Com o final dos Oblique Rain, alguns dos seus elementos reuniram-se em volta de um novo projecto, Sullen, que se estreou no início deste ano com o álbum “Post Human”. Numa altura em que o grupo se estreia ao vivo, a 24 de Julho, no Hard Club, a Metal Imperium conversou com César Teixeira, vocalista e guitarrista e Marcelo Aires, baterista.
M.I. - Sullen surge das cinzas de Oblique Rain e a maioria dos elementos vem desse grupo… quando é que surge a necessidade de terminar um projecto e iniciar outro?
César (C) – É um projecto diferente e quando se dá a ausência de um vocalista, que é em grande parte a personalidade de uma banda, não faz muito sentido, do nosso ponto de vista, que a banda mantenha o mesmo nome. Além dos bloqueios artísticos e criativos que se deram, e algumas diferenças de opinião relativas aos caminhos que se deviam seguir, há esse fator da ausência de um vocalista. Eu vejo com bons olhos que seja substituído um membro de uma banda, mas quando é um vocalista, acho tudo mais complicado. Por isso penso que esta terá sido a melhor opção
M.I. - Entre grupos há um certo hiato, foi pelo tempo de construção do projecto? Repetes a maior parte dos membros de Oblique Rain.
C – Não, o processo de construção deste álbum e de Sullen, confunde-se com Oblique Rain, até porque há uma parte da música que estava já a ser feita no tempo de Oblique Rain. Não há nenhum hiato, a não ser um período de alguns meses, até arranjarmos um local de trabalho e criarmos condições para iniciarmos o trabalho de Sullen. Fora isso, não houve nenhuma paragem criativa.
M.I. - Vocês inscrevem-se no prog rock. Mas será apenas prog? Logo no intro soa-me a math…
C – Acho que prog rock começa por definir melhor o nosso som, se bem que tocamos em muitos estilos e linguagens, se bem que é um pouco limitador classificar o som de Sullen como Metal progressivo ou Rock progressivo, porque realmente toca em muito mais influências e caminhos diferentes.
M.I. - Falas em muitos estilos e salta logo a terceira faixa – “Redondo vocábulo”- com um tema de Zeca Afonso, que se destaca não só pelo autor mas por ser um tema em português num disco em que as letras são em inglês e em que o instrumental prevalece sobre as partes cantadas.
C – o Zeca Afonso é uma figura com a importância que tem, no panorama nacional. O tema é algo que todos adoramos, um tema muito bonito e foi apenas uma reinterpretação do tema da nossa parte. Não há nenhuma razão que não seja prestar homenagem ao artista, fazendo uma reinterpretação do tema, mantendo apenas a melodia de voz, dando uma nova roupagem e acaba aí.
M.I. - Mas aparece bem destacado no disco, é logo o terceiro tema… geralmente as bandas guardam as versões para momentos mais tardios no disco. É propositado?
C – Não, não é propositada. Para começar não consideramos uma versão, existem outras versões do tema. Nós fizemos uma reinterpretação instrumental, por isso acaba por se confundir. Quem escutar o tema e não conheça o original, não se irá aperceber que se trata de uma versão.
Marcelo (M) – Nem é um tema intervencionista, é mais um tema contemplativo, como muita da nossa música.
M.I. - Já que falam de instrumental, o primeiro tema, é um intro ou um tema normal? Ele dura 5 minutos, um pouco longo para intro…
C – É um tema, tem alguns coros, não tem uma melodia de voz. Aliás, em todo o álbum a voz surge como mais um instrumento, não é algo que se destaque em particular.
C – Também, passa um bocadinho por aí. Eu ainda hoje não me habituei à ideia de ser vocalista.
M – A questão do vocalista/guitarrista é mais uma questão de estética. Temos a particularidade de pensar em tudo, incluindo a voz, como um instrumental. A voz não é só a voz, é mais um instrumento no contexto, como o baixo, a guitarra, a bateria ou as teclas. Se um instrumento aparecer como elemento preponderante em algum momento, a voz também o vai ser. Não aquele que elemento que, como em Oblique Rain, caracterizava a sonoridade da banda, é mais um elemento que traz o embelezamento do todo.
M.I. - Vocês acabam por colocar três guitarras no álbum, é um indicativo de como será ao vivo?
C – Podíamos ter dez guitarras que elas cabiam lá todas, o problema é de quem mistura. Mas ao vivo é possível tocar com três guitarras. Será mais difícil, mas concretizável.
M.I. - Entre disco e primeiro concerto, demorou um pouco. Não houve aquela pressa de ter de tocar porque há um disco?
C- não, não existiu aquela pressa. Primeiro que tudo, acho que era preciso dar algum tempo pois não é um álbum de digestão fácil. Pelo menos é essa a minha visão. É um álbum que tem de se dar algum tempo para deixar as pessoas conhecerem bem e para deixar crescer um bocadinho.
M- E pelo menos uma outra coisa, que já tinha focado quando de Colosso; Queríamos procurar que prevalecesse sempre a qualidade a nível da performance, quer a nível de espectáculo, quer a nível de qualidade de material. Não queríamos pôr o nosso trabalho em causa. Até porque não é fácil pôr o que está registado, cá fora. A música é exigente a todos os níveis e preferimos ter tudo bem oleado que começar a dar concertos sem estar bem ensaiado.
M.I. - Voltando ao disco e à banda, porquê Sullen?
C- porque é um nome que se enquadra com o ambiente negro que se criou no disco. Queríamos um rótulo e é esse rótulo que melhor julgamos associado à música.
Depois dessa explicação, já nem pergunto a razão do nome do disco, “Post Human”.
M – A nível de mensagem, eu e o César, como escrevemos as letras, estamos mais dentro do assunto e acaba por não ser uma mensagem tão negra quanto isso. Aliás, acaba até por ser bastante esperançosa. Os contornos da mensagem e a forma como é tratada ao longo de todo o álbum é quase como se encarássemos isto como havendo uma personagem que não é concreta, mas que vai conduzir tudo desde o primeiro tema até ao final.
M.I. - Significa que o disco é conceptual?
M – Sim, eu vejo o álbum desta forma.
M.I. - Mas não é o conceptual de contar uma história, mas antes de criar um fio condutor…
M – Sim, há três fases muito importantes: primeiro a constatação daquilo que nós somos e nos rodeia; depois uma necessidade de renovação e todos os problemas e contornos, quase todos negativos, que nos envolvem. Finalmente a necessidade de dar a volta por cima a toda esta situação e acabar em paz. É em cima destas ideias que o álbum se enquadra e por isso o título “Post Human”.
M.I. - E o “Redondo Vocábulo” encaixa neste conceito?
C- Encaixa perfeitamente, por isso é que está em terceiro lugar e não noutro.
M – Encaixa e liricamente é diferente do habitual em Zeca Afonso e enquadra-se na estética para este disco.
M.I. - Uma das primeiras críticas que li, elogiava bastante o disco, mas não demorava muito a colocar o rótulo “Opeth”. Não será um pouco redutor, ou até preguiçoso, ficar por aí quando há tanta variedade?
C – Quem escreve, tem de fazer passar uma imagem para quem lê, e dizer “estes gajos soam a Opeth” é uma forma de transmitir a ideia ao leitor. Naturalmente temos as nossas influências e poderá haver um ou outro momento no álbum em que soemos a Opeth. Mas as pessoas tem de ouvir e tirar as conclusões, e a referência a Opeth não deixa de ser positiva e melhor que nos enquadrarem em algo que não gostemos.
M – Em doze temas há doze ambientes completamente diferentes. É natural que alguns se assemelhem a nível estético.
C – Algumas das críticas até nomearam referências que não são nossas influências e se estão lá são completamente inadvertidas, não há intenção de colar a Opeth ou outra coisa qualquer.
M – Pelo meio em que nos inserimos, o Metal, há uma tendência em nos rotular usando bandas enquadradas nesse contexto, quando na verdade, especialmente a nível de composição nós temos muitas mais influências. Muitas nem se enquadram no Metal ou na música moderna, estão mais relacionadas com a música tradicional, por exemplo vozes búlgaras que adorámos.
M.I. - Olhas para um cartaz como o Primavera Sound ou lês uma Pitchfork e esses “pacotes” de Metal, já estão atenuados, com estilos a fundirem-se com música diferente.
M – Nós até a nível de objectivo, na composição, tentamos remar contra a maré e evitar o que seja previsível. Quem perceber de música e vá analisar o que fizemos vai encontrar coisas muito mais complexas e diferentes daquilo que se faz neste momento. Poucas são as bandas dentro do género que tem esse arrojo. Uma das poucas bandas dentro do Metal que o fazem é Extol, que até já nem existem.
M.I. - Na escuta do disco, encontrei momentos de math metal, sendo uma descrição que encaixaria melhor que apenas prog metal…
C- Se calhar um tema ou dois…
M – A “Devata” podia ser descrita como uma abordagem estilo Allen Holdzworth que é um guitarrista de fusão que nada tem a ver com Metal. Mas é uma abordagem é com uma roupagem moderna, dita metaleira. As nossas referências não são viradas para um só estilo e mesmo para artistas que por sua vez são influenciados por outros.
M.I. - Este disco é para consumo interno ou para o exterior?
C/M – É um disco feito para nós.
M.I. - O disco tem 52 minutos, não será um disco longo?
M - Uma pessoa tem de trabalhar para todos os contextos, mas o nosso disco é para quem se pretende sentar e ouvir música. O álbum tem de ser encarado como um objecto de arte.
M.I. - Aí voltamos às referências prog, do disco que se pára para aborver…
C – E conceptual…
M – E todos os registos daqui para a frente, ambicionamos que não sejam apenas mais um para adicionar à colecção, mas peças de uma maior estrutura.
M.I. - Esse conceito de arte passa também por todo o lay-out… como funcionou este artwork de D. Doria?
Na nossa pesquisa para obter um trabalho gráfico de qualidade, encontramos este israelita, gostámos do trabalho dele. Havia um grupo de quatro artistas e este foi o que ganhou a corrida. Este trabalho já existia, adquirimos os direitos e utilizamos no disco e t-shirt. Acho que tem um lado surreal, mais abstracto, que se aproxima de nós e do conceito que procuramos para Sullen.
Entrevista realizada por Emanuel Ferreira