Por vezes, o interesse em determinados géneros musicais parece cíclico. Embora o black metal nunca tenha perdido totalmente o seu apelo, a “magia” da cena norueguesa dos anos 90 parece já pertencente a um passado remoto, particularmente para aqueles que nunca a vivenciaram. Nos últimos 2 ou 3 anos, porém, uma nova cena tem andado nas bocas do mundo – como é que tem saído da Islândia, um país com 300 mil habitantes, álbum após álbum de grande qualidade? Um dos mais claros exemplos é “Söngvar elds og óreiðu”, lançado pelos Misþyrming em 2015 e universalmente aclamado. Agora que preparam o seu sucessor – e depois de um incrível concerto em Barroselas –, falámos com D.G., mentor do projeto.
M.I. - Como é que Misþyrming evoluiu? Inicialmente era uma espécie de one-man-band, certo?
Tenho composto música desde que era criança e estudava piano e guitarra. Quando comecei a ouvir metal extremo fiquei com a ambição de escrever ainda mais. Tive algumas bandas desde os dezassete anos mas o que nunca senti foi uma liberdade total para controlar o processo criativo. Por isso criei Misþyrming para executar as coisas a solo. No início queria fazer tudo sozinho, mas apercebi-me rapidamente de que uma drum machine não seria adequada para o projeto. Entrei em contacto com o H.R.H. e pedi-lhe para gravar as faixas de bateria para o álbum de estreia. O processo de gravação foi uma experiência tão boa para ambos que acabei por lhe perguntar se gostaria de levar isto para um contexto ao vivo. E pedimos aos nossos bons companheiros T. and G. que se juntassem a nós.
M.I. - As pessoas que ouvem esta nova onda de black metal islandês identificam nela uma forte influência de Svartidauði e de Deathspell Omega. Concordas? Adicionarias outros nomes?
Essas bandas são definitivamente uma inspiração para muitos músicos islandeses de black metal, e para outros músicos em todo o mundo. Penso que os Deathspell Omega alteraram dramaticamente o som do black metal moderno, principalmente a nível das guitarras. Os Svartidauði são uma das bandas de black metal mais ativas na Islândia há pelo menos dez anos por isso têm um legado aqui na nossa cena. Mas claro que há inúmeras bandas igualmente inspiradoras, e cada um tem as suas próprias preferências
M.I. - Dirias que o isolamento da Islândia contribuiu para o desenvolvimento da cena local? Apesar de ser possível ouvir tudo online, a maior parte das bandas que fazem tours europeias não visitam o vosso país, por isso pergunto-me se isso não motivou algumas das bandas islandesas a fazer música elas mesmas.
Sim, a cena local é bastante promíscua devido ao isolamento. Tens razão. Tendo em conta que não há muitos artistas estrangeiros a visitar-nos, os concertos são dados principalmente por bandas locais. Quando vês as bandas locais a tocar, pessoas da mesma região que tu, companheiros, isso pode ser uma motivação para tu fazeres o mesmo. O lançamento em vinil do “Flesh Cathedral” [dos Svartidauði] abriu-me os olhos para a possibilidade de fazer tal coisa.
M.I. - Achas que há uma razão por detrás deste sucesso repentino? Estarão os fãs de black metal à procura de uma nova cena igual à da Noruega nos anos 90?
Como eu disse, a nossa cena é promíscua, portanto estamos muito unidos. A razão para este sucesso fica ao critério de cada um. Aposto que a existência de uma boa cena é entusiasmante para os fãs. Eu próprio gosto de explorar várias cenas em todo o mundo, de diferentes eras.
M.I. - A atmosfera do black metal não mudou muito ao longo dos anos, mas o shock value de certa forma desapareceu – dispensam-se as odes a Satanás com o propósito de ofender. A nível lírico, quais são os principais temas em Misþyrming?
Habitualmente escrevo as letras completamente à parte da música. Mas quando escolho letras para uma música, a atmosfera da música tem de se enquadrar. Os temas variam, mas para resumi-los diria que são todos sobre assuntos que tenho em mente. Pode ser política, amor e sexo, depressão, fúria, etc.
M.I. - E quanto à emoção na música? O que sentes quando compões, quando tocas as tuas músicas?
Uma música é um estado de espírito. Levo uma noite ou um dia a criar o conceito musical de uma música, os riffs e isso tudo, e depois esse estado desaparece. Uso o dia a seguir para polir a estrutura da música. Quando uma música está pronta e, por assim dizer, aperfeiçoada, é gratificante gravar uma demo e tocá-la ao vivo.
M.I. - Tens algum objetivo final enquanto músico? Alguma ambição a preencher?
Quero usar a inspiração que recebo das coisas na vida e expressar a minha experiência e sensações através de qualquer canal que considere adequado. Neste momento, o maior canal é obviamente Misþyrming. Os objetivos finais enquanto músico são alguns, mas acima de tudo quero honrar e respeitar cada projeto ao executá-los e apresentá-los da forma mais apropriada e correta.
M.I. - Estiveste recentemente em Portugal. Como foi a experiência em Barroselas?
O SWR foi uma experiência fantástica para todos nós. A equipa do festival foi honesta e trabalhou arduamente para que este fosse bom tanto para as bandas como para o público. Tivemos três bandas da Vánagandr a tocar, Nornahetta, Naðra e Misþyrming. Cada espetáculo foi satisfatório. Infelizmente só pudemos ficar durante metade do festival porque estávamos em tour, mas adoraríamos voltar para a experiência completa.
M.I. - Umas semanas antes disso, estiveste na Holanda. Deve ter sido uma honra tocar no Roadburn tão cedo na carreira dos Misþyrming. O que nos podes dizer sobre esses concertos?
Sermos os Artists in Residence desta edição do Roadburn foi uma grande honra para nós, especialmente tão cedo, como disseste. Tocámos três sets diferentes de Misþyrming, que foram todos mais ou menos perfeitos, e as três outras bandas islandesas que vieram connosco deram também grandes concertos. O público era genuíno, honesto, entusiasmado e recebeu-nos elegantemente. O anfitrião, o Walter, disse-me que havia uma linha de 1000-1500 pessoas que não conseguiram ver os concertos na sala Het Patronaat. Ele e o seu staff trataram-nos extremamente bem e por isso estamos gratos.
Entrevista realizada por Daniel Sampaio