Há pouco mais de duas semanas estávamos nós ainda a tentar recompor-nos de mais uma edição de Hell In Sintra, que aconteceu nos dias 12 e 13 de Maio nos Nirvana Studios, em Barcarena. Foram dois dias intensos e mesmo tendo em conta todos os contratempos, o festival mais infernal da linha (de Sintra se faz favor) continuou a conseguir dar a volta por cima. Mesmo com a substituição dos holandeses Sinister pelos nossos conterrâneos Quinteto Explosivo, entre outras alterações de última hora, e o público um pouco de pé atrás, o balanço acabou por ser positivo.
Para quem não se lembra ou nunca teve
oportunidade de estar presente, o Hell In Sintra manteve durante oito edições
um formato que nos apresentava um cartaz apenas com bandas portuguesas e onde a
entrada era gratuita. Foi então nesta nona edição que a organização tentou
mudar ligeiramente o formato, passando a dois dias de festival e incluindo
algumas bandas internacionais em conjunto com todo o trabalho e logística que
isso acarreta.
Dia 1
A abrir este primeiro dia de concertos tínhamos
os Impera, um projeto recente que conta com gente cheia de atitude e vontade de
fazer, a juntar a uma sonoridade bastante interessante. Embora tocando pouco
tempo, trouxeram-nos as suas primeiras malhas, algumas delas ainda sem nome, e
conseguimos ficar a saber que teremos o primeiro álbum deste quinteto lisboeta
disponível, ainda este ano. Em temas como “Wings Of A King”, “Lights” e
“Lebensraum” a banda entrega-nos um groove metal maduro e seguro, com alguns
traços de death e uns riffs mais orelhudos, que facilmente consegue arrancar um
headbanging mesmo ao público mais cético.
Os Okkultist são certamente um dos nomes
que vos tem chegado aos ouvidos mais vezes ultimamente e ainda bem. Mais uma
das bandas que se insere não só no já conhecido núcleo duro do underground
nacional, mas também no grupo de bandas reconhecidas pelas suas female growlers. A vocalista Beatriz
Mariano, embora tímida, mostra bem o seu potencial em palco, qual corpo
possuído por um qualquer demónio, como tão bem nos indicavam os seus olhos… ou
a ausência deles. A banda interpretou dois dos seus temas já apresentados em
vídeo, “B.Y.O.C (Bring Your Own Crucifix)” e “Killing Is The Sweetest Thing”, e
também nos deu o prazer de ouvir dois novos temas que virão a integrar o seu EP
de estreia, a ser lançado brevemente. Com bateria, guitarras e baixo a
preceito, conseguiram aquecer uma sala ainda meio despida e dar-nos aquela dose
certa de death metal para dar início a mais um baile.
A terceira actuação da noite ficou a cargo
dos Booze Abuser, numa substituição de última hora. Fizeram-se acompanhar de
uma bandeira da Vila de Cascais e do início ao fim proporcionaram a todos os
presentes um momento de camaradagem, atitude, boa música… caos e álcool, claro
está. Agradeceram aos bartenders pela
sua heróica tarefa de “nos manter a todos bêbedos” e mostraram que não é pela
sua sonoridade assentar na onda thrash mais oldschool…
perdão, punk e thrash alcoólico, que deixariam de nos surpreender naquela
noite. Donos de uma energia única, não pararam de se mexer entre subidas e
descidas do palco e investidas inesperadas do vocalista Rui Rötten para com o
público, que por curtos momentos ficou responsável pelo microfone para
acompanhar faixas como “Modern Man”, “Booze Abuser” ou “Noise For The Drunk.”
Mesmo sendo estes os primeiros concertos,
notava-se já alguma dispersão do público, não só entre os palcos do Le Baron
Rouge e do Custom Café, mas também nos entretantos onde tantos paravam para
confraternizar e recarregar baterias e copos.
Os Burn Damage já dispensam apresentações.
Daquelas bandas que mesmo sabendo o que esperar, principalmente se tivermos em
conta que ainda não pararam de dar concertos desde o lançamento do seu mais
recente “Age Of Vultures”, nunca ninguém nos consegue arranjar uma razão válida
para dispensar mais um concerto deles. A verdade é que com o passar do tempo a
banda se tem demonstrado cada vez mais madura, tanto no trabalho em estúdio
como nas atuações ao vivo. Mais uma vez também não podemos deixar passar a
calorosa receção que este quarteto faz a qualquer público que se lhe apresenta,
não é só a música mas também as pessoas que fazem a banda. Ouvimos “Refugee”,
“Acid Rain” e como não podia deixar de ser a mais recente “Fire Walk WIth Me”,
a integrar o próximo álbum da banda.
Este cartaz contou também com três nomes
que nos afastaram um pouco do típico metal tradicional, underground ou lá o que
lhe queiram chamar, e ainda bem. Estas sonoridades stoner, rock, psych, blues e
afins foram nem mais nem menos do que a lufada de ar fresco que todos
precisávamos naquela sexta-feira.
Começámos desde cedo com uma alteração à
paisagem, querendo isto dizer que os ecrãs se encheram de cor e fluidez, tudo
muito hazy e a inspirar ao groove e ao stoner, tal e qual como a música
dos Her Name Was Fire pedia. Um dueto
entre guitarra e bateria foi suficiente para fazer subir a temperatura na sala,
dar vontade de fechar os olhos e viajar nas passagens mais psicadélicas dos
temas que nos apresentaram. Lançaram o seu primeiro trabalho “Road Antics” o
ano passado e a ideia é mesmo essa: fazermo-nos à estrada ao som deles, talvez
ao pôr do sol como bem manda o desert rock, sem sentir falta daquelas letras
que puxam ao sing along tão bem equilibradas
com o espaço que cada instrumento ocupa na música.
Os Correia foram buscar o seu nome aos
apelidos dos irmãos Poli e Mike, já conhecidos do underground português por
outros projetos em que participaram e participam. Este quarteto continua a trazer-nos
um dos projetos mais interessantes do momento no que ao rock psicadélico
português diz respeito. Desde o lançamento do seu “Act One” em 2016 que têm
andado na estrada e regressam agora em força aos palcos, com algumas datas já
agendadas para este Verão e a gravação do seu “Act Two” também na manga. Não
faltaram temas como “Deliver Us” e “Deceivers Of The Sun”, e a cumplicidade e
conjugação de vozes dos irmãos em palco é inquestionavelmente um dos pontos
fortes da banda. Desta vez tivemos ainda direito a uma mini jam session em que as guitarras fizeram
as delícias dos ouvidos e almas dos blues aficionados.
Depois desta troca de última hora, o
encerramento do primeiro dia de Hell In Sintra ficou então a cargo dos Miss
Lava. Mais uma daquelas bandas que não nos cansam por mais vezes que a vejamos
atuar. Inundaram o Custom Café com cor, groove e “Heavy Rock’n’Roll Disaster”,
citando os próprios. Iguais a si próprios e por isso mesmo inconfundíveis,
trouxeram-nos um conjunto de temas que pôs uma sala, já um pouco despida com o
passar da hora, ao rubro. Ouvimos “In The Arms Of The Freaks”, “Ride”, “Fangs
Of Venom” e, como não podia deixar de ser, a mais recente “Black Unicorn.”
Depois do lançamento de Sonic Debris o ano passado, a banda prepara-se para
lançar o seu novo EP “Dominant Rush”, a ser lançado já em Junho. Ninguém ficou
indiferente ao som deste quarteto e podemos dizer que a energia contagiante da
banda, a par das tonalidades mais stoner e psicadélicas, encerrou o primeiro
dia a chave de ouro.
Dia 2
Este segundo dia de festival prometia ser
duro, com os concertos a começar às 15h30 e a última banda a atuar às 00h40.
Tendo em conta os atrasos do dia anterior, era de esperar também alguns atrasos
num alinhamento que incluía tantas bandas.
O segundo dia começou com a atuação dos All Against. Com uma atitude bem-disposta e familiar, estes abriram as hostilidades do dia com o seu thrash metal bem esgalhado e cheio de
pujança, onde não faltaram temas como “Rise And Fall”, “Medusa” e “Cut In
Blood” acabadinha de sair do forno, mais propriamente na véspera. Não faltaram
os riffs mais típicos e uma saudável dose de piretes, que como todos sabemos
não só faz falta como ajuda a libertar o stress.
Mesmo numa sala com pouca gente, deixaram o público a pedir por mais e foi pena
não terem tido mais tempo para tocar, uma vez que já tinha começado o concerto
de 11th Dimension no outro palco.
Os 11th Dimension voltam ao palco do Hell
In Sintra depois de marcarem presença no festival em 2014. A banda lançou o seu
EP “Odyssey” em 2014 e desde então tem sido uma presença assídua nos palcos.
Como nos trazem uma sonoridade que encaixa numa faceta mais rara do nosso
underground, o metal progressivo, conseguem facilmente conquistar fãs por onde
quer que passem e já estão a preparar o lançamento do seu primeiro álbum, ainda
para este ano. É simplesmente impossível ficar indiferente à voz ora doce, ora
poderosa da vocalista Diana Rosa, mas também à componente instrumental complexa
que nos apresentam mesmo nos momentos mais melódicos. Mesmo com um novo
elemento, cada instrumento consegue o devido destaque e não deixa de ser muito
agradável ver a cumplicidade entre elementos em palco, sobretudo entre um duo
dinâmico no feminino, entre a voz e a percussão.
Desde cedo que foi complicado acompanhar
os concertos das bandas do início ao fim. Podem tirar as vossas conclusões a
partir do momento em que estamos num festival cujo espírito assenta também em
grande parte no convívio, com dois palcos ligeiramente distantes e um
alinhamento apertado… foi duro acompanhar todos os momentos.
Vindos de Cascais e em representação do
metalcore chegaram-nos os Fortune Teller e o seu EP “Milestone”, lançado em
2015. A banda tem andado na estrada e mesmo assistindo apenas a parte do
concerto conseguimos destacar da sua sonoridade uma vibe mais hardcore, a combinar com a atitude deste quinteto, e a
típica (e nem por isso menos interessante) alternância entre guturais e cleans na voz.
As horas passavam e nós percorremos mais
uma vez o caminho que separava o Le Baron Rouge do Custom Café, qual
peregrinação. Depois de um longo soundcheck,
lá sobem ao palco os também já nossos conhecidos Stonerust e eu acho que não
podiam ter escolhido um nome que encaixasse ou soasse melhor com a sonoridade
que estes senhores nos apresentam. Juntos desde 2010 e já com três álbuns
lançados, entregam-nos um thrash metal cheio de groove e outras tantas
influências dependendo do tema que ouvimos, a juntar a uma atitude madura e
segura em palco. A voz áspera do vocalista Bruno Vale casa muito bem com os
tons mais pesados e rudes de que a banda se faz acompanhar nos seus temas.
Movemos o nosso corpinho para o palco Le
Baron Rouge, em ritmo de corrida, quando reparamos que estão a tocar os
Roädscüm. Uma troca inesperada no alinhamento fez então com que esta banda de
“post apocalyptic metal punk” trocasse de posição no alinhamento com os Toxikull.
Como para bom entendedor meia ou antes quatro palavras bastam, acho que não é
preciso muito para imaginarem com o que se parece um concerto destes. Sentimos
o “chamamento primordial” e as guitarras abriram caminho para o inferno. Foi o
caos em palco, mas desta vez trazia bandanas e ainda precisou de uma ou duas
pausas para se pentear, como bem manda o punk rock. Riffs orelhudos, bateria
imparável e o baixo com voz… uma voz bem-disposta e que não perdeu tempo para
invocar Satanás, Belzebu ou qualquer outro nome carinhoso que lhe possam
reconhecer, àquela sala.
Depois de deixar o punk rock a meio, lá
chegámos a tempo de ver mais uma das bandas integrantes do grupo das female growlers portuguesas. Desta vez
foram os Karbonsoul, que comemoram este ano os seus dez anos de carreira.
Mafalda Redondeiro Hortas, frontwoman
da banda, sobe ao palco com a cara pintada e olhos vermelhos, apropriado para a
atuação demolidora que se seguiu. Entre piadas sobre futebol e outros assuntos,
mostraram-nos alguns dos temas a integrar o novo álbum e também a garra de uma
banda com estes anos de carreira.
O atraso já se fazia sentir e o público
continuou a dispersar-se demasiado entre palcos. Houve momentos em que tivemos
bandas a atuar nos dois palcos em simultâneo e outros tantos em que estávamos
só à espera de que alguma banda começasse a tocar. Depois de alguns problemas
técnicos a nível do palco do Le Baron Rouge e de todas as bandas serem
transferidas para o palco do Custom Café, tornou-se complicado manter horários
e controlar tudo o que estava a acontecer no festival.
Confesso que foi difícil desdobrar
atenções entre as atuações de Toxikull e Burned Blood, e ainda uma barriga a
dar horas. Lá foi preciso abrir mão de parte destes concertos para deixar os
ouvidos descansar e recarregar baterias. Os Burned Blood trouxeram-nos mais uma
vez o seu deathcore melódico e os pés descalços do seu baixista, já os Toxikull
tentaram puxar por um público mortiço (para não dizer morto) com o seu heavy
metal sempre a rasgar e uma atitude oldschool
como manda a lei, segundo dizem os entendidos.
De mencionar que o adjetivo que melhor identifica
o público durante a atuação da maior parte das bandas é mesmo o que usei acima:
mortiço. Mesmo com as bandas a puxarem pelos presentes, a coisa acabou por ser
quase que arrancada a ferros, durante o concerto dos Legacy Of Cynthia. A banda
de Sintra lá se apresentou como banda da casa, uma vez que esteve presente na
maior parte das edições do festival e brindou-nos mais uma vez com a sua
sonoridade alternativa, com o groove e ritmos quentes do seu mais recente
“Danse Macabre.” Sem deixarem de parte temas mais antigos, como “Seven Sins” do
seu álbum “Renaissance”, tivemos direito a “Cabaret” num espaço que se
demonstrou ser mais do que indicado. As reações não tardaram e já a tocar para
uma sala bastante bem composta, este foi o primeiro momento do Hell In Sintra
em que podemos afirmar ter visto movimento a sério por parte do público, talvez
por se ter deixado contagiar pela energia interminável desta banda.
Depois de alguns problemas técnicos num
dos palcos, que obrigaram a alterações no alinhamento e na atuação de parte das
bandas, lá chegou a vez dos The Temple. Estes senhores andam na estrada desde
1993 e qualquer concerto deles consegue deixar qualquer um encostado à box,
mesmo aqueles em que acabam por ter de cortar parte da setlist que prepararam, como foi o caso. Com uma sonoridade longe
de merecer qualquer rótulo redutor, conseguiram deixar toda a gente a suar e
ainda tiveram direito ao primeiro mosh
pit da noite… afinal ainda havia vida naquele público. Uma bateria
demolidora, riffs que não nos saem da cabeça durante dias e uma presença única
na voz. Mais uma vez ouvimos e cantámos “War Dance”, a juntar ao especial
momento em que juntam vários elementos da banda à volta da bateria, para acabar
com o que resta do público num concerto destes.
Numa combinação interessante entre o
thrash e o hardcore, chegam-nos os Primal Attack, de quem muito temos ouvido
falar desde o lançamento do seu mais recente trabalho “Heartless Opressor.”
Continuam a receber críticas positivas pelo álbum e seguramente que esta não
será a primeira que recebem pelas suas performances ao vivo. Impossível não nos
deixarmos levar pelo ritmo alucinante que este quinteto entrega em palco. O headbang e o mosh marcaram presença, foi como se entretanto não tivessem
arredado pé do Custom Café, e confesso que deu gosto abrandar para ouvir com
mais atenção os riffs trabalhados da guitarra. Não sabemos se o calor vinha do
público ou do palco, mas este foi mais um concerto intenso, com espaço para
tudo e todos.
Com o avançar da hora chegava também a
hora do grindcore brasileiro. Os Test viajaram entre Portugal e Espanha quase
durante um mês e pelos vistos o público português ficou-lhes no coração. Depois
de pararem em Braga e no Porto e terem dado três concertos durante o SWR
Barroselas, ainda lhes sobrou tempo para atuar nesta edição do Hell In Sintra e
repetirem a dose no dia 16 de Maio, a fechar aquela que é a sua nona tour fora
do Brasil com um concerto na nossa capital. O duo trazia na bagagem o seu mais
recente “Espécies” e o concerto fez-se curto e grosso, mesmo com o público
reduzido a menos de metade. Até para ouvidos menos habituados a este tipo de
sonoridade, foi impossível ficar indiferente à voz cavernosa de Kombi e à
bateria demolidora de Barata. Daqueles que ficam a ressoar na cabeça durante
horas, até dias.
Ainda a procissão vai no adro… ou antes o
atraso era já mais do que muito, quando vimos os Quinteto Explosivo subirem ao
palco, e eu juro que tudo teria sido mais fácil se não contássemos já com
tantas horas de concertos no corpo. Como seria de esperar, não deixaram falhar
a imagem cómica e despreocupada a que se costumam propor. Víamos quatro
Deadpools e um Capitão América em palco, onde não faltaram flautas, caralhadas,
a participação de Mafalda dos Karbonsoul e de Filipe Pereira dos Vizir e um
“Obrigado Odivelas” repetido à exaustão. Resumindo, depois de uma performance
destas nem sabíamos bem para onde nos virar.
Depois de dois dias recheados, inúmeras
bandas e horas de concertos, chegou talvez a parte mais desagradável do
festival. Devido a um acumular de situações, entre problemas técnicos e
desentendimentos, o concerto dos Sacred Sin não aconteceu. Com o avançar da
hora e todo o desenrolar de acontecimentos, acabou por nos ser impossível assistir
ao concerto dos Vizir.
Embora reconhecendo todo o trabalho,
esforço e dedicação que são necessários para a construção e promoção de um
evento deste tipo, foi possível notar que este provavelmente não será o melhor
formato para um festival como o Hell In Sintra. Ainda assim foram dois dias de
convívio, reencontro e boa música… resta esperar pela próxima edição.
Agradecemos à Arcadia Studios e Amazing
Events por nos deixarem fazer parte do festival, e ainda à Loudness Magazine e
à Andreia Vidal pela disponibilização das fotografias.
Texto por Andreia Teixeira
Fotos por Andreia Vidal
Texto por Andreia Teixeira
Fotos por Andreia Vidal