lives