Steven Wilson é dono de uma criatividade ao alcance de poucos, conjugada com um ritmo de trabalho não menos impressionante. O líder dos Porcupine Tree e mentor de projectos como Storm Corrosion, Blackfield e Communion, entre outros, tem dedicado os últimos anos à sua carreira a solo, na qual tem criado o seu trabalho mais diversificado, indo beber às várias sonoridades que o influenciam.
Depois do aclamado “The Raven That Refused To Sing (And Other Stories)”, Wilson chega ao quarto álbum com este “Hand. Cannot. Erase.”. Gravado em 2014 e contando com a participação da cantora israelita Ninet Tayeb, assim como a mesma line-up do álbum anterior, este disco conceptual conta uma história inspirada no caso de Joyce Carol Vincent, uma mulher britânica que morreu no seu apartamento em Londres e só foi descoberta 3 anos depois. Com o aspecto lírico a focar-se sobretudo na estranheza da situação, visto que a rapariga era jovem, popular e tinha vários amigos, “Hand. Cannot. Erase.” é um trabalho pautado pela diversidade sonora e riqueza musical, contendo aqui e ali algumas referências a bandas seminais de rock e metal progressivo, os estilos predominantes no álbum. Este dado merece desde já uma nota de destaque, pois as referências vão além do simples piscar de olho a nomes lendários da música e são brilhantemente incluídas no estilo das composições em que surgem. O álbum começa com “First Regret”, uma curta introdução que serve de prelúdio para “3 Years Older”. Esta faixa contém uma referência clara aos Rush, logo no estilo de riffs verificados no seu início, que nos transportam imediatamente para a lendária “2112”. Mas o tema não se resume apenas a isto e logo desabrocha numa música épica com muita variação dinâmica e um conjunto de solos soberbamente executados. Segue-se “Hand Cannot Erase”, um tema de 4 minutos que demonstra o lado mais acessível da composição de Steven Wilson, com um refrão viciante a fazer lembrar músicas dos Porcupine Tree como “Trains” ou “Lazarus”. “Perfect Life” não tem a qualidade das músicas anteriores, com as narrações de Ninet Tayeb a soarem algo fora do lugar, isto apesar da onda mais electrónica que o instrumental assume ter o seu interesse. Depois temos “Routine”, uma música com um build-up fantástico e a voz de Tayeb a criar um efeito sublime, juntando letras mundanas à impressionante sensibilidade musical de Steven Wilson e companhia. “Home Invasion” e “Regret #9” formam um par cuja primeira parte contém alguns toques de Opeth e Emerson, Lake And Palmer e a segunda os melhores solos de guitarra e teclado presentes neste disco. Após uma curta “Transience”, que adiciona pouco, chegamos ao ponto alto do álbum, a faixa de 13 minutos “Ancestral”, mais um tour-de-force de mudanças dinâmicas, ritmos irregulares, melodias infecciosas, solos sublimes e até secções de flautas reminiscentes aos dias áureos dos King Crimson. O álbum fecha com “Happy Returns” e “Ascendant Here On…”, duas faixas que não adicionam muito ao disco e que não fariam grande falta se tivessem ficado de fora.
Resumindo, “Hand. Cannot. Erase.” É muito mais do que apenas um bom disco de rock progressivo. É um álbum conceptual brilhantemente criado e executado, no qual Steven Wilson demonstra o seu talento para conjugar complexidade e acessibilidade das maneiras mais inesperadas mas extremamente eficazes. É sabido que construir um álbum conceptual é sempre um risco mas Steven Wilson fê-lo novamente de uma forma sublime, sendo que a única crítica que este álbum merece prende-se com as duas faixas finais, francamente dispensáveis e que o impedem de se tornar num clássico moderno completo.
Nota: 8.5/10
Review por Daniel Lauriano